Política

Assédio prorrogado

DANIEL LIMA - 21/02/2008

A executiva estadual do partido ao qual pertence o pré-candidato a uma das prefeituras do Grande ABC acusado de tentativa de assédio sexual terá 60 dias de prazo, a findar-se em 20 de abril, para pronunciar-se.


A decisão do Conselho Editorial da revista LivreMercado, na tarde-noite da última quarta-feira, 20 de fevereiro, foi proposta por este jornalista depois de apresentar o resultado da consulta realizada durante duas semanas, pela Internet. Votaram apenas, e de forma confidencial, os membros do Conselho Editorial.


O ponto crucial do encaminhamento da proposta aprovada tem origem nas mensagens de vários advogados que compõem o Conselho Editorial: apesar de todas as provas materiais e testemunhais de que dispõe LivreMercado, falta um instrumento que dá sustentação ética e também jurídica à questão: a queixa-crime da vítima.


Fosse publicação sensacionalista, LivreMercado dispensaria a assessoria dos 247 membros do Conselho Editorial que, aliás, nem existiria.


Temos consciência e pleno conhecimento de que cópias mal-ajambradas do áudio que coloca na parede o candidato em questão foram multiplicadas na praça, por conta do custo baixíssimo dos CDs. A qualquer momento esse material ordinário, de edição seletiva de diálogos, pode ser transportado às páginas de jornais geralmente menos cuidadosos. O problema não é de LivreMercado, que mantém em local inviolável o aparelho de gravação digital e o respectivo conteúdo original, exigência deste jornalista junto a denunciantes do caso para dar sustentação a eventual reportagem-denúncia.


Foi exemplar o comportamento dos conselheiros presentes ao encontro no Centro Empresarial Pereira Barreto num dia útil e em horário de trabalho. A maioria se mostrou indignada com o caso, confirmando resultado em números absolutos da consulta. Entretanto, essa mesma maioria considerou que a vítima existe por enquanto apenas numa fita digital tecnicamente irreparável reproduzindo uma reunião da executiva municipal do partido que discutiu o assunto. Não é desperdício informativo acrescentar que aquele encontro partidário contou inclusive com a presença senão ingênua pelo menos descuidada do assediador que, evidentemente, procurou negar as acusações.


Por razões igualmente éticas e jurídicas, este jornalista não exibiu o áudio e tampouco identificou nominalmente o acusado como os demais participantes da reunião partidária realizada no final de 2006.


Preferimos o repasse conceitual do caso sob a garantia de que, do ponto de vista técnico e informativo, caracteriza-se sem a menor dúvida um estresse derivado de assédio sexual não detalhado, ou seja, não se desceu às minúcias da arremetida corporal.


Apenas uns poucos conselheiros editoriais mantiveram-se contrários à alternativa proposta. Os 60 dias que separam aquela reunião e o prazo-limite à manifestação da executiva estadual da agremiação partidária poderão ser revestidos de novas e importantes informações fora do enredo projetado.


Aliás, foi exatamente essa dinâmica que interferiu na resolução tomada na assembléia geral dos conselheiros editoriais.


Entre a formulação da consulta aos 247 conselheiros e o encerramento do prazo estipulado, um caso de assédio sexual amplamente divulgado pela mídia, envolvendo uma nadadora campeã e seu técnico nos tempos de infância e pré-adolescência, e também a transformação de uma testemunha de acusação em defensora do ex-prefeito de Ribeirão Preto e ex-ministro Antonio Palocci, levaram a direção de LivreMercado a amadurecer iniciativa além das expostas nos dois enunciados da consulta.


Não apenas isso, é verdade.


Chamado à responsabilidade de exercer o direito de participação efetiva no resultado da consulta, 32% dos conselheiros (79 de 247 no total) se abstiveram, apesar de insistentes comunicados solicitando posicionamento. Transpareceu nos números e nos comentários adicionais a séria desconfiança de que um terço do Conselho Editorial prefere, pelo menos por enquanto, não meter a mão nessa cumbuca. Possivelmente, e essa é uma avaliação da qual não fujo, os dois enunciados alternativos de participação não tenham contemplado inteiramente os anseios de parte do Conselho Editorial.


A maioria relativa de 51,82% dos votos, considerando-se o conjunto dos conselheiros, se revelou frágil para uma tomada de decisão denunciatória de imediato. Daí a convocação da executiva estadual do partido do pré-candidato. Praticamente apenas metade de todos os conselheiros aporia assinatura à publicação da matéria na revista LivreMercado. Uma margem escassa e desconfortável para este diretor de Redação.


Nem mesmo a maioria absoluta dos conselheiros (dos 177 que se manifestaram, 128 foram favoráveis à publicação da matéria) foi suficiente para dar sustentabilidade à iniciativa quando se colocaram restrições de ordem jurídica.


A possibilidade de a vítima fugir da raia das afirmações que constam do áudio e de outros participantes da executiva municipal do partido também recuarem postergou a decisão por pelo menos 60 dias.


O que vai ocorrer nesse intervalo de tempo só Deus sabe. Certo mesmo é que o Conselho Editorial vai ser permanentemente abastecido de informações nesse período.


A insegurança quanto à possibilidade de provas materiais (que se desdobram em provas testemunhais dos participantes da reunião da executiva municipal do partido) virarem peça de conteúdo eleitoral levou este jornalista a descartar nessa fase inicial a intervenção da Polícia, do Ministério Público ou mesmo da Justiça. O vazamento de informações é um viés corriqueiro nessas instâncias de poder, principalmente quando elementos de ordem político-eleitoral estão subjacentemente caracterizados.


A revista LivreMercado, nesse caso com ampla retaguarda do Conselho Editorial, não vai fazer das tripas-coração para publicar uma denúncia de assédio sexual que não contenha garantias jurídicas e tampouco se satisfará com possíveis evasivas da instância partidária à qual recorreu.


A democratização desse processo é a prova cabal da transparência e da seriedade da publicação. Diferentemente de tantos outros veículos de comunicação que resolvem intramuros, e muitas vezes com o odor de maracutaias, situações assemelhadas.


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