Administração Pública

Avaliação é rotina em setores
onde não falta responsabilidade

DANIEL LIMA - 05/06/1997

Várias das reações da classe política da região ao processo de avaliação a que serão submetidos os Legislativos locais pelo Diário do Grande ABC, através de grupo de especialistas, só confirmam a premência do trabalho. Naturalmente, a oposição tem origem nos profissionais da política que menos produzem e mais se escondem nas artimanhas do clientelismo. A perenidade do descompromisso dos legisladores está seriamente ameaçada e eles sabem muito bem disso. Ter jornalistas-fiscais em cada Câmara Municipal é ameaça a quem vive de práticas obscuras, de atos escusos, de conchavos vergonhosos. Só legisladores realmente voltados para a dignidade do cargo não se chocaram com essa iniciativa profilática que, como se anunciou, também chegará até os prefeitos.

O que a maioria dos homens públicos ainda não entendeu é que o Estado, em suas diversas ramificações, precisa ser controlado pela sociedade. Só nos regimes discricionários ou em democracias mambembes não há espaço para a administração pública monitorada. Se é verdade que o grau de participação da comunidade ainda é reduzido e em muitos casos instrumentalizado, porque o Brasil oferece uma história político-administrativa recheada de ditaduras com intervalos de democracia populista, isto não significa que se deva curvar-se com ares fatalistas ao passado e ao presente.

O futuro de um País terceiromundista só será diferente se as práticas políticas forem substancialmente alteradas. Se o roteiro de descalabro permanente, que tem em Brasília os pontos de maior visibilidade e fedor, não for alterado no berço das práticas políticas, no caso os municípios, não se pode esperar algo diferente do teatro de horrores em que se transformou no País a democracia representativa, terreno movediço que acaba por vicejar o contraponto de extremos de direita ou de esquerda.

Acreditam certos homens públicos que o mandato parlamentar ou executivo lhes confere a inviolabilidade da crítica e da avaliação. Sonham eles com uma proteção blindada que lhes permite estar acima do bom senso, da coerência e da responsabilidade coletiva. Acham-se imunes ao eventual estilhaçamento de prestígios pessoais construídos pela tradicional omissão dos contribuintes e pela reduzida carga de cidadania. Acreditam-se deuses, quando em muitos casos não passam de diabos a serem exorcizados.

É natural que a maioria deles não tenha tido o alcance da proposta. Só os qualificados, que são poucos, não se perturbaram com a inovação. Os maus legisladores fingem desconhecer que o Brasil mudou. Escamoteiam a realidade do dia-a-dia de quem contribui para manter o funcionamento da máquina pública. Dão de ombros para o fato de que em qualquer atividade que se preze, que tem compromissos com resultados, a avaliação é compulsória.

De um office-boy a um executivo de alta patente, ninguém mais escapa de normas escritas ou não que têm como lógica a produtividade funcional. Afinal, é do resultado do trabalho de cada um e do entrosamento de todos que resultam produtos e serviços com ou sem qualidade que o mercado é soberano ao julgar. E todos sabem que os serviços oferecidos pelos legisladores e executivos, de maneira geral no País, são de baixíssimo nível. Longe estão do ISO 9000. Muitos se aproximam de outros números, do Código Penal. Por que então, em plena era da globalização, aceita passivamente o desprezo à eficiência?

A iniciativa do Diário rompe com tradição de comodismo do jornalismo brasileiro que elege os homens públicos como alvos preferenciais de coberturas, mas só persegue seus passos ao sabor dos acontecimentos mais suculentos, mais vendáveis nas bancas de jornais e geralmente de forma tão prolongada e duradoura como o sol que rompe as brumas no inverno.

O Raio X das Câmaras é, em contraste, a proposta de apanhar um material em estado bruto, lapidá-lo sistematicamente e, quase que anonimamente através de um grupo de profissionais, transformá-lo numa escultura de valor inestimável, porque vai revelar em todos os ângulos o que se passa nos Legislativos. É certo que o resultado final, até porque não se muda uma realidade histórica do dia para a noite, provavelmente oferecerá figura nada atraente, a causar mal-estar até, mas que possibilitará a racionalização de novos ciclos de desbastes de modo que o noticiário político não continue a rivalizar-se com o policial ou a servir de tema preferencial do Casseta & Planeta.

O Estado mínimo e forte que se espera, o Estado socialmente empreendedor e não empresarial que se exige, o Estado capaz de equilibrar com o mercado o jogo só aparentemente improvável de competitividade com responsabilidade social, esse Estado, em suas várias esferas, não pode prescindir de representantes tecnicamente preparados tanto no Executivo como no Legislativo. Está na hora, ou já passou da hora, de interromper a correlação União, Estados e Municípios com casa-da-mãe-joana, onde tudo se pode, onde tudo se ajeita.

Essa transformação só será efetivamente introduzida se dirigentes e funcionários públicos também inconformados com a degradação do Estado brasileiro resolverem reagir e ajudarem a expurgar aqueles que lhes mancham a reputação.



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