Filtrar exemplo aqui, exemplo acolá, do quadro eleitoral, para imprimir avaliação peremptória de que o presidente Lula da Silva não transfere votos é mais que precipitação — é olhar de forma enviesada e simplista os acontecimentos desta temporada, assim como de situações semelhantes à do titular da Presidência da República.
Resumidamente, Lula da Silva transfere sim votos, mas não faz milagres.
Dar competitividade a um Jayme Tortorello em São Caetano, a um Carlos Cafu em Rio Grande da Serra e a um Mário Nunes em Ribeirão Pires seria flertar com o impossível.
Já a participação de Lula ajuda a embalar as candidaturas de Vanderlei Siraque em Santo André, de Luiz Marinho em São Bernardo e de Oswaldo Dias em Mauá.
Basta imaginar, para que não sobre dúvida, o quadro eleitoral desta temporada, com o País (ainda) bombando na Economia, com o Social menos desigual, se o presidente não fosse Lula da Silva, mas sim José Serra.
Consideraria o leitor o PT favoritíssimo nos três municípios que vão ao segundo turno, fosse essa região simbolicamente importante para os tucanos como é para os petistas?
Mais que isso: o PT de Santo André, de São Bernardo e de Mauá teria chegado a resultado tão próximo de matar o jogo no primeiro turno?
Estão certos os chamados cientistas políticos que avaliam fatores locais pontos mais influenciáveis à definição de votos. Negar a importância do local ou mesmo do regional, como é o caso do Grande ABC, na atmosfera político-eleitoral, é sufocar a psique coletiva do interesse plenamente localizado.
Entretanto, como o pano de fundo de qualquer eleição se instala no conforto ou no desconforto econômico do momento, há determinado grau de subordinação local ao contexto de bem-estar situacional macroeconômico.
Se essa dependência é relativamente decisiva ou não à escolha dos eleitores depende de cada situação.
Há muitos outros vetores que ajudam a construir e a destruir uma candidatura, como aliás escrevi ainda recentemente (Prova dos Nove), listando pontos que contribuem para formatar a imagem dos candidatos.
Um respeitado cientista político (Alberto Carlos Almeida) caiu na esparrela do reducionismo da influência de Lula da Silva em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico. Eis o que ele escreveu especificamente sobre as eleições em São Bernardo:
Em São Bernardo do Campo, berço do sindicalismo que alçou Lula à condição de líder político nacional de destaque, Luiz Marinho teve, afirma-se, uma das mais caras campanhas eleitorais quando se divide o gasto pelo número de eleitores. Lula participou de numerosos eventos em São Bernardo, comícios, carreatas, passeatas etc. A expectativa era de que Marinho ganhasse no primeiro turno. Em São Bernardo haverá segundo turno e o PT disputará com o PSDB o direito de governar a principal cidade do ABC Paulista. Luiz Marinho ficou com 48% dos votos válidos; Orlando Morando, com 37%. A disputa está em aberto — escreveu Alberto Carlos Almeida.
Agora, vamos aos reparos:
Primeiro — A expectativa de que Marinho venceria no primeiro turno confirma a tese da influência de Lula da Silva, ao contrário do que afirma o articulista. O crescimento do eleitorado de Luiz Marinho foi voluptuoso exatamente por conta de vários fatores interligados, e também do presidente Lula da Silva.
Segundo — A campanha de Orlando Morando se rivaliza com a do petista em termos de investimentos.
Terceiro — Orlando Morando é um candidato competitivo por conta do histórico individual e da máquina municipal. Fosse outro o adversário, e outras as circunstâncias de influência, como Lula e a macroeconomia, a disputa seria apenas força de expressão.
Quarto — A diferença de 11 pontos percentuais mantém a disputa em aberto sim, como afirma o cientista político. Entretanto, Alberto Carlos Almeida omitiu a complementaridade de informação de estudos que ele próprio desenvolveu, com base em dados eleitorais sobre os quais se debruçou: um candidato que tenha chegado ao segundo turno com diferença tão larga de pontos em relação ao primeiro colocado dificilmente recuperará espaços. Afinal, em apenas um quarto dos casos nos quais os segundos colocados registraram diferença média de até sete pontos percentuais houve troca de posição na disputa extra. Ou seja: Orlando Morando não consta nem mesmo do grau de probabilidade de sucesso de apenas 25% porque afastou-se da média de sete pontos percentuais.
Os 11 pontos percentuais que o distanciaram da liderança de Marinho seriam quase uma sentença de morte. Garantia de Alberto Carlos Almeida, intransigente defensor da tese de que não passa de balela o conceito de que o jogo jogado no segundo turno começa do zero. Com absoluta razão, como provam os números que não cansa de desfilar.