Política

Uma pesquisa intrigante que pode
ter tudo a ver com paraíso e inferno

DANIEL LIMA - 16/09/2010

De vez em quando voltarei a centrar fogo nos resultados da pesquisa que, entre outros resultados, apontou o grau de auto-estima da população do Grande ABC. Os dados extraídos de perto de três mil entrevistas do Instituto Unidade de Pesquisa deveriam ser atualizados com alguma frequência e, principalmente, mais detalhados para aferir aspectos que um voo panorâmico apenas insinua. Caberia ao Clube dos Prefeitos a iniciativa de responder à curiosidade.


Querem um exemplo de vetor intrigante da pesquisa comandada pelo especialista Sidney Kuntz?


A pergunta “se tivesse a possibilidade de trocar a cidade em que mora na região do ABC, o que faria?” deveria motivar tese acadêmica. Afinal, a mais pobre e problemática cidade do Grande ABC, a distante Rio Grande da Serra, registrou o maior índice do que não é exagero algum chamar de auto-estima. Enquanto a média do Grande ABC apontava apenas 43,5% do total da população decididíssima a não mudar de endereço municipal, em Rio Grande da Serra chegou a 54,2% o total de moradores que optaram pela resposta “não mudaria de jeito nenhum”.


Fosse uma Santo André, uma São Bernardo e, principalmente, uma São Caetano, o resultado não seria nada surpreendente. Mas justamente Rio Grande da Serra? — dirão os leitores.


Como se explica esse enraizamento que pode não ser lá essas coisas quando se descobre que 46% estariam decididos a mudar-se, mas convenhamos, inserido na realidade regional, está bem adiante dos demais?


Talvez a melhor explicação seja um momento muito especial do menor Município da região, onde o prefeito Kiko Teixeira é o mais bem avaliado entre os demais titulares de Paço Municipal no Grande ABC. Avanços na infraestrutura social e urbana, também por conta de políticas macroeconômicas do governo federal, contribuem para a redução de desigualdades. Rio Grande da Serra tem certa homogeneidade social e econômica que auxilia na compactação do processo de satisfação da população.


Com população três vezes superior e num extremo oposto de tomografia geográfica, social e econômica, São Caetano vem logo a seguir no descarte da possibilidade de mudança de endereço. Os resultados não diferem muito de Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires. Apenas Diadema e Mauá fogem do que chamaria da margem de tolerância, com números inferiores a 40% de satisfação plena.


É muito provável que São Caetano repita o caso de um time campeão seguidamente e cuja torcida está tão mal-acostumada que quer sempre mais.


É muito provável que Rio Grande da Serra repita o caso de um time que está na fila há muito tempo e a conquista de um campeonato, um campeonato qualquer, provoca euforia inusitada.


A percepção de conforto ou desconforto de morar num determinado Município é fenômeno social que precisaria ser mais vasculhado para que eventuais análises críticas não corressem riscos de fiascos. Sei perfeitamente disso, mas não consigo resistir à ideia de retirar alguns insumos dos dados apresentados. Daí a conclusão inicial de que o nível de semelhança socioeconômica dos moradores ajuda a aceitar ou a rejeitar a infraestrutura urbana disponível. Exceto São Caetano, os municípios do Grande ABC ainda têm muito o que fazer para eliminar focos de insatisfação.


Uma outra questão respondida pelos entrevistados do Instituto Unidade de Pesquisa e que tem tudo a ver com a anterior evoca interpretações ao gosto do freguês.


Da população de Rio Grande da Serra, 55% acreditam que o Município é o melhor lugar para morar no Grande ABC por causa da qualidade de vida. Um número elevado mas que vai ao encontro das expectativas mais comedidas da população. Retirem de Rio Grande da Serra todos os moradores, troque-os por moradores de São Caetano e os resultados serão um desastre. Ou estou enganado? Acredito que não. Tanto que foi São Caetano quem liderou de forma opressiva a percepção de qualidade de vida com 80,6% de opção de seus moradores. Muito acima dos 43,5% de Santo André, dos 51,9% de São Bernardo, dos 45,9% de Diadema, dos 55,5% de Ribeirão Pires e dos 34,7% de Diadema.


Teria o leitor uma outra leitura desse resultado?


De qualquer forma, São Caetano é mesmo o Município campeão de bilheterias no Grande ABC quando se trata de avaliação de qualidade de vida. Afinal, embora não conte com mais que 140 mil habitantes (18% da população regional), o resultado da pesquisa apontou que lidera o que chamaria de campeonato na categoria, com 34,2% de apontamentos. É o segundo time (Município) na preferência de todas as torcidas (moradores) do Grande ABC.


Por isso mesmo o que mais me encafifou ao bater os olhos na pesquisa foi constatar que, embora consagrada pela própria popular com uma taxa de 80,6% de aprovação à qualidade de vida, mais da metade dos moradores de São Caetano seguiram a tendência de quase todos os demais municípios do Grande ABC, interessadíssimos em mudar-se para a Capital, para o Interior do Estado e mesmo para outros Estados?


Esse encafifamento é maior ainda quando tanto no trabalho do Instituto Unidade de Pesquisa como de outras instituições especializadas a aprovação do prefeito José Auricchio Júnior vai às alturas, rivalizando-se em termos municipais com o que o presidente Lula da Silva obtém no Brasil.


Francamente, não me habilito neste momento a prospectar esse terreno tão labirintesco. Quem sabe o cruzamento de informações sobre as quais me lançarei explicará essa loucura de amar onde se mora e ao mesmo tempo estar preparadíssimo para, numa proporção elevada, dar em retirada.


Talvez a melhor resposta — e me arrisco a expor a conclusão como espécie de auto-desafio por, no parágrafo anterior, ter escrito que não me habilitaria a fazer conjecturas — seja o tormentosíssimo entorno de São Caetano. Ou seja: para chegar ao paraíso daqueles 15 quilômetros quadrados, há infernais oito mil quilômetros quadrados da Região Metropolitana de São Caetano ou os igualmente infernais 2,3 mil quilômetros quadrados da Capital e do Grande ABC, no meio do campo.


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