Política

Por que queimaria título de cidadania
e atiraria medalha de mérito ao vento?

DANIEL LIMA - 29/10/2010

Os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso foram tão nocivos à economia do Grande ABC, com consequentes sobrecargas às mazelas sociais, que costumo dizer aos amigos mais próximos algo que causa desconforto: queimarei o título de Cidadão Andreense que a Câmara Legislativa ousou me entregar em 2000 e atirarei ao vento a Medalha de João Ramalho que os vereadores sem juízo de São Bernardo me presentearam se algum dia as mesmas láureas forem entregues ao ex-presidente da República.


Faço essa revelação pública com destaque com o intuito de chocar mesmo. Podem dizer o que quiserem, mas, contrariamente à impressão de desprezo e desrespeito, seriam dois gestos de completa paixão regional. Ou alguém é capaz de supor que Fernando Henrique Cardoso merece alguma atenção das instâncias regionais após tudo que aprontou aqui?


O território do Grande ABC que FHC desconsiderou como poucos certamente não integra o roteiro de suas deslocações. O circuito do intelectual é outro. Periferia metropolitana jamais foi seu forte, exceto em incursões acadêmicas. Como seus pares, aliás.


Escrevo a propósito do assunto, às vésperas das eleições presidenciais, de caso pensado. É nesse período de ânimos exacerbados que determinadas questões têm maior repercussão.


Quando a política entrar em maré mansa pós-eleitoral, depois da overdose que acompanhamos já faz muito tempo, FHC parecerá iniciais de veneno para baratas. Aliás, o ex-presidente assim parece ter-se autodeclarado quando olhava para o mapa regional do alto do Palácio do Planalto. Ele veio ao Grande ABC uma única vez em oito anos. Foi maltratado por sindicalistas no lançamento do Ford Ka, em São Bernardo. Uma deselegância dos anfitriões que nem o descaso de FHC com o Grande ABC ameniza. Até porque aqueles incidentes trataram de afastar de vez aquele presidente daqui.


Foi Fernando Henrique Cardoso com sua política econômica desastrada sobretudo para um Grande ABC dependente demais da indústria automotiva que me levou aos braços presidenciais de Lula da Silva, em 2002.


Recusava-me até então a votar no petista não propriamente por conta da figura do ex-metalúrgico e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Não havia preconceito algum na decisão de retirá-lo de meus planos eleitorais. Também tenho origem modesta, meu pai veio de longe, sei o que é uma família grande e diversa.


O que me incomodava na candidatura de Lula da Silva era o radicalismo petista.


Mal poderia imaginar que o PT acabaria adotando praticamente os mesmos métodos dos demais partidos. Inclusive copiando-os na disseminação do mensalão e de suas variáveis, modalidade mais antiga do que andar para a frente.


O PT se apresentava como única virgem numa casa de tolerância. Quando adveio o escândalo do mensalão, os adversários tentaram impingir a ideia de que o PT era a única meretriz na casa de tolerância.


A maior diferença entre Lula e os presidentes que o antecederam desde a redemocratização do País é que seu governo tem de fato olhar social diferente. Vá lá que seja também eleitoral, porque ninguém é de ferro, mas Lula veio da pobreza, sabe o que é pobreza e o povo principalmente nordestino retribui toda a atenção com apoio massacrante à candidatura Dilma Rousseff. Que também flerte como os milionários do mercado financeiro, como os antecessores, nada que surpreenda. Quem será capaz de romper com essa dinâmica econômica sem ser posto a pontapés escada do Palácio do Planalto abaixo?


Foram os tirombaços que atingiram em cheio o coração econômico e social do Grande ABC que me levaram a votar pela primeira vez em Lula da Silva naquele 2002. Nas eleições presidenciais seguintes, continuei a votar no petista.


Quando escrevi pela primeira vez que Fernando Henrique Cardoso foi mais insidioso à economia do Grande ABC que o sindicalismo liderado por Lula da Silva, a chiadeira foi total. É preciso entender a reação: os leitores da revista LivreMercado dos meus tempos eram em larga escala da classe média, a mesma classe média que não tolera bruscas oscilações econômicas e culturais.


Sabia os riscos que corria ao nadar contra a maré. Sabia que mexeria com o status quo, que aquela afirmativa poderia causar frisson, por isso me preocupei em, antes de emiti-la, fundamentá-la, separando os dois períodos, ou seja, o pós-sindicalismo e o pós-FHC.


O tempo seguinte provou que o ônus sindical apontado por todos os opositores do movimento liderado por Lula da Silva acabou minimizado nos oito anos do governo do presidente petista. Não fosse a política econômica de industrialização recorde de veículos, movida a financiamentos a perder de vista e a redução da carga tributária em momentos delicados como o pós-crise financeira internacional, o Grande ABC ainda debilitado e muito longe dos melhores tempos teria entrado num buraco sem fundo.


Seria angustiante demais para mim ter de queimar em praça pública e de atirar ao léu as láureas que legislativos de Santo André e de São Bernardo me conferiram e das quais me orgulho, mas o faria sem a menor sombra de dúvida e constrangimento.


Primeiro porque desagravaria uma população inteira consciente ou ignorante dos malefícios do governo de Fernando Henrique Cardoso nesse território de 840 quilômetros quadrados (não discuto aqui o restante do País, que é até uma outra história em vários pontos de vista).


Segundo porque tanto aquele canudo de papel como aquela medalha metálica de alguma forma me incomodam entre as pastas de arquivos que lotam o sótão de minha residência. Juro por todos os juros que jamais escrevi para reconhecimentos desse tipo, embora, deva confessar também, que um dia, durante uma discussão de rua com o empresário Sérgio De Nadai, beneficiei-me do título de cidadania ao lhe dar uma resposta que me surgiu naquele instante como golpe nocauteador.


Insinuou o empresário rei das marmitas, enriquecido pela política partidária que o introduziu nos escaninhos dos presídios cada vez mais lotados, que este jornalista não reuniria lastro para uma discussão, qualquer discussão, porque não nascera em Santo André. Mais que insinuar, ele jogava na minha cara de interiorano que veio de longe com a família num caminhão de mudança que eu não tinha certidão de nascimento da cidade da qual ele se sentia dono. Respondi com o canudo do título de Cidadão Andreense, conferido pelos vereadores. Portanto, seria andreense mais que ele, porque fui selecionado por representantes da sociedade, não obra do acaso.


É claro que tudo aquilo foi uma grande bobagem, até porque, confesso, não me sinto andreense coisa alguma. Me sinto de fato uma guararapense-araçatubense que se tornou regionalista do Grande ABC. Alguém que quando volta ao tempo e analisa os estragos de Fernando Henrique Cardoso na região, com 86 mil empregos industriais com carteira assinada destruídos em oito anos, não consegue sufocar a possibilidade de executar essa paranóia de canudos e medalhas inutilizados.


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