Política

Quanto pesa prestígio de Lula?

DANIEL LIMA - 21/10/2008

Apesar do evidente peso do prestígio do presidente Lula da Silva nas eleições no Grande ABC, emblematicamente sacramentado na folgadíssima vitória de Mário Reali em Diadema e na posição de finalistas de segundo turno dos petistas Luiz Marinho, Vanderlei Siraque e Oswaldo Dias, não faltam especialistas e políticos que, mais que reduzirem, negam a importância do presidente da República no processo eleitoral.


Quem acredita de fato e para valer que o voto de Lula da Silva não tem aderência nas eleições municipais se coloca na contramão das próprias pesquisas, negando, portanto, os aspectos científicos dos trabalhos.


No final de setembro, por exemplo, o Instituto Sensus anunciou pesquisa encomendada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) que mostrava o potencial do presidente Lula como cabo eleitoral nas eleições municipais deste ano: 44,1% dos entrevistados, segundo os jornais, admitiram possibilidade de votar no candidato apoiado ou indicado pelo presidente. Desse percentual, 15,5% declararam que o candidato de Lula “é o único em quem votariam”.


Diretor do Sensus, Ricardo Guedes afirmou que aquele percentual representava o potencial de transferência direta de votos. Isso significa 50% acima do padrão – os presidentes transferem cerca de 10%.


Não é difícil identificar o ponto de calibragem da importância de Lula da Silva nas eleições municipais. Tomem-se os casos dos municípios em que o PT se mostrou competitivo no Grande ABC. O que seria de Santo André de Vanderlei Siraque, de Luiz Marinho em São Bernardo e de Oswaldo Dias em Mauá sem a imagem e mesmo o apoio presencial de Lula da Silva no primeiro turno e, também, no segundo turno?


É certo que cada um deles poderia ter chegado ao segundo turno e poderá também vencer a disputa, mas as dificuldades seriam maiores sobretudo porque nos últimos anos o Grande ABC, como de resto o Brasil, foi sacudido economicamente em direção a índices de crescimento há muito sonhados.


Não é simples coincidência que partidos governistas costumam espalhar ramificações mais intensas, profundas e poderosas pelo País quando ocupam o centro do poder em períodos de recuperação econômica. Foi assim com o PMDB do Plano Cruzado de José Sarney nos anos 1980, com o PSDB do Plano Real de Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990 e está sendo assim com o PT de Lula da Silva.


O eleitorado é movido principalmente pelo bolso, pela sensação de confiança no futuro e de entusiasmo com o presente. Por mais que tantos outros fatores influenciem o voto, principalmente os problemas locais, a varredura psicológica que Lula da Silva imprimiu ao declarar-se fiador dos candidatos petistas no Grande ABC tem relevância muito maior do que imaginam especialistas e políticos que vivem longe da região ou que, mesmo aqui, fecham os olhos, os ouvidos e, principalmente, anestesiam a sensibilidade para o ambiente eleitoral. Especuladores de gabinetes deitam regras de tendências eleitorais sem se darem conta da dinamicidade dos fatos no campo de batalha.


Entretanto, acreditar que Lula da Silva seja poção milagrosa para transformar moribundos eleitorais em fortalezas populares é subjugar o conjunto de fatores que mexem com o eleitorado. Fosse Lula da Silva prestidigitador, Jayme Tortorello em São Caetano, Mário Nunes em Ribeirão Pires e Carlos Augusto César Cafu em Rio Grande da Serra não teriam naufragado no primeiro turno. Eles somaram votações muito abaixo da média histórica do PT no Grande ABC porque não associaram qualificações que os catapultassem em direção à vitória – aí sim provavelmente embalados pelo presidente da República.


Quem bem definiu essa situação ainda recentemente foi o governador da Bahia, Jaques Wagner. Ele disse que não basta a popularidade do presidente da República para eleger um poste. É preciso haver sinergia com o eleitorado. “Há uma maximização da imagem do governador e do presidente da República, que eu acho que conta, mas não é uma coisa absoluta de o cara sair de zero para 60%” – disse Jaques Wagner numa entrevista ao jornal Valor Econômico de 30 de setembro.


Jaques Wagner também disse que estava convencido cada vez mais de que as pessoas não querem intermediário para escolher governador e presidente, mas admitiu: “Quando está pau a pau, digamos um está com 40% e outro está com 38%, aí eu concordo que pode fazer a diferença” – referindo-se à influência do governador do Estado e do presidente da República.


Também o Diretório Nacional do PT avaliou, desta vez no começo de outubro, que a presença do presidente Lula da Silva nos palanques municipais tem peso político forte, mas não significa, automaticamente, transferência de votos. O caso da candidata petista à Prefeitura de São Paulo foi o mais debatido durante seis horas de reunião. Marta Suplicy contou com amplo apoio do presidente mas mesmo assim chegou atrás do democrata Gilberto Kassab.


Presidente nacional do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini reconheceu que em período eleitoral alguns candidatos se apegam a outras questões e acabam esquecendo que em uma disputa municipal os interesses devem se ater a isso. “No Brasil, não há transferência de votos. O único caso comprovado que temos aconteceu em 1989, quando o então candidato do PDT à Presidência, Leonel Brizola, transferiu para Lula quase a totalidade de seus votos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul” – recordou Berzoini.


A radicalização conceitual do presidente do PT contraria o próprio desempenho do partido nas eleições de outubro. A agremiação cresceu mais que qualquer outra na comparação com 2004 ao eleger 140 prefeitos a mais, conquistando 551. Com isso, se tornou, ao lado do PP, o terceiro maior partido brasileiro na esfera municipal. E ao contrário do que dizem os críticos, o PT não ficou confinado aos cantos mais pobres do País, nos quais os programas assistenciais do governo federal têm maior impacto sobre a economia local. Segundo partido mais votado para prefeito, com 16,5 milhões de votos, o PT recebeu 31% dessa votação no Estado de São Paulo.


Se integrar a base governista e usufruir da imagem de um presidente de alta popularidade como Lula da Silva não fossem variáveis de transferência de votos, os oposicionistas não teriam reduzido o patrimônio eleitoral em outubro. As duas principais siglas que se opõem a Lula da Silva no plano federal, PSDB e DEM, encolheram significativamente. Os tucanos elegeram 88 prefeitos a menos do que há quatro anos, segundo contabilidade da revista Carta Capital. Apesar disso, conquistaram 782 prefeituras e mantiveram o PSDB em segundo lugar no ranking municipal. O DEM foi o maior derrotado. Nenhuma das agremiações perdeu tantas prefeituras. Foram 291 baixas. Com isso, caiu de terceiro para quinto lugar em números de prefeitos, passando a ter 498 governos municipais. Maior partido do País, o PMDB teve melhor desempenho do que em 2004 ao eleger 1.196 prefeitos no primeiro turno. São 137 prefeituras a mais.


Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, é mais cuidadoso com Lula da Silva nas eleições municipais. Numa entrevista a Carta Capital de outubro, após as eleições, ele afirmou: “É muito difícil acontecer a transferência de voto se o candidato não tiver um apelo, um currículo, carisma. Em Belo Horizonte, houve transferência de voto de Aécio (Neves), do Pimentel, para Márcio Lacerda? Houve. Se Lacerda disputasse por outro partido qualquer, sem apoio dos dois, não daria mais de 3%. E ele teve 40%”. Em síntese, Montenegro afirma que não existe, genericamente, uma transferência de votos. É preciso que haja condições específicas que determinem essa possibilidade.


É o caso principalmente da candidatura de Luiz Marinho em São Bernardo. Longe do palco regional, distante dos meandros que desvendam sem traumas a movimentação partidária e eleitoral, o cientista político, sociólogo e professor universitário Alberto Carlos Almeida caiu na armadilha da generalização. Em artigo assinado no Valor Econômico de 10 de outubro ele pinçou alguns exemplos para sustentar que Lula da Silva não transferiu votos nas eleições municipais. Eis o trecho em que trafega por São Bernardo:


“Em São Bernardo do Campo, berço do sindicalismo que alçou Lula à condição de líder político nacional de destaque, o candidato do PT, Luiz Marinho, teve, afirma-se, uma das mais caras campanhas eleitorais quando se divide o gasto pelo número de eleitores. Lula participou de numerosos eventos em São Bernardo, comícios, carreatas, passeatas etc. A expectativa era de que Marinho ganhasse no primeiro turno. Em São Bernardo haverá segundo turno e o PT disputará com o PSDB o direito de governar a principal cidade do ABC Paulista. Luiz Marinho ficou com 48% dos votos válidos; Orlando Morando, com 37%. A disputa está em aberto” – escreveu o estudioso.


Somente quem não acompanha a política regional construiria raciocínio tão desconexo. Primeiro porque os custos de campanha de Luiz Marinho e de Orlando Morando são semelhantes. Quem respira o período eleitoral em São Bernardo sabe disso. Segundo porque a passagem de Luiz Marinho para o segundo turno em condição vantajosa, de 11 pontos percentuais, é significativa. Por mais que tenha sobrado certo desencanto com o pouco mais de um ponto percentual que faltou para fechar a disputa no primeiro turno, o crescimento de Luiz Marinho nos três meses de campanha foi extraordinário. Tanto que Orlando Morando despontava como favorito e liderou a primeira rodada de pesquisa do Instituto Brasmarket e também de outras instituições do gênero.


Não fosse, entre outras iniciativas, o apadrinhamento do presidente da República, que trata Luiz Marinho como filho e ao qual dedicou a mais intensa tietagem eleitoral, o candidato indicado pelo grupo do prefeito William Dib teria vencido no primeiro turno e não estaria em maus lençóis no segundo turno. Até porque toda a estrutura de planejamento e articulações concebida para dar sustentabilidade à candidatura de Luiz Marinho apoiou-se na garantia de que o presidente da República faria o que está cumprindo: tornou a eleição do candidato petista questão de honra. Lula da Silva quer voltar a morar em São Bernardo depois de encerrar mandato, certo de que terá um aliado no Paço Municipal.


A contraface do apoio de Lula da Silva aos petistas que estão no segundo turno no Grande ABC é o governador tucano José Serra. Por que será que a mídia se ocupou tão pouco e de forma rarefeita das possibilidades de transferência de voto do governador que é o mais badalado concorrente à disputa para presidente em 2010? Até que ponto a imagem de Lula da Silva em estado de graça obscurece o governador do Estado mais importante do País? A alternativa de que José Serra não pretende se envolver em embates que de alguma forma colocariam sua marca pessoal em jogo não corresponde à realidade porque na primeira semana após a definição do primeiro turno em São Bernardo ele reforçou a campanha de Orlando Morando em manifestações no centro comercial.


Afinal, por que José Serra se meteria numa disputa entre tucanos e petistas em São Bernardo? Exatamente porque é uma disputa entre tucanos e petistas e também porque é em São Bernardo. O Município economicamente mais importante do Grande ABC é emblemático na batalha da ponte rumo à disputa presidencial em 2010. Não são materialmente os pouco mais de 500 mil votos de São Bernardo que decidirão quem ocupará o Palácio do Planalto como sucessor de Lula da Silva. Entretanto, o simbolismo de dominar o Paço de um dos municípios mais importantes do País e, principalmente, onde vicejaram os ideais petistas, é espécie de batalha da ponte. O valor subjetivo de controlar São Bernardo é um tesouro que petistas e tucanos esforçam-se para apropriar-se. Não é por outra razão que o governo federal e o governo estadual estão umbilicalmente ligados ao que acontece nas campanhas de Orlando Morando e Luiz Marinho.


Quando se observa os resultados dos últimos embates envolvendo Lula da Silva em São Bernardo, encontra-se o fio da meada da insistência com que a campanha de Luiz Marinho atrela a imagem do ex-ministro da Previdência Social à do presidente da República. Em 2002, quando disputou o Palácio do Planalto com o tucano José Serra em segundo turno, Lula da Silva obteve 68,60% dos votos válidos, contra 31,40% do agora governador. Quatro anos depois, contra outro tucano, o ex-governador Geraldo Alckmin, que vinha de seis anos à frente do Estado, Lula venceu por 59,83% a 40,17%.


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