O PT de Luiz Marinho chegou na frente do PSDB de Orlando Morando ao final do primeiro turno em São Bernardo. Foram 11 pontos percentuais de vantagem, ou três em cada 10 votos. Faltaram menos de dois pontos percentuais para o ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social garantir em 5 de outubro o partido do presidente da República de volta ao Paço Municipal – exatamente depois de 20 anos que separam a vitória do então advogado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Maurício Soares. Negar o favoritismo de Luiz Marinho no segundo turno seria agredir a lógica, principalmente depois de adicionar potencial de votos do deputado estadual Alex Manente, terceiro colocado no primeiro turno com 12%.
O apoio de Alex Manente a Luiz Marinho foi uma caçapa cantada desde que as primeiras mobilizações eleitorais em São Bernardo indicavam que entre ele e Orlando Morando imperava o que talvez possa ser chamado de incompatibilidade geracional. Jovens com perspectivas paralelas, esses ex-vereadores elegeram-se deputados por caminhos diferentes. Morando contou com o apoio do prefeito William Dib. Manente formou dissidência de grupo que dava sustentação à administração, liderada por Otávio Manente, pai de Alex e ex-secretário de Serviços Urbanos, uma máquina de capitalização e fidelização de votos.
Quando os jornais impressos anunciaram a incorporação de Alex Manente à campanha de Luiz Marinho, fotos estamparam parceria que poderia até ter sido antecipada na semana final do primeiro turno. Manente reduziu lentamente a mobilização quando percebeu que faltariam recursos estruturais para ameaçar o segundo lugar de Orlando Morando. Depois de ver no primeiro turno seus eleitores menos fiéis caminharem em larga escala em direção a Luiz Marinho, a ponto de o petista saltar à frente nas pesquisas em proporção semelhante à sangria, Alex Manente passou a levar mais a sério a parceria com o petista.
As explicações de Alex Manente para engrossar as fileiras da candidatura petista foram de ordem ideológica e também política. Primeiro, disse que há semelhança entre as propostas do PPS e do PT. Segundo, não escondeu mágoa do Paço Municipal: “Sofri terrível perseguição da atual gestão, que considero a pior da história da política”.
Um dia antes da comemoradíssima adesão de Alex Manente, o PT reuniu a Imprensa para anunciar a primeira medida de consolidação do rolo compressor partidário para vencer no segundo turno. A coligação formada pelo PTC e pelo PTdoB, encabeçada por Evandro de Lima, que somou 0,99% no primeiro turno, num total de 4.001 votos, juntou-se a Luiz Marinho. Dizendo-se satisfeito com os resultados da fase inicial, principalmente porque a coligação conseguiu eleger Estevão Camolesi vereador, Evandro de Lima também traduziu o apoio no campo ideológico.
A transferência de votos de Evandro de Lima e de Alex Manente para Luiz Marinho foi desdenhada por Orlando Morando. Provavelmente não seria diferente a reação de Luiz Marinho se o beneficiário do acordo fosse Orlando Morando. É assim a política. Quem não soma aliados minimiza possíveis efeitos do sucesso adversário. Os 13,23% dos dois reforços, que significam 53.441 votos, não são traduzidos na máquina calculadora de Orlando Morando. “Nem sempre um mais um são dois” – disse.
No dia seguinte à conversão de Alex Manente ao petismo, Orlando Morando recebia o apoio de ex-candidatos a vereador de cinco partidos de chapas majoritárias encabeçadas por Marinho e Manente. “Trouxe o corpo comigo e o adversário levou a cabeça. Mas cabeça não anda sozinha. Quem pede voto é o corpo” – disse o tucano numa estranha equação de influência eleitoral, como se ele próprio fosse menos importante que candidatos derrotados ao Legislativo. Nada que a oratória política não justifique.
Certo mesmo é que o embate em São Bernardo ultrapassa a fronteira do convencional entre outros motivos porque é um campo de manobras da disputa presidencial de 2010. Os dois finalistas usam todas as armas para seduzir o eleitorado. Mesmo com pesquisas oficiais e oficiosas indicando aumento da vantagem de Luiz Marinho, Orlando Morando não arrefeceu o ânimo. No sábado seguinte ao primeiro turno ele trouxe o governador José Serra numa carreata concorridíssima na Rua Marechal de Deodoro, o principal eixo comercial de São Bernardo.
Costuma-se dizer que a Marechal Deodoro num sábado de muitas compras tem o poder irradiador de chegar à mais distante periferia. As lojas de preços populares atraem consumidores de todos os cantos da cidade. Homens e mulheres desfilam com camisas de clubes populares do Norte e Nordeste, a denunciar o fluxo migratório descontrolado dos tempos de industrialização e de mercado de trabalho crescentes.
Foi a segunda vez que o governador paulista aportou em São Bernardo. Serra trouxe o testemunho pessoal de que com Orlando Morando na Prefeitura as relações com o Palácio dos Bandeirantes serão prospectivas: “Nossa parceria é muito vasta e acredito na virada. Temos planejado o expresso do ABC, a despoluição da Represa Billings, o reassentamento de pessoas e a reurbanização. Apresentei investimento de R$ 1,2 bilhão para o Grande ABC” – disse pouco antes de se deslocar em comitiva para os bairros DER e Grande Alvarenga, pontos vulneráveis da campanha de Orlando Morando.
O debate promovido pelo Diário do Grande ABC na noite de 15 de outubro, uma quarta-feira, antes do jogo da medíocre Seleção Brasileira contra a Colômbia, foi transmitido pela Internet. O estereótipo de agressividade de um ex-sindicalista e a tranquilidade controlada de um empresário ruíram durante o encontro. Os papéis se inverteram. Morando partiu para o ataque desde o começo. Marinho procurou esquivar-se. Não há mesmo resistência à necessidade de empinar os números de pesquisas eleitorais.
Bem articulado, autocontrolado, preparado para sofismar quando necessário, Orlando Morando provocou Marinho o tempo todo. O petista não perdeu a linha em momento algum. Foi um combate intenso. Convocaram-se ao palco personagens da política nacional, sobretudo por conta de Orlando Morando evocar nomes de petistas envolvidos em escândalos, como o chamado mensalão. Luiz Marinho centrou o foco de críticas na administração de William Dib. O PT conta com pesquisas qualitativas e quantitativas que turvariam a imagem administrativa de William Dib. O próprio mote da campanha de Orlando Morando (”São Bernardo de cara nova”) é capturado como tentativa do candidato situacionista de desgarrar-se do prefeito.
Morando insistiu em colar o rótulo de sindicalista em Luiz Marinho, também com base em pesquisas que estigmatizariam o termo nas classes mais conservadoras e em familiares de operários que perderam emprego supostamente por causa da mobilização sindical em São Bernardo. Marinho encontrou o encaixe que faltou no debate do primeiro turno, quando, ao reagir à provocação de Morando, chamou o deputado estadual de minimercadista.
Desta vez, Marinho pegou o mesmo atalho semântico de Morando ao lhe retribuir o título de sindicalista, por fazer parte de associação de supermercadistas. “Você é tão sindicalista quanto eu, porque é representante de sindicato patronal” – afirmou Marinho. O petista usou de fina ironia, sem agressividade que poderia sugerir discriminação a empreendedores. O PT não abre mão de empreendedores na frente de combate para chegar ao Paço Municipal.
Apesar de as estilingadas verbais não estilhaçarem a ética além do admitido em campanha eleitoral, o debate, como todos os debates, ou quase todos os debates, não conseguiu atingir a profundidade de definições de programa de governo. Mas isso também faz parte do jogo midiático. Os nervos geralmente estão à flor da pele e de fato o que se coloca na mira da avaliação é a capacidade cognitiva dos concorrentes em exporem conhecimentos. Nesse ponto, Marinho e Morando não conseguiram sufocar o adversário. Fosse uma luta de boxe teriam dividido os pontos.
A tática da equipe de Orlando Morando foi perfeita para a ocasião e não é nada inovadora. Quem está em desvantagem em pesquisa tem de fato de procurar aplicar golpes táticos na tentativa de desqualificar o adversário. A identificação prévia das manobras do oponente para desestabilizá-lo foi prevista pela assessoria de Luiz Marinho. A ordem de não aceitar provocações só não foi exaustivamente recomendada a Luiz Marinho porque a experiência como ex-ministro e ex-sindicalista o coloca em zona de conforto compulsória.
Ao final, Marinho reclamou da agressividade do adversário que, por sua vez, criticou a ausência de respostas a algumas questões principalmente de cunho nacional. Tanto um candidato quanto outro cumpriram à risca a missão traçada pelos assessores. Marinho jogou o tempo todo no contra-ataque, como convinha a quem sabia antecipadamente que pouco teria a ganhar ao expor-se numa contenda verbal contra um adversário disposto ao tudo ou nada para provocar alguma situação nova na disputa.
A impressão que o debate realizado no Diário do Grande ABC causou é que não teve força suficiente para provocar variações bruscas no ambiente de definição de votos em São Bernardo. Até porque, segundo dados do Instituto Brasmarket divulgados na semana seguinte à recomposição de peças para o segundo turno, há universo bastante limitado de eleitores que ainda não teriam decidido em quem votar em 26 de outubro.
O estreitamento da margem de manobra eleitoral acompanha a cronologia da disputa. Por isso, erros e acertos durante a campanha, e inclusive antes mesmo da largada oficial, acabam por influenciar o eleitorado. A ruptura do ex-triprefeito Maurício Soares com o Paço Municipal e a inclusão do cantor Frank Aguiar na chapa de Luiz Marinho detonaram reações favoráveis ao candidato apoiado ostensivamente pelo presidente da República. Inicialmente candidato sem muito aparato do Paço, Maurício Soares voltou ao velho ninho petista e descarregou a artilharia de críticas ao suposto abandono da periferia de São Bernardo. Frank Aguiar se converteu em ponta-de-lança de sensibilização, principalmente de donas de casa mais resistentes ao PT, por conta dos efeitos das greves do passado.
As bases sobre as quais o PT catapultou a candidatura de Luiz Marinho, principalmente o entusiasmo de Maurício Soares, que parecia ter virado pó, foram fortalecidas com as alianças de segundo turno. O empenho de Orlando Morando em reverter o desenho eleitoral no segundo turno não deixa dúvidas quanto à vitalidade física e intelectual dos dois finalistas.