O enxadrismo político-eleitoral inibe a propagação do conceito de voto regional no sentido virginal com que foi concebido na última década do século passado, quando abriram-se as portas para a formação do Fórum da Cidadania do Grande ABC. Uma campanha em favor de voto nos candidatos que têm o Grande ABC como domicílio eleitoral seria sempre bem-vinda, mas não é de todo adequada. Sair desse provincianismo é boa pedida.
Ouso reformular os cromossomos de voto regional no dia em que se completam mil artigos nesta revista eletrônica. Desde o primeiro dia de setembro do ano passado, quando inauguramos este espaço digital, depois de experiência de mais de uma década com outras marcas, somamos mil artigos. O estoque não se limita à produção nesse período. A maioria dessa carga pesada de regionalismo contemporâneo foi capturada de trabalhos anteriores como diretor editorial da revista LivreMercado, além de diretor, editor e repórter de outras publicações impressas.
Há textos aqui já expostos e arquivados de metade dos anos 1980, quando estávamos na Agência Estado, que abastecia uma rede de jornais do Brasil inteiro, além de reportagens preparadas especialmente para O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde.
Voltando ao assunto-título, não é o fato de contar com domicílio local que confere a qualquer candidato da região o direito de beneficiar-se, com já se beneficiou, de um marketing de cidadania direcionado à densificação da representatividade local.
A chamada Bancada do ABC, arremedo de mobilização dos eleitos, desapareceu das manchetes. Cedeu lugar ao bom senso porque deputados da região não abrem mesmo mão da rede de auto-proteção da individualidade e do partidarismo. Melhoramos, como se observa. A hipocrisia de um coletivismo ingênuo defendido pela mídia entregou a rapadura ao pragmatismo do qual os parlamentares jamais abriram mão, embora fizessem sempre a encenação de regionalidade.
Então, como seria o enquadramento do conceito de novo regionalismo eleitoral? Cá com meus botões, sem ensaios maiores, sem rascunho a projetar alguns pontos básicos deste texto, sem nada que lembre qualquer coisa mais ou menos organizada, como geralmente faço mentalmente, eis que invado a arena de uma especulação que vale a pena ser acompanhada.
O voto regional poderia ser desfraldado ao se unir o útil ao agradável. O útil seria a disposição dos candidatos à Assembléia Legislativa e à Câmara Federal em defender questões relevantes do Grande ABC, mesmo que não tenham intimidade com qualquer um dos sete municípios. O agradável seria a defesa efetiva de elenco de demandas regionais, agora na condição de eleitos.
Para que candidatos domiciliados no Grande ABC não sejam beneficiários compulsórios do voto regional e candidatos não-domiciliados na região não sejam discriminados como forasteiros ou invasores, a solução seria uma convocatória à assinatura de um decálogo da competitividade econômica. O ponto central das demandas da região seriam 10 questões emergenciais da área econômica, as quais, devidamente tratadas com prioridade por instâncias de poder legislativo e executivo, poderiam conferir ao movimento algo como uma linha demarcatória entre o passado e o futuro.
Definidos os pontos nucleares dos buracos negros da competitividade regional, devidamente levados à aprovação por instâncias empresariais e sindicais, passar-se-ia à convocatória partidária.
As facilidades da tecnologia de informação permitem aos candidatos paulistas à Assembléia Legislativa e à Câmara Federal engrossar lista de assinaturas em defesa daquelas metas sintetizadas em documento específico. Nada de adesão a distância, gozando-se de facilidades das comunicações.
O encontro que fortaleceria tanto o decálogo de competitividade quanto os candidatos comprometidos com os enunciados teria de ser físico, presencial, concorridíssimo, provavelmente.
Do resultado de tudo isso teríamos, enfim, uma relação completa de concorrentes cujos nomes passariam a ser propagados por veículos de comunicação da região. Eles seriam, em suma, destinatários do novo valor conceitual de Voto no Grande ABC.
Podem dizer os mais céticos que tudo isso não passa de alucinação, que não há viabilidade alguma à execução dessa corrente pró-Grande ABC. Podem dizer o que quiserem porque vão contar inclusive com meu apoio. Ou os leitores acreditam para valer mesmo que sou ingênuo a ponto de contar com sinergia de comprometimento de instâncias empresariais e sindicais em favor da potencialização de nossa economia, com resultados diretos no tecido social?
O que proponho é tão viável quanto romper a barreira do milésimo gol, marca que jamais chegou a ser cogitada quando aquele negrinho esperto se consagrou na Copa do Mundo de 1958. Trata-se, portanto, de um empreendimento para quem tem talento, empenho, dedicação e tantas outras qualidades que, infelizmente, a sociedade econômica do Grande ABC jamais deu sinais de ser portadora. Muito pelo contrário, porque as instâncias econômicas respiram apenas ares corporativos e quando se metem na vida política e partidária mergulham nos interesses que começam e terminam nos próprios muros.
As soluções dos graves problemas econômicos e sociais do Grande ABC passam pela convergência de entidades atualizadas para fomentar a bola de neve de uma institucionalidade mambembe dissolvida ao longo dos anos pelo esfacelamento do parque industrial.
Voto no Grande ABC mesmo sem estar no Grande ABC retiraria a região de anacronismo democrático que consagra dois ramais de bobagens insuperáveis: a glorificação de candidaturas locais que não estão nem aí com o nosso destino e a abertura de porteiras a forasteiros igualmente oportunistas, que se mobilizam neste território apenas quando o calendário eleitoral abre as portas a investidas sem compromissos pós-eleição.