Duvideodó que algum desses cientistas sociais que os jornalistas acomodados de sempre, principiantes como nunca, utilizam dia sim e dia sim também no noticiário político, tenha se dado conta de que há fatores interdependentes que determinam a preferência eleitoral nos municípios.
Sim, porque a maioria desses chamados cientistas sociais que são requisitados a elaborar rebuscadas teorias sobre disputas municipais não conhece o território em que perpetram juízos nem sempre ajuizados. São geralmente acadêmicos com olhos, ouvidos e mentes no quadro nacional ou que tratam sazonalmente de eleições. Chamados a teorizar, discorrem com a profundidade de uma lâmina de água no asfalto. E encantam os babacas de plantão nos jornais das pautas de sempre.
Pois foi por não confiar quase nada neles e principalmente porque sei muito bem que ao entrevistá-los obteria quando muito respostas óbvias, quando não desgrenhadas, que me meti a preparar um quadro com vetores que determinam a vontade popular.
São nove pontos impressos na Reportagem de Capa de LivreMercado deste mês, e sobre os quais moveu-se o eixo teórico que me levou a definir preliminarmente quem é quem entre os principais candidatos às prefeituras locais.
LivreMercado, há quase 19 anos no Grande ABC, está sendo distribuída desde sábado. Conta, a edição de julho, com recorde de tiragem. Foram impressos comprovadamente 155 mil exemplares (contra a média histórica de 35 mil a 40 mil exemplares), numa ação de marketing que desenvolvi pessoalmente.
Nos últimos tempos tenho me desdobrado também como espécie de faz-tudo da empresa, não mais apenas como diretor de Redação. Tudo porque passamos período de transição societária e a situação tem exigido esforços múltiplos para consertar muita coisa e para encaminhar outras tantas que estavam adormecidas nas gavetas do conforto improdutivo de quem não via o bonde de oportunidades passar.
O que quero mesmo é repassar aos leitores o que chamaria de Prova dos Nove de uma disputa eleitoral. Preste atenção nos enunciados que vêm a seguir e me diga com sinceridade: você já leu algum cientista social debruçar-se sobre esse tema?
Só não me alonguei mais nos quesitos listados porque as restrições de espaço da revista impressa me impediram. Poderia discorrer muito mais sobre cada um dos enunciados, mas acho que o que segue é suficiente para chegar à seguinte conclusão: tem muita gente que escreve sobre política mas não deixa de ser principiante ou incompetente.
Quem precisa rotineiramente de préstimos dos chamados cientistas sociais certamente não é bom da cabeça, porque nessa vida se aprende muita coisa ouvindo, lendo, pesquisando, anotando. Entregar a rapadura de análise aos cientistas políticos tem o significado de eximir-se de responsabilidade, de jogar para terceiros opiniões que os leitores cobram dos jornalistas.
É claro que não estou generalizando sobre competências e incompetências dos cientistas políticos, mas garanto que, quando acompanhar alguma coisa mais sólida nesse campo com relação às eleições no Grande ABC neste ano, prometo de pés juntos que vou registrar. Por enquanto, o que tenho lido não passa de embromação para oferecer certo verniz intelectual a conjecturas óbvias, quando não desprezíveis.
Antes de ir à Prova dos Nove, antecipo que remeterei esse grupo de enunciados aos conselheiros de LivreMercado. Quero saber de mais de duas centenas deles quais são os três pontos mais importantes para alguém ganhar uma eleição. Acredito que os candidatos às prefeituras do Grande ABC devem ficar ligadíssimos tanto ao que repasso nos parágrafos seguintes quanto aos resultados da enquete com os conselheiros. Afinal, o que oferecemos é uma espécie de mapa da mina de como observar com cientificidade uma corrida às urnas.
Agora, à Prova dos Nove:
Individualidade — A imagem do candidato tem muito peso na definição do voto, mas é resultado de associação de fatores. Acreditar que basta ser carismático, popular e atencioso é desconhecer a alma do eleitor. Político que se preza e que tenha de fato ambição é portador dessas características. Uma ou outra deficiência é questão subjetiva. Carisma, popularidade e generosidade no trato pessoal não são ramos de ciências exatas. São qualificações que dependem dos olhos, da sensibilidade e das expectativas de cada eleitor. A diversidade de opinião é proporcional à escolha de uma roupa, de um time de futebol, de um gênero de música. É por essas e outras que os marqueteiros estudam a fundo a alma dos eleitores e plasmam os candidatos conforme as células do receituário padrão. Por isso os políticos são aparentemente tão iguais para o senso comum.
Máquina pública — Quem detém o poder municipal e procura mantê-lo, ou estendê-lo ao sucessor escolhido, goza de situação especial. A força da administração pública em forma de orçamento para obras, serviços prestados, infra-estrutura social à comunidade e relacionamento com fornecedores sempre prontos a engrossar as doações eleitorais não é algo que se dispense. Também as máquinas públicas do Estado e da União podem estar a postos para contribuir. Mas nada é mais visível e invisível que a máquina local.
Coligações partidárias — Reunir em torno do candidato o maior número possível de partidos aprofunda as raízes da campanha. Numa eleição municipal, os candidatos a vereador formam valioso batalhão. Eles se esparramam pelo território, abrem portas da comunidade, facilitam a assimilação da candidatura majoritária. Repassam a terceiros a fidelidade de relacionamentos consolidados ao longo de temporadas. Eles quebram o gelo e engordam as urnas.
Macroambiente político — Numa situação em que tanto o governo José Serra quanto o presidente da República Lula da Silva gozam de muito prestígio no Grande ABC, torna-se difícil transferir vantagem de um ou de outro às candidaturas locais mais identificadas com forças partidárias, no caso tucanos e petistas. Se é verdade que as ações do governo federal são mais explícitas para o eleitor comum, não é menos real que o governo do Estado conta com prestígio porque sofre menos desgaste por conta da exposição na mídia da administração federal. Houvesse contraste entre Lula da Silva e José Serra, a situação seria diferente — o peso do macroambiente político, portanto, poderia ser mais diferenciador.
Microambiente político — A percepção do eleitorado sobre a administração municipal é mais ou menos sustentável como força catequizadora ou exterminadora de votos. Afinal, vive-se no Município e os acontecimentos registrados principalmente nos últimos tempos, quando não às barbas das eleições, atingem em cheio o nível de expectativa. É algo como a atuação de uma equipe de futebol, em que se observa atentamente o mérito do resultado.
Contexto político — Não se coloca a lupa crítica apenas no candidato situacionista. A atenção está voltada também aos demais concorrentes locais. Estabelece-se juízo de valor mais rígido sobre todos eles. Pesa nesse ponto tanto o macroambiente político, o microambiente político como também as especificidades dos candidatos envolvidos na disputa. É algo como uma equipe de futebol analisada simplesmente pelo placar final.
Ambiente socioeconômico — Indicadores macroeconômicos influenciam o humor do eleitorado porque ganham ressonância municipal. O Grande ABC é dependente demais do desempenho industrial, mas não é seguro capitalizar integralmente os resultados atuais ao governo federal de plantão. O governo estadual e o governo municipal de oposição têm por estratégia interceder nos resultados inclusive por conta de iniciativas próprias. No âmbito social, a influência do Bolsa Família no Grande ABC não é tão representativa quanto no Norte e Nordeste, porque o percentual de beneficiários é bem inferior. Além disso, governos locais e estadual também se movimentam para ajustar programas assistenciais.
Percepção de comportamento — É preciso entender o momento do eleitorado. Há situações em que esbravejar e alvejar adversários com ataques inclusive pessoais são boa pedida, mas quando o ambiente econômico e social é relativamente confortável, como se está verificando nesta temporada, possivelmente o melhor mesmo seja conter os ânimos e adotar discurso mais construtivista que crítico.
Percepção de programa de governo — Por mais que pareça superficial, passar ao eleitorado iniciativas importantes de programa de governo municipal pode significar estacas de confiabilidade e comprometimento que ajudariam a consolidar a candidatura. O que não se pode confundir é programa de governo com programa eleitoral. O cheiro da brilhantina não pode ser de oportunismo.