O que será que quer o candidato petista à Prefeitura de Santo André, Vanderlei Siraque?
Quero saber o que quer o Siraque.
Não só para saber, mas para analisar o que ele quer.
Um direito básico de quem vota em Santo André.
Um direito básico de quem é jornalista, também.
Um direito básico de quem, todos sabem, todos deveriam saber, preza por demais o legado de Celso Daniel.
Um legado, que, convenhamos, está se desmilinguindo desde que grande parte para não dizer a totalidade — que formou distintos momentos daquela administração se foi depois de Celso Daniel.
Não só se foi Celso Daniel como, a partir dos próprios irmãos, irresponsáveis na dilapidação da memória de quem tanto invejavam, foram os primeiros a encaminhar um crime ocasional (como cansou de provar a Polícia Civil e a Polícia Federal do governo Alckmin e do governo Fernando Henrique Cardoso) para uma algazarra de ilações que, por mais que tenham fundo de verdade no campo administrativo, jamais caracterizaram de fato o enredo do crime.
Ah!, não se pode esquecer o senador Eduardo Suplicy, com jeito malemolente de parecer o que jamais foi, a esquentar e a requentar baboseiras saídas de investigações viciadas.
Mas não quero falar do caso Celso Daniel, embora seja inerente a qualquer avaliação da herança do triprefeito de Santo André referir-se à forma brutal com que foi retirado de cena.
O fato é que quero entender o plano de governo do candidato Vanderlei Siraque que, como se sabe, numa empreitada surpreendente para quem considerava Ivete Garcia favorita nas prévias tendo, como teve, o apoio do governo federal, acabou se classificando para a disputa final em outubro deste ano.
Fio-me no noticiário de jornais impressos e eletrônicos para insistir na pergunta:
O que quer Siraque para Santo André?
A manchete do Repórter Diário de sábado é sintomática de minha desconfiança. Acompanhem:
- ”Meus adversários não conhecem a periferia”, afirma Siraque.
Se os estrategistas de Vanderlei Siraque pretenderem levar a disputa eleitoral na Imprensa para o campo populista, vão se dar mal. Pelo menos nos termos colocados. Até porque — e vou explicar em seguida — nem o próprio candidato sabe exatamente o que está pretendendo.
Os alquimistas do plano de governo de Siraque estão fazendo uma mistureba de quinta categoria e jogam com questões semânticas para driblar o distinto público. O candidato repudia o Orçamento Participativo e endeusa o que chama de Governos Regionais. É puro mandraquismo. Ele sabota uma expressão reconhecida pela comunidade de Santo André, esquadrinhada em 17 áreas geográficas, e batiza uma flexibilidade espacial do mesmo território, agora de 27 regiões.
Mexe e remexe mas não consegue convencer quem lê mais que as entrelinhas do noticiário político: Vanderlei Siraque quer exorcizar o PT de Santo André de tudo que lembre Ivete Garcia, uma pupila da oxigenação gerencial de Celso Daniel.
No fundo, no fundo, Vanderlei Siraque parece estar decididíssimo a usar a imagem de Celso Daniel apenas quando lhe convier, porque em se tratando de declarações públicas quer apropriar-se de um modelo de governar sem repassar o direito autoral ao criador porque isso implicaria o ônus de ressuscitar o fantasma de Ivete Garcia, herdeira das ações comunitárias que, como se sabe, são manancial de votos.
O maior problema (e estico a preocupação depois de ler notícia sobre a apresentação do “Governo Regional” no site do ABCD Maior) é que Vanderlei Siraque talvez não esteja entendendo de fato o que pretendem os colaboradores de campanha, ou os colaboradores de campanha imaginam-se sabichões em matéria de aproximação com a comunidade.
Querem um exemplo?
Siraque fala em governo regionalizado (preferiria que dissesse governo distritalizado, para que não houvesse confusão com o que se convencionou atribuir de sinônimo de Grande ABC ao verbete “regional”) e em governo tematizado, e também em repassar para a população em geral o controle da administração estratégica do Paço Municipal.
Leiam o que foi publicado no site do ABCD Maior:
- Siraque conceituou a iniciativa como “um modo de gestão compartilhada de poder entre as diversas comunidades regionais de Santo André e a Administração Pública municipal com a finalidade de construção, articulação e gestão de políticas públicas e ações regionais. Usou ainda o termo “cidade policêntrica” sobre a intenção de fazer com que todos os pontos e zonas da cidade tenham a mesma soberania na participação das tomadas de decisão — escreveu o ABCD Maior.
Estou encafifado com a candidatura de Vanderlei Siraque, porque se revela ambígua. É uma caricatura do governo Celso Daniel. Entrega a rapadura de decisões estratégicas, as quais aquele grande gerenciador público jamais repassou a terceiros, em nome de um populismo inquietante.
Sei lá se os jornais traduziram com precisão a proposta de Vanderlei Siraque. Desconfio que estejam corretos, porque os vasculhei nos pontos básicos do planejamento levado à militância petista no último domingo, e os pontos abordados coincidiram na conceituação.
Se for o que li e entendi, o candidato Vanderlei Siraque está caminhando para um paradoxo: ao mesmo tempo em que surra o espólio da candidata que derrotou nas urnas partidárias, resolve adotar o modelo de força disfarçada, com a subdivisão mais elástica do mesmo território municipal.
Aliás, sobre o aumento do número de áreas na tentativa de moldar “Governos Regionais” a uma marca própria, em detrimento do “Orçamento Participativo”, de Ivete Garcia, o candidato Vanderlei Siraque comete escorregão sociológico quando disse exatamente o seguinte ao ABCD Maior:
- Para Siraque, a maior dificuldade tem sido a determinação dos limites das zonas territoriais. “Não é fazer um decreto sobre o mapa (do Município). A base territorial leva em conta semelhanças culturais, religiosas, uma série de coisas, afirmou. Das 19 zonas do Orçamento Participativo, podem ser criadas até 27 no Governo Regional” .
Sei lá os critérios que nortearão de fato o sistema de territorialidade preparado pela equipe de Vanderlei Siraque. Certo é que se pretendesse facilitar o quadro e sintetizar os estudos e os planos, bastaria separar o mapa de Santo André por estrato socioeconômico.
Dessa forma, em vez de fatiar os quase 200 quilômetros quadrados de área territorial em 27 pedaços, os reduziria conforme características de renda, padrão imobiliário, escolaridade, potencial de consumo, entre tantas outras informações disponíveis em bancos de dados de empresas especializadas.
Em resumo, as classes rica, média-alta, média-média, média-baixa e popular são facilmente mensuráveis em qualquer Município do País. Seus usos e costumes são semelhantes em tantas coisas. Inclusive nas eleições. Basta pegar o mapa eleitoral de Lula e Alckmin nas últimas eleições presidenciais em 2006.
É claro que quando Celso Daniel e sua equipe de assessores conceberam as diretrizes do Orçamento Participativo em Santo André o que se tinha na ponta da agulha da eficiência eram tiros certeiros para atingir a população nas reivindicações mais prementes, vinculadas ao orçamento municipal disponível, e também desdobramentos político-eleitorais — porque ninguém é de ferro. Nada mais interessante que a presença física e orçamentária de uma administração municipal nos respectivos microterritórios.
O que quer Vanderlei Siraque é um Orçamento Participativo espacialmente mais fragmentado para elevar igualmente os quadros partidários para manter o PT no poder em Santo André — o que é justo e democrático.
O problema todo é que há sinais de que o caldo pode entornar. Principalmente se a combinação de fragmentação de “Governos Regionais” se der com a incompatibilidade sanguínea dos “Grupos Temáticos” (Desenvolvimento Econômico e Financeiro, Saúde, Meio Ambiente, entre outros).
Está aí uma fórmula complicada demais para decolar, porque a pressão popular infernizaria a vida dos especialistas, que se supõe estariam no interior dos grupos temáticos que, por sua vez, estariam sob o controle estratégico do comando do Paço Municipal e, como se promete, das comunidades dos “Governos Regionais”.
Resta saber o que é mais inquietante:
Qual será o comando estratégico do Paço de Santo André no governo Vanderlei Siraque?
Celso Daniel tinha um grupo organizado e preparadíssimo para dar conta dos projetos, tornando-os matriciais. A maioria dos membros daquele grupo e dos ocupantes de mudanças que se deram a partir da morte do prefeito está hoje em diversos governos petistas.
Quem são os homens que vão pensar o possível governo de Vanderlei Siraque?
Se já os tem e o que apresentam como cartão de visita é o projeto de “Governos Regionais”, estamos fritos.
Teremos um governo populista com todas as desvantagens do sistema. Ou então estamos diante do conto do vigário.