O empreendedor é a maior vítima do Estado. Sofre com a Justiça do Trabalho, com a falta de crédito competitivo e com a voracidade fiscal. Além do Custo Brasil, evidentemente. Por isso, precisa ser valorizado e não discriminado pela sociedade, desabafa Giorgio Nicoli, empresário do setor de móveis e um dos 20 coordenadores do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), entidade com sede em São Paulo e que tem como integrantes perto de 500 diretores de empresas, principalmente de pequeno e médio porte.
Giorgio Nicoli, que mantém uma loja de móveis em São Bernardo, também faz críticas ao sindicalismo, embora de forma amena. Torce para que capital e trabalho descubram, no Brasil, que o embate tem tudo a ver com as trapalhadas da herança legislativa de Getúlio Vargas de excesso da presença do Estado na economia. Giorgio Nicoli contesta também o lugar-comum de que o empreendedor nacional vivia em berço esplêndido e não se preparou para a globalização e a abertura econômica. Diz que as dificuldades para dirigir negócio em ambiente de instabilidade monetária e excesso de regulamentação e intervenção do Estado sacrificaram o tempo para a gestão e os recursos dos empreendedores.
Posicionado nas eleições para o comando do Sistema Fiesp/Ciesp como integrante da chapa do oposicionista Joseph Coury, Giorgio Nicoli garante que o PNBE é exemplo de democracia e de diversidade que só vicejou porque não depende, mais uma vez, do Estado.
Como o senhor observa o processo de reestruturação econômica do Grande ABC?
Giorgio Nicoli – Entendo que a região está passando por processo que atinge todo o Brasil. O desemprego, sem dúvida, é muito alto e é o principal problema do País. Até porque os índices não dão exatamente a dimensão do que está acontecendo. Acho que, por falhas de metodologia, o grau de desemprego é maior do que o anunciado. O pior é que, quando você compara os índices com países desenvolvidos, a diferença vai muito além, porque o Primeiro Mundo tem escolas, hospitais gratuitos de boa qualidade, subsídio a moradias e série de outras coisas. Enfim, estamos despreparados para enfrentar o desemprego. A situação é complexa porque envolve o aumento da criminalidade, entre outros problemas. Resumo: nosso desemprego é diferente do da Europa e também do dos Estados Unidos. No Grande ABC o desemprego não é diferente do resto do Brasil. E são questões que, inclusive, nada têm a ver com a tão criticada globalização.
Por exemplo?
Giorgio Nicoli – A Justiça do Trabalho é bom exemplo disso, porque significa o maior empecilho a alguém que queira dar emprego. Quem se sente prejudicado reclama incentivado pelo fato de que não ter custo processual. Isso provoca reclamações absurdas. A Justiça normalmente tende para o empregado, seja qual for a situação. A Justiça do Trabalho muitas vezes atua como defensora dos problemas sociais e usa o empreendedor como responsável. Temos exemplos de casos absurdos que encontram respaldo da Justiça do Trabalho. Penso duas vezes antes de autorizar uma contratação. Outro dia estava reunido com outros cinco empreendedores e descobrimos que, juntos, demitimos mais de dois mil funcionários nos últimos anos. Nada pior, mas isso se deve às condições que temos de enfrentar para manter o negócio.
Como o senhor se sente quando tem de demitir funcionários, sabendo que é uma parte da cultura da empresa que vai embora?
Giorgio Nicoli – Tenho sido sistematicamente contrário a algumas reportagens que colocam o empreendedor como desalmado, como alguém que não tem coração. O empreendedor é, por natureza, alguém que gosta de empregar, que gosta de fazer. É alguém que sofre muito quando tem de dispensar. Muitos funcionários já estão com ele há vários anos e isso provoca abatimento psicológico em quem deveria estar estimulado a gerar empregos. A reflexão que faço, nesses momentos, é de que temos que salvar os empregos que ficam. Se medidas eventualmente não forem tomadas, todos os empregados é que pagarão a conta.
E o empreendedor de pequeno porte, como o senhor observa sua situação no País?
Giorgio Nicoli – Não é só o de pequeno porte, não. Todo empreendedor está desestimulado e desanimado. A própria sociedade não valoriza o empreendedor. Sem falar do governo. Há discriminação, sem dúvida. Qualquer erro que um empreendedor comete é exageradamente explorado. O empreendedor é refém de uma série de problemas fiscais e de legislações de todas as espécies. O empreendedor nacional está muito desvalorizado e isso leva à desmotivação. Acho que esse é o maior problema nacional. Não sei exatamente de quem é a culpa. Só posso dizer que com isso toda a sociedade perde. Quando me refiro a empreendedor atinjo desde quem tem uma banca de jornal e ao português que tem padaria até quem dirige pequena, média e grande indústria. Outra coisa errada no País é achar que a grande empresa está bem. Isso não é verdade. Quem está bem são algumas grandes multinacionais e algumas médias empresas.
A abertura econômica no início da década é considerada, por muitos, como o fim da mamata das empresas nacionais, que teriam sido protegidas da competição internacional durante muitos e muitos anos. Como o senhor analisa essa questão?
Giorgio Nicoli – Não é bem assim. Se a gente pensar bem, o que o empreendedor nacional suportou de tablita, de confisco, de inflação, de tudo isso que tinha que administrar, percebe-se que a carga era pesada. Enquanto isso, lá fora, os empreendedores internacionais só se preocupavam em desenvolver seus negócios. Tivemos que nos virar com a abertura. Por isso, dizer que fomos beneficiados não é enfoque correto. Um empreendedor que nos anos 60 chegou a ter perto de mil funcionários recolheu muitos impostos para o Estado. O que aconteceu foi o seguinte: ele hoje não tem duplicatas, tem ativo muito grande e ninguém aceita esse ativo como garantia para recorrer a empréstimos. Então, esse empresário está definhando, demitindo trabalhadores. Enquanto isso, se abrem as fronteiras.
Se isso ocorresse na Europa ou nos Estados Unidos, se analisaria o histórico dessa empresa. Saberiam quantos empregos gerou nos últimos anos, quanto recolheu de impostos, de modo que se providenciasse empréstimo em cima desses números. Aqui no Brasil eles, o governo, preferem dizer que estamos agindo democraticamente ao criar condições para abrir não sei quantas microempresas. Abrir uma microempresa, e temos pesquisa que mostra isso, é muito complicado. A maioria fecha as portas no primeiro ano de atividades. Precisaríamos valorizar quem é o verdadeiro empreendedor. Não que não ache que não devemos estimular a microempresa. Mas não é terminando com empresas de gabarito que vamos resolver a situação. Então, como se vê, a situação passa também pelo problema de crédito, no sentido de que os ativos sejam garantias reais. Os bancos, nesse caso, não podem ser agiotas, mas parceiros das empresas.
E a tributação?
Giorgio Nicoli – O Brasil, como todos sabem, além de ter muitos impostos, sofre porque o sistema é em cascata. Os empresários são reféns do governo em todos os aspectos. Existem tanta fiscalização e tantas alíquotas que o pequeno empreendedor, o médio também e até o grande acabam desanimando. Todo mundo sabe que as alíquotas são altas, todo mundo sabe que são difíceis de ser cumpridas, mas nada muda. É evidente que tudo isso leva ao desemprego. Se se juntar tudo isso, as questões trabalhistas, creditícias e tributárias ao restante do chamado Custo Brasil, temos o quadro da situação em que o empresário vive. Custo Brasil é o custo de impostos, de burocracia, de transporte, de tudo. As empresas são obrigadas a fazer o papel do Estado com pagamento de cesta básica, alimentação, transporte. Até hospital, através dos convênios. Tudo isso não deveria ser problema do empreendedor, mas acaba sendo porque o governo não cumpre sua parte. Com tudo isso que aguarda pelo empresário, é natural que pense mil vezes antes de dar emprego. Ele simplesmente não tem segurança.
E nesse emaranhado todo, como o senhor vê a relação entre capital e trabalho?
Giorgio Nicoli – Há tantas complicações que acabam por atrapalhar as relações entre empresário e trabalhadores, exatamente por causa de funções de Estado que não são cumpridas, que esse diálogo acaba sendo distorcido. Diria que há aspectos muito mais importantes do que o eventual embate entre capital e trabalho. Um exemplo é a forma com que o governo procura incentivar a instalação de empresas no setor automotivo. Não sou contra, mas o que acontece é que enquanto se aplicam milhões de dólares em novas fábricas do setor, com amplos incentivos e poucos empregos, o empreendedor nacional tem de se submeter a juros altíssimos do sistema bancário. O que o governo não percebe é que as multinacionais têm sentido muito pragmático das coisas. Se amanhã a situação não estiver de seu agrado, demitem e vão embora.
Diante de todo esse quadro de complicadores econômicos e sociais, como o senhor observa o futuro do Grande ABC?
Giorgio Nicoli – O que se deve entender é que o Custo ABC e o Custo São Paulo são os preços que se pagam nas grandes cidades e regiões. A tendência do Grande ABC, como de São Paulo, é de se especializar em empresas de serviços, porque as \grandes indústrias vão mais e mais procurar regiões tranquilas.
Como o senhor interpreta o constante crescimento da arrecadação federal e estadual?
Giorgio Nicoli – Primeiro me dá um pouco de desânimo, porque se arrecada tanto enquanto há desemprego crescente e muitas empresas fechando as portas. Segundo, tudo isso é muito lógico. Simplesmente porque as alíquotas dos impostos eram calculadas para suportar uma época inflacionária cujos índices chegavam a 40%, 50% ao mês. Entre o fato gerador e o recolhimento do imposto havia defasagem que de certa forma minimizava a carga tributária. Com o final do período inflacionário, simplesmente os tributos não se adequaram à nova realidade. Infelizmente tudo isso, que reduz a capacidade de resistência do empresariado, está sendo utilizado de forma não satisfatória, porque o déficit público continua elevado.
O senhor quer dizer que o Estado não cumpriu com as suas obrigações, inclusive no sentido de enxugar os quadros, reduzir sua estrutura, seus custos?
Giorgio Nicoli – Sem dúvida. Infelizmente não enfrentamos os problemas de frente. A grande reforma que precisa ser feita no Brasil é a política. Municípios, Estados e União continuam a ser cabide de emprego de muito administrador. Os políticos continuam atuando na base do é-dando-que-se-recebe. Não todos, mas a grande maioria. Se não tivermos uma reforma política, não vamos ter a mínima possibilidade de essa situação ser devidamente controlada. Infelizmente também a população, por falta de sistema educacional qualificado, não sabe exigir dos políticos as obrigações inerentes de suas atividades.
Como o senhor observa o empresariado nacional em relação à defesa de seus interesses?
Giorgio Nicoli – Vejo com muita preocupação, porque a grande maioria das entidades empresariais está mal estruturada. O empresariado tem muito medo de levantar posições porque teme represálias fiscais e de tantos outros aspectos. Por isso não se manifesta. E não pense que isso só ocorre com os pequenos. O que vivemos hoje é que, por mais que as medidas sejam arbitrárias, danosas aos interesses de quem empreende, os empresários reagem com muito tato. Só está havendo um pouco mais de reação ultimamente, por causa dos altos índices de desemprego, porque o Lula subiu nas pesquisas. Não fosse isso, todos continuariam a dizer que estava maravilhoso.
Por falar nisso, o que pode mudar no País com um governo chefiado por Lula?
Giorgio Nicoli – Acredito que o Fernando Henrique vai continuar dirigindo o País. Bem ou mal, com ele avançamos muitos pontos, temos que corrigir muita coisa, mas teria muito receio de que uma eventual volta da inflação nos impusesse o pagamento da conta novamente. Entendo também que uma eventual vitória do Lula não mudaria praticamente nada no País em termos de macroeconomia. O Brasil não tem mais espaço para imperador, para ditador. O Lula teria de governar dentro de determinadas regras. Diria que, quando assumiu, o Collor só fez tudo aquilo porque a sociedade estava despreparada. Se o Lula tivesse ganho em 1989, jamais teria feito metade daquilo, simplesmente porque a sociedade não deixaria. O que está acontecendo com o Fernando Henrique é a mesma coisa. Ele tem conquistado muitas coisas no Congresso Nacional que não seriam alcançadas pelo Lula. O Lula, aliás, já não é mais o que era 10, 15 anos atrás. Tudo muda, tudo se moderniza.
E na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o que mudaria com eventual vitoria da oposição comandada pelo candidato Joseph Coury contra o situacionista Horácio Lafer Piva?
Giorgio Nicoli – O Piva é um moço competente, mas dá uma conotação de continuidade, enquanto o Coury quer mudar os rumos da Fiesp. Acho que o que vai mudar é isso. O Coury será um revolucionário do processo. Estou ligado ao Coury porque penso que as classes empresariais devem ser modificadas. Estou na chapa do Coury mas não tenho nada contra o Piva. Tenho a impressão de que não haverá racha na Fiesp e no Ciesp como alguns projetam. Quem ganhar uma eleição, ganhará a outra também.
A Fiesp não será a mesma depois dessas eleições?
Giorgio Nicoli – Não sei, mas gostaria que não fosse porque a Fiesp ficou muito tradicional. São sempre presidentes do mesmo grupo. O Piva é uma mentalidade jovem, mas ainda me mostra um pouco de continuidade. Acho que está na hora de mudar, está na hora de a Fiesp valorizar mais o empreendedor. Acho que a Fiesp não valoriza muito o empreendedor. Sinto a Fiesp mais voltada para grandes empresas, grandes corporações. Não sinto a Fiesp valorizando o pequeno empreendedor.
E o PNBE, como o senhor analisa o PNBE?
Giorgio Nicoli – O PNBE é outra coisa, não existe o corporativismo. As associações, essas que têm as obrigações compulsórias, são muito corporativas porque dependem do governo, cujas leis interferem diretamente nas arrecadações de que dispõem. Quando se pega o PNBE, a situação é outra. Temos uma diversidade de debates. São discussões muito abertas, sem interesses de determinada categoria. O PNBE tem participantes de todos os partidos políticos, é uma coisa muito mais dinâmica e aberta.
Aquela imagem do PNBE de que tinha muita gente de esquerda se justifica?
Giorgio Nicoli – Tem gente da esquerda, tem gente da direita, de centro. PNBE é isso, todo mundo lá debatendo. É isso de que gosto.
O senhor se definiria como, politicamente: de direita, meia-direita, de centro, centro-esquerda ou de esquerda?
Giorgio Nicoli – Tenho coisas de direita, de esquerda, de meia, de centro. Acho até que não gosto desse tipo de rotulação porque é muito complicada.
O senhor acha que os sindicalistas têm razão quando dizem que o Brasil é um País neoliberal, quando se sabe que o nível de intervenção do Estado é imenso, como o senhor mesmo retratou?
Giorgio Nicoli – O que posso dizer é que o Sindicato no Brasil, como em todo o mundo, é positivo. Só que tem um problema, porque perdeu um pouco o chão. Antes, os sindicalistas brigavam por reposição salarial, faziam greve, e isso hoje não tem sentido. Não conseguem se sintonizar com os temas que sejam benéficos aos trabalhadores. O sindicalismo ainda faz coisas indevidas, mas dá sinais de amadurecimento também. Acho os Sindicatos tão importantes quanto os partidos políticos. Democracia não faz mal a ninguém. Pelo contrário. Diversidade só faz bem. Mas entendo também que os Sindicatos ainda estão muito preocupados com os donos das empresas. Não observam os problemas que nos são criados pelo governo. Acho que falta entrosamento entre o capital e o trabalho e quem sai lucrando é o Estado.
O senhor acha que essa fórmula getulista de promover o acirramento entre capital e trabalho no Brasil está na hora de ser desmontada?
Giorgio Nicoli – Você está absolutamente certo. Infelizmente ainda os Sindicatos procuram propagar a ideia de que os patrões são todos exploradores, quando o problema não é esse.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira