Depois de dois anos de beijinhos pra cá, beijinhos pra lá, com alguns intervalos para tapinhas sadomasoquistas que enamorados trocam de vez em quando para quebrar a rotina e estimular aproximação mais calorosa, eis que o Diário do Grande ABC e a Administração de Aidan Ravin parecem dobrar a esquina do desentendimento irreversível. Parece, parece, parece, porque nada é definitivo nas relações entre veículos de comunicação e gestores públicos quando o passado de lambeção estimula a possibilidade de reconciliação esfuziante.
Tudo sem o menor constrangimento, porque a sociedade consumidora de informação, principalmente neste Grande ABC anoréxico em senso crítico, negligencia as mensagens que parecem mais que óbvias ou enfia o pé no acelerador de interesses individuais e grupais para deixar pra lá qualquer resquício de cidadania e compromisso com o futuro.
O até recente relacionamento de paz e amor entre Diário do Grande ABC e a Administração de Aidan Ravin era a extensão do corolário de uma campanha eleitoral em que a publicação bandeou-se em direção ao petebista, num amplo acordo costurado com o governo do Estado. Também a Prefeitura de São Bernardo estava no pacote, mas os engenheiros da operação esqueceram de combinar com Lula da Silva.
Coincidentemente, também agora, por motivos não bem definidos e sem a suposta gravidade da gestão Aidan Ravin, o governador Geraldo Alckmin entrou na alça de mira do tiroteio do Diário do Grande ABC. Um caso intrigante para quem desconhece as articulações que envolvem o campo editorial.
Como pode um namoro que parece a salvo de qualquer ruptura, inclusive com desdobramentos no campo esportivo, com a Sabesp patrocinando o Ramalhão, ganhar decibéis bélicos?
Seria coincidência ou consequência o tremor de terra que o Diário do Grande ABC acredita provocar nas imediações do Paço Municipal e do Palácio dos Bandeirantes nestes tempos de multiplicidade de mídias em plataformas que vão muito além do impresso?
Também no caso do governo Geraldo Alckmin é melhor não apostar na longevidade da operação crítica, porque o jornalismo destes tempos, não só do Diário do Grande ABC na região, tem facilidade imensa para voltar ao passado quando o presente de inconveniências é superado.
Ou, dependendo das ordens da peça do tabuleiro de conjecturas, esquecer o passado e manter o presente, como é o caso da política de cobertura da Administração de Luiz Marinho, durante 18 meses duramente perseguida pelo Diário do Grande ABC e, há nove meses, em saudabilíssima proximidade mútua.
As duas pernas trôpegas mais visadas da gestão de Aidan Ravin, atingidas em cheio pelo Diário do Grande ABC, são a mobilidade veicular, por conta de obras num viaduto que liga a área central do Município à periferia de Utinga, e as deficiências estruturais do Estádio Bruno Daniel, inaugurado há 40 anos sem que, nesse período, qualquer iniciativa de manutenção das instalações fosse deflagrada.
Diferentemente do longo período de contestação da administração Luiz Marinho, quando acessórios foram traduzidos em manchetes viscerais, o Diário do Grande ABC está sendo muito mais competente na saraivada dirigida a Aidan Ravin. Principalmente porque não briga com a realidade dos fatos, embora, em outras condições, minimizasse ou descartasse reações semelhantes.
Em situação diversa da atual, que transparece desentendimentos extra-pauta, o Diário do Grande ABC teria suavizado o quadro, como suavizou até outro dia e não tratou com a mesma eloquência de manchetes persistentes a desativação das obras complementares do Rodoanel Sul em Mauá, por exemplo.
É muito complicado estabelecer juízo de valor sobre o que se tornou mais grave no sistema viário do Grande ABC, se um Rodoanel Sul afunilado e comprometedoramente paquidérmico na área central de Mauá, situação que durou quase um ano e ainda segue, só que agora com a expectativa de que a retomada das obras vai colocar tudo no devido lugar, ou o estrangulamento mais breve de acessibilidade numa Santo André dividida historicamente ao meio, com o Centro e SubDistrito de Utinga, e agora, mais doloridamente, no sistema viário.
O tratamento a enfermidades congêneres, como o afunilamento do Rodoanel Sul em Mauá e a interdição seguida de estreitamento de pista do Viaduto Antonio Adib Chammas, se deu em momentos política e temporalmente distintos, o que pode auxiliar na compreensão das diferenças de avaliação.
Sobre o Estádio Bruno Daniel, o equívoco da Administração Municipal foi acenar com soluções no atacado quando, até mesmo para comportar as medidas na bitola orçamentária, poderiam ser aplicadas com gradualismo. É importante definir prioridades de intervenção pública naquele espaço de entretenimento que, de uns anos para cá, tornou-se quase um mausoléu, por conta do descaso da sociedade local ao futebol da cidade, refinada obra de incompetência de gestão de marketing do Ramalhão, como o São Bernardo está a comprovar.
Se querem saber, não aposto um tostão furado no futuro de bem-querer ou mal-querer da Administração Aidan Ravin e o Diário do Grande ABC. O que sei é que a maioria da sociedade merece o que tem. Uma sociedade que só tem capital social neste espaço.