O abacaxi de uma denúncia de assédio sexual reincidente envolvendo um político do Grande ABC poderia sim ter sido descascado por este jornalista já na edição de fevereiro da revista LivreMercado, que vai à distribuição e às bancas neste final de semana.
É evidente que o material seria apresentado como Reportagem de Capa.
Preferi compartilhar com o Conselho Editorial de mais de duas centenas de componentes a decisão de publicar ou não a bombástica matéria.
Entendo que o assunto exige coletivismo decisório para que não paire sobre mim, apenas sobre mim, o peso de eventualmente ter me excedido.
Sim, porque quando se trata de traquinagem sexual não falta quem considere a questão exclusivamente pessoal.
Por conta disso, vivi drama no final do mês que passou, não bastasse uma complicação de saúde que, felizmente, uma ressonância magnética tratou de me acalmar.
Publicar ou não publicar a matéria-denúncia, cujas provas materiais e testemunhais são irrefutáveis, embora alguns que têm conhecimento do caso, e não querem ver o protagonista numa saraivada desclassificatória, procurem esvaziá-lo sob argumentos furados?
Publicar ou não publicar algo que teria influência decisiva na disputa por uma das prefeituras das sete cidades da região, inclusive, diante da repercussão da matéria, com a possibilidade de alijamento subsequente da disputa?
Até que ponto, ao não publicar a matéria, estarei colaborando para a continuidade de desvios comportamentais do político em questão?
Até que ponto, ao publicar a matéria, não estarei colaborando com a possibilidade de o político em questão ter sérios problemas familiares para explicar-se, se, convenhamos, já não os viveu, porque é reincidente na manifestação de uma preferência obsessiva pelo passar de mão abusado, preliminar, quem sabe, do passar de outra coisa que ele considera normal?
Entrego aos conselheiros editoriais de LivreMercado essa missão, com a promessa de que os votos serão mantidos em segredo, assim como o são na definição de hierarquia de notas dos cases do Prêmio Desempenho, os quais eles analisam individualmente e longe da curiosidade de terceiros.
Só destravarão o sigilo aqueles conselheiros que se predispuserem a tanto.
Mais que isso: submeteremos as planilhas dos conselheiros às duas auditorias externas que atendem ao Prêmio Desempenho, no caso a Guedes Consultoria e a Strong/FGV.
Tudo porque não podemos dar a menor abertura às tentativas de esvaziamento do modelo de decisão que adotamos. Nada de suspeição sobre a vontade dos conselheiros.
Antes que algum leitor afirme com a irresponsabilidade do desconhecimento do perfil deste jornalista, devo garantir que não foi medo no sentido lato do termo que me levou a adiar ou simplesmente descartar (tudo dependerá do Conselho Editorial) a matéria-denúncia em questão.
Quem acompanhou minha performance no caso Celso Daniel, posicionando-me contra a manada acomodada e irresponsável de acusação a um inocente, sabe muito bem do que estamos falando.
Fiquei praticamente sozinho contra uma unanimidade burra que preferiu se deixar levar por inúmeras imprecisões do Ministério Público. Os promotores criminais foram hábeis, porque a sustentação estratégica de uma tese furadíssima (de assassinato encomendado pelo primeiro-amigo de Celso Daniel, o empresário Sérgio Gomes) se deu pela probabilidade de acerto no financiamento paralelo de campanhas eleitorais a partir do Paço Municipal de Santo André, bem como de possíveis desvios para bolsos privados. Associou-se com esperteza uma coisa à outra e deu no que deu.
Neste caso, de assédio sexual, é diferente. A decisão, por mais que esteja respaldada por fatos documentados e testemunhados e que são, acreditem, irrebatíveis, envolve aspectos com os quais, francamente, jamais me defrontei.
Até que ponto a vida particular de um político é importante na atividade pública?
Qual é a linha divisória, se linha divisória existir, entre o público e o privado?
Particularmente entendo que o público e o privado quando colocados materialmente sobrepostos, testemunhalmente relacionados, não podem dissociar-se.
Mas essa é a minha opinião e, por mais que minha opinião tenha peso na resolução editorial de LivreMercado, jamais perco a sensibilidade de ouvir as bases, como poderia chamar o quadro de conselheiros de LivreMercado. Aliás, para situações análogas, nas quais o peso do conjunto é muito mais representativo do que simples opinião pessoal, é que contamos com o Conselho Editorial.
Aliás, foi o Conselho Editorial também que no ano passado decidiu pela abertura do Clube dos Prefeitos à comunidade. Uma posição que, como se sabe, não mereceu atenção e respeito do prefeito de Rio Grande da Serra, Kiko Chaves Teixeira, comandante circunstancial e em fim de mandato daquela entidade.
Francamente, não sei o que essa base comunitária pensa a respeito do assédio sexual reincidente, repito, do homem público em questão. Nem suspeito.
Pois então quero ouvi-la. A consulta enviada a todos os conselheiros, com duas alternativas de resposta, uma favorável à denúncia do político e a outra retirando-o de qualquer tipo de noticiário, foi a saída que encontrei.
Pode ser inédita, como parece ser, mas não deve ser confundida com nada que possa dar alguma idéia, mesmo que vaga, de covardia.
Francamente, quem me conhece sabe que covarde não sou. Nem oportunista. Muito menos aproveitador. Fosse dessa laia que, infelizmente, infesta o jornalismo brasileiro, não estaria aqui escrevendo sobre assunto que poderia resolver nos escaninhos dos bastidores, como muitos o fazem.
O que está em jogo é uma administração pública e isso é o que conta. Até que ponto interessa à comunidade, representada no Conselho Editorial, ver o caso de assédio sexual transformado em fato relevante a impedir a possível candidatura do autor?
É isso que o Conselho Editorial deve responder até o dia 18 deste mês.
Possivelmente esteja este jornalista acabando com a festa de quem ganha mais ao sonegar notícias cabeludas do que ao publicá-las. Ou, possivelmente, em manter o envolvido diretamente no problema sob o cabresto por longo tempo.