Política

Morando vs. Siraque

DANIEL LIMA - 27/04/2009

Orlando Morando e Vanderlei Siraque têm estilos diferentes, o que não evitou colheita igualmente desastrosa no ano passado. Eles foram derrotados em circunstâncias que não se admite na lógica eleitoral. Perderam mesmo jogando em casa. Jogar em casa é ter o apoio do prefeito de plantão. Tanto William Dib quanto João Avamileno eram bem avaliados pelos eleitores. Ou, no mínimo, estavam distantes de margem de comprometimento, de contaminação. Abandonados durante a campanha, acabaram sucateados. Principalmente Dib.


Tanto Siraque quanto Morando beneficiavam-se de uma engrenagem que havia três eleições governava os respectivos municípios. Morando perdeu em São Bernardo para a máquina azeitada e abençoada pelo presidente da República. Siraque sucumbiu diante de uma cruzada petebista, tucana e democrata da Capital, com o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, e o deputado petebista Campos Machado, além de alguns aliados locais.


Morando e Siraque ocuparam uma página inteira da edição de domingo do Diário do Grande ABC. Responderam praticamente às mesmas indagações. Gozaram de espaços rigidamente iguais. Resultado final?


O tucano Morando é mais expansivo, mais irônico, mais agressivo.


Siraque é mais contemporizador, mas também não é santo. Quando o PT entra nas análises, utiliza-se do mesmo método do adversário tucano: puxa a sardinha para sua brasa.


Morando e Siraque responderam no mesmo tom e com o mesmo significado dissimulador à questão da campanha eleitoral precoce do governador José Serra e da ministra Dilma Roussef à presidência da República.


Cada um atribui ao adversário partidário o uso da máquina pública. Morando maneja termos mais contundentes: “A Dilma está indo até em aniversário de boneca”. Siraque passou pela pergunta sem desgastar-se. O petista não tem a eloquência e o raciocínio rápido do tucano. É mais articulador e menos expositor que Morando. Transmite mais simplicidade.


Entrevistados separadamente, Siraque e Morando não tiveram, portanto, embate explícito em qualquer questionamento. Melhor nesse ponto para Orlando Morando. Siraque poderia lhe indagar se não atropela a legalidade eleitoral que tanto defende quando apresenta programa de TV fechada. Morando poderia replicar, evidentemente sem o mesmo peso argumentativo, que Siraque se excede ao preparar um dia inteiro de prestação de contas da atuação legislativa à base petista.


O que quero dizer é que o leitor não deve levar a sério político que condena Dilma Roussef ou José Serra pelo abreviamento do calendário eleitoral. Faz parte do receituário de políticos em geral que têm possibilidades de contrariar as regras do jogo. A ocasião faz a eleição.


Orlando Morando falou sobre a crise econômica. Acertadamente condenou o presidente Lula da Silva e ministros por minimizarem os efeitos da contaminação do quadro internacional, embora não se conheça na face da terra dirigente público sensato que eleve a temperatura de contratempos administrativos.


Morando, entretanto, usou frases mais pesadas do que se recomenda para condenar a política econômica. “O governo federal não tem coragem de trocar o presidente do Banco Central (Henrique Meirelles), que não abaixa a taxa Selic” — disse Morando. Uma simplificação que só se justifica pelo tom pré-eleitoral da entrevista.


Ninguém com os pés no chão exoneraria um dirigente do lastro do presidente do Banco Central exatamente num momento de tensão. Até porque a taxa Selic vem sendo derrubada comedidamente por conta de efeitos colaterais, entre os quais a remuneração da Caderneta de Poupança e a estabilidade inflacionária.


Vanderlei Siraque saiu em defesa do governo Lula da Silva na avaliação do quadro internacional que afeta a economia brasileira. Está certíssimo quanto às medidas mencionadas para evitar que a demanda fosse ainda mais constrangida por causa da desaceleração de financiamentos e exportações, mas glorificou um governo que vacilou demais, antes do quarto e fatídico trimestre do ano passado. O Banco Central cometeu a barbeiragem de contratar o choque de demanda por causa de repentino blecaute do sistema financeiro. A besteira estaria completa se o governo Lula ouvisse Morando e demitisse Henrique Meirelles em meio à tempestade.


O petista Siraque recorreu à General Motors brasileira como exemplo das medidas adotadas pelo governo federal de resistência do setor automotivo, já que a matriz norte-americana está indo para o beleléu. Um certo exagero. São situações corporativas estruturalmente distintas. Mas está certo quanto à influência da redução do IPI como ponto central da recuperação do setor automobilístico, assim como de outras atividades igualmente beneficiadas pela política fiscal.


Siraque só demonstrou um pouco mais de ênfase quando se referiu ao governo tucano de várias gestões em São Paulo. Poderia pinçar alguns exemplos insofismáveis de que a coluna de passivos é muito maior que a de ativos. A economia paulista está praticamente congelada há mais de duas décadas. Pior de todos os governadores, Geraldo Alckmin foi alçado recentemente, vejam só, a secretário de Desenvolvimento Econômico. Uma jogada genial sob o ponto de vista político, porque Alckmin é bom de voto em São Paulo, mas sem justificativa técnica. Com Mário Covas já era assim.


José Serra é um administrador de primeira na gestão econômico-financeira do Estado, mas não conseguiu encaixar um gerenciador desenvolvimentista. Provavelmente porque os tucanos paulistas tenham dificuldade congênita para acertar o alvo produtivo. Falta embocadura para aumentar as receitas com políticas de implantação de mais empreendimentos e menos acidez fiscal.


Para completar, se houver peso na última imagem que restou da entrevista, a situação de Vanderlei Siraque pareceu mais ajuizada. Instados a falar sobre a gestão dos prefeitos que os superaram nas urnas, Orlando Morando repetiu em algumas linhas entrevista de página inteira que o Diário do Grande ABC lhe reservou quando do fetiche dos 100 primeiros dias de governo, com duras críticas a Luiz Marinho.


Vanderlei Siraque, mesmo diante de um vencedor — o petebista Aidan Ravin — que se perdeu nas brumas de factóides e do envolvimento em irregularidades de financiamento da campanha eleitoral, preferiu entregar o julgamento aos eleitores.


Embora a entrevista dupla não tenha reservado uma pergunta sequer a questões de regionalidade que tanto azucrinam a vida de 2,6 milhões de habitantes, tem o mérito de expor dois fortíssimos concorrentes às eleições municipais de 2012.


Morando parece muito mais incomodado com Luiz Marinho do que Siraque com Aidan Ravin. Provavelmente o tucano já fez a leitura de que precisa mesmo avocar a liderança de uma frente regional de centro-direita opositora à candidatura presidencial petista no ano que vem.


Siraque não pensaria diferente se a situação lhe parecesse mais favorável. A candidatura do partido ainda não tem a viabilidade desejada pelo governo Lula em âmbito federal e no estadual há mais que indicações de que os tucanos vão se manter no Palácio dos Bandeirantes. Com Geraldo Alckmin, logicamente.


E a explicação é simples — e vale para todos os entes da Federação: ser governador é uma grande moleza eleitoral porque é a instância de poder menos suscetível a críticas e complicações. Duro mesmo é ser prefeito ou presidente da República.


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