Política

Será que a onça da Cidade da
Criança não está protestando?

DANIEL LIMA - 27/01/2010

Dá vontade de dizer que não quero saber e que tenho raiva de quem de fato sabe quem está com a razão, se tucanos ou petistas. O que posso assegurar sobre a reinauguração da Cidade da Criança, em São Bernardo, é que botaram uma onça bem próxima de minha janela. Dizem que é onça, parece que é onça pelo urro que invade meu quarto, mas também pode ser um leão tupiniquim sem o charme do leão da Metro.


Minha janela dá de frente com a jaula da onça que dizem ser de mentirinha e que faz a alegria de crianças, jovens e adultos. Não mais que 20 metros separam-nos. A distância não vale para transtornos psicológicos. A onça urra matematicamente a cada intervalo previamente programado. Parece estar à minha cabeça.


O que mais lamento é que ainda não tive disposição para visitar pessoalmente aquela atração da Cidade da Criança e, assim, dizer com firmeza que se trata mesmo de onça de brincadeirinha. Desde que o parque abriu as portas e desde que as visitas se tornaram constantes, aquele grunhido (seria grunhido mesmo?) dá sensação de que corro risco de morte em pleno coração civilizado de São Bernardo.


Morar na vizinhança da Cidade da Criança para quem já morou na periferia de Mauá pode parecer exemplo de mobilidade social. No meu caso garanto que era mais feliz nos tempos de Vila Vitória. O silêncio era total naqueles dois cômodos de fundo de fundo de quintal.


O máximo que ouvia nas horas de descanso era a algazarra de galos atrás de galinhas num amplo quintal de terra batida. Não me consta que na Cidade da Criança reaberta pelo PT sob condenação tucana existam galos e galinhas. Mas que a disputa pela paternidade e a efetividade da obra virou uma farra de galinheiro, não tenho dúvidas.


Faz tempo que estou com vontade de entrar nessa seara de tucanos e petistas. Li absolutamente tudo sobre o que a Imprensa já publicou. Li e arquivei. Juro que não consigo formar juízo de valor sobre quem acertou o alvo, se a solução tucana enquadrando a Cidade da Criança como novo patrimônio educacional de São Bernardo ou a alternativa petista de retomar a Cidade da Criança na área de turismo.


Parece que a solução petista é mais ajuizada juridicamente, porque o Tribunal de Contas do Estado não engoliu a migração de recursos orçamentários para a Cidade da Criança, alterando-se para tanto, ou pretendendo-se alterar, a finalidade do espaço da molecada, que deixaria de ser de entretenimento para se colocar na prateleira educacional.


Há tantos interesses em jogo e tantas imprecisões jornalísticas que não cometerei a besteira de emitir opinião peremptória. Sei lá se como castigo os funcionários da Cidade da Criança soltariam aquele bicho que dizem ser apenas de brincadeirinha. Já imaginou se onça em carne e osso resolve invadir minha janela?


Já pensaram ter de me virar para me safar de uma onça ou de um leão, seja o que for? Como vou explicar a meus filhos que aqueles rugidos (seriam rugidos?) não passavam de brincadeirinha?


Ainda não tive pesadelo com a onça de mentirinha da Cidade da Criança. Acho que tanto o prefeito Luiz Marinho como seu antecessor, William Dib, já perderam muitas noites de sono para arranjar argumentos que justifiquem as declarações que fazem diretamente ou através de terceiros escalados em ataques estudados para desgastar o adversário.


Quem tem razão, afinal, nessa disputa pela configuração temática, enquadramento orçamentário e pela funcionalidade operacional da Cidade da Criança?


Por que será que os jornais não fazem uma matéria sem resquício partidário, ouvindo todos os lados, investigando detalhes, percorrendo aquela área para saber de fato quantos brinquedos estão em funcionamento? Será que as declarações de um ex-secretário, escalado para dar pau na administração de Luiz Marinho, é garantia de informação isenta? E os artigos do secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, que afirmam exatamente o contrário, também são sustentáveis?


Poderia o leitor alegar que sendo eu jornalista e estando incomodado com tudo isso, inclusive com os urros (urros?) da onça de mentirinha, por que não embrenhar-me no caso e, finalmente, com isenção, retirar todas as interrogações que permeiam a questão?


Tem razão o leitor mais atrevido ou esperançoso que me quer ver vasculhando esse cipoal de complicações partidárias, mas me recuso a atender a sugestão.


Nem morto pela onça de mentirinha vou ouvir os dois lados para tratar da Cidade da Criança, por mais emblemática que seja essa disputa.


Tenho mais o que fazer. Tanto nas noites dos chamados dias úteis quanto nos finais de semana a Cidade da Criança é referência de minhas corridas profiláticas à alma e ao coração. Dou macrovoltas no Jardim do Mar sempre tendo a Cidade da Criança como ponto-chave de romantismo de corredor amador.


Não quero ficar traumatizado com a ideia de que, naquele espaço que contorno com minhas pernas pressupostamente de atleta existe um manancial de idiossincrasias que possam contaminar minha alma. Para mim, a briga que permeia a Cidade da Criança está localizada simbolicamente no Paço Municipal com extensão nos redutos petistas e tucanos, não da molecada.


Por mais que já tenha lido sobre a Cidade da Criança no campo político-partidário, não transponho as controvérsias para aquele território de lazer e entretenimento que agora, nos finais de semana, está lotadíssimo de gente predominantemente da periferia.


Se escrevo sobre a Cidade da Criança agora é porque o assunto começou a me incomodar. Quando qualquer coisa me incomoda a solução que me recomendo é o descarrego ou desopilamento textual. Quando escrevo os males espanto.


Sei lá quantos ingressos andam distribuindo para revitalizar a ocupação da Cidade da Criança. Só sei que a periferia em peso ocupa o Jardim do Mar. Nada mais justo, porque é preciso recuperar o tempo perdido daquele espaço fechado e maltratado.


Quantos anos nos últimos anos minhas corridas que colocam mais vida em meus anos vivenciaram o silêncio da Cidade da Criança fechada?


Quantas vezes tive de responder, sem perder o passo da corridinha providencial, que aquele endereço de sonhos estava fechado à visitação?


Só quem observava a reação dos pais e das crianças geralmente em veículos de alguns anos de uso pode avaliar o quanto a Cidade da Criança ainda embala sonhos, principalmente das camadas mais populares.


De fato mesmo só estou inquieto é com o barulho que invade meu quarto. Aquela onça (seria mesmo onça?) me parece meio rouca de tanto se manifestar.


Será que a onça não estaria indisposta com tanto falatório sobre a Cidade da Criança?


Querem saber de uma coisa? É melhor ouvir a onça de mentirinha na janela. Talvez seja a manifestação mais verdadeira de protesto contra essa polêmica mal-ajambrada que já encheu a paciência.


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