Mais de um milhão de eleitores (exatamente 1.152.273) estão habilitados a comparecer às urnas de Santo André, São Bernardo e Mauá neste 26 de outubro para definir o controle das três prefeituras da região que tiveram esticado o período eleitoral por conta da legislação, mas há números mais representativos em disputa. Se confirmar as sondagens de pesquisas quando todos os votos forem apurados e eleitos novos três prefeitos, que se somariam a Mário Reali, de Diadema, vencedor no primeiro turno, o partido do presidente da República terá o domínio de 82,34% do PIB (Produto Interno Bruto) da região. Seria uma recompensa prática, tipicamente econômica com vestimenta política, de um Grande ABC que sob o governo de Lula da Silva remontou parte dos destroços causados pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Numa ampla reportagem publicada na edição de julho último, LivreMercado apontou com exclusividade a reação da economia do Grande ABC desde o ano 2000 e, principalmente, durante a recomposição do setor automotivo sob o governo Lula da Silva de financiamento farto e de salários em recuperação. A região conseguiu não só estancar como reduziu as perdas.
Mesmo com a melhora nos últimos anos, o Grande ABC registra perda de 12,37% do PIB. Os valores monetários foram contabilizados e atualizados pelo IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado) da Fundação Getulio Vargas. Foram confrontados os números do Valor Adicionado entre janeiro de 1995 (primeiro ano do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso) e dezembro de 2007 (quinto ano de dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva). No mesmo período, o Valor Adicionado do Estado de São Paulo cresceu 30,93%. Em conjunto, São José dos Campos, Sorocaba e Campinas avançaram 16,82%, enquanto São Paulo, Guarulhos e Osasco evoluíram 19,78%.
Embora o PIB regional tenha regredido na perspectiva de 13 anos pós-Plano Real, parte da recuperação durante o governo Lula da Silva é reconfortante para uma região que sofreu 33% de perdas ao final do governo FHC. Valor Adicionado mede tônus monetário de bens e serviços produzidos por uma economia depois de deduzidos custos dos insumos adquiridos em forma de matérias-primas, serviços e bens intermediários.
Sem montadoras de veículos e com parque de autopeças menos numeroso que São Bernardo e Diadema, Santo André registrou o melhor desempenho do Grande ABC nos cinco anos do governo Lula da Silva. O crescimento de 57,8% do PIB é um pouco superior aos 55,41% de Diadema e aos 50,40% de São Caetano. São Bernardo também reagiu no período, com 41,86% de aumento. Ribeirão Pires avançou 23,15% e Mauá 13,29%. Apenas Rio Grande da Serra teimou em permanecer no vermelho, com queda de 45,30% entre janeiro de 2003 e dezembro de 2007. Rio Grande é um caso crônico de esvaziamento econômico.
A análise mostrou que a melhor explicação para os números sólidos de Santo André desde janeiro de 2003 está na estrutura produtiva industrial. Empresas de grande porte representam perto de 70% da indústria de transformação. Cerca de 20 empresas de Santo André concentram a maioria do Valor Adicionado.
O outro lado da moeda é que as dificuldades estruturais e econômicas das pequenas e médias indústrias acabam minimizadas nas avaliações. A recuperação depende de um grande arco de políticas públicas e setoriais. São Bernardo, São Caetano e Diadema são fermentadas principalmente pela indústria automotiva. Mauá e Ribeirão Pires, menos dependentes do setor automotivo, recuperaram em cinco anos apenas uma parte das perdas dos oito anos anteriores, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.
E foram esses oito anos anteriores à posse de Lula da Silva, entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002, verdadeiro cataclisma para o Grande ABC. Todos os municípios acusaram os golpes da desindustrialização e os efeitos sobre o conjunto da economia. O coração econômico do Grande ABC, a indústria sobre-rodas, foi atingido no centro gravitacional da produção. Ribeirão Pires é caso à parte: além de acumular perdas industriais de autopeças, viu-se entregue às baratas pela guerra fiscal principalmente no Interior do Estado. Algemada pela Lei de Proteção dos Mananciais, que restringe ocupação do território, Ribeirão Pires não encontrou alternativa para aparecer no horizonte de investimentos produtivos.
São Bernardo e São Caetano, mais fortemente influenciadas pelas montadoras de veículos, foram sacudidas para valer nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Perderam quase metade do Valor Adicionado. Menos influenciada pelo setor automotivo, com um parque industrial dinâmico e que atende a vários setores, de metalurgia a plástico, de cosméticos a embalagens, Diadema perdeu apenas 16,92% do PIB com FHC. Mauá, extremamente ligada ao Pólo Petroquímico amarrado na capacidade de produção, registrou baixa de um quarto da força econômica naqueles oito anos.
No Brasil, 29 municípios com mais de 200 mil eleitores contarão com nova rodada eleitoral. Apenas 38% das médias e grandes cidades brasileiras participarão de nova disputa. Diferentemente dos anos anteriores: nas últimas disputas para as prefeituras do País, em 1992, 1996, 2000 e 2004, em média 60% só souberam a identidade do novo prefeito no segundo turno. Todos os 20 prefeitos de capitais que se candidataram a um novo mandato foram reeleitos ou vão disputar o segundo turno. O resultado é explícito: a aposta na continuidade administrativa na esfera municipal correu na mesma raia do avanço de receitas.
O favoritismo dos candidatos petistas no Grande ABC poderá ser convertido em mais massa crítica de sucesso da base governista do presidente Lula da Silva. Nos municípios em que foram decididos os votos no primeiro turno, mais da metade das administrações ficou com os aliados do governo federal. E 55 das 100 mais importantes cidades do País constarão a partir do ano que vem da lista governista. Isso sem contar os resultados do segundo turno.
O predomínio das máquinas públicas nas eleições deste ano está diretamente vinculado ao crescimento de receitas. No Grande ABC provavelmente apenas São Bernardo do prefeito William Dib e Mauá do prefeito Leonel Damo não conseguirão fazer sucessor, já que em Santo André Vanderlei Siraque é apoiado pelo prefeito igualmente petista João Avamileno. São Caetano de José Auricchio Júnior, Ribeirão Pires de Clóvis Volpi e Rio Grande da Serra de Adler Kiko Teixeira sediaram espécies de homologações.
Os prefeitos foram reeleitos sem dores de cabeça.
Segundo levantamento da Abrasf (Associação dos Secretários de Finanças das Capitais), a receita corrente líquida das prefeituras no acumulado dos últimos 12 meses encerrados em julho cresceu em termos reais 10,7%. Nas capitais, só o ISS (Imposto Sobre Serviços) cresceu 12% no período. A realidade da maioria dos demais municípios de médio e grande portes não é diferente.
A elevação das receitas dos municípios nos últimos anos é resultado de uma combinação de fatores que vão desde mudanças na legislação até o desempenho geral da economia, segundo explicou no começo de outubro em entrevista ao jornal Valor Econômico o consultor Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário municipal de Finanças em São Paulo na gestão da petista Luiza Erundina. A geração de recursos próprios, sobretudo nas capitais, teve lugar de destaque. Enquanto as transferências da União tiveram elevação de 389,6% e as dos Estados subiram 35,8%, a arrecadação tributária nas capitais aumentou 51,8% nos últimos três anos.
Ainda segundo estudos de Amir Khair, no conjunto de todos os municípios do País as transferências tiveram peso representativo para as finanças municipais, com crescimento de 55,6% entre 2004 e 2007. Também as receitas tributárias próprias evoluíram, embora em menor escala: 48,54%.
Amir Khair explicou ao jornal Valor Econômico que um dos fatores para o aumento da arrecadação própria foi uma mudança na lei complementar federal do ISS. A alteração ampliou para todos os municípios o rol de serviços tributáveis pelo ISS, incluindo vários serviços bancários, entre outros. Mudança anterior estabeleceu ISS mínimo de 2%, amenizando a guerra fiscal. A ampliação permitiu aos municípios aumentar a base de contribuintes sem precisar elevar a alíquota sobre os serviços que já pagavam o imposto. Pelo menos nove produtos de serviços financeiros passaram a ser tributados pelo ISS, enquanto três serviços financeiros antes atingidos de forma limitada ficaram amplamente sujeitos à cobrança.
Não foi apenas o ISS que puxou a arrecadação dos municípios nos últimos anos. Também subiram as transferências de Estados e da União. Da parte dos governos estaduais os repasses aumentaram por conta do bom desempenho da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), cobrado sobre a venda de automóvel e que tem metade do recolhimento destinado ao Município em que o carro foi emplacado.