Política

Voto distrital misto pode alterar a
realidade social do Grande ABC?

DANIEL LIMA - 25/03/2011

Quem me fez a pergunta que catapultei ao título deste artigo foi um pesquisador que está preparando trabalho acadêmico sobre a regionalidade do Grande ABC. Dei-me conta agora de que não tenho o nome completo dele, depois de conversa de duas horas em meu escritório. Também não sei se poderia revelar a identidade do estudioso que fez questão de me procurar porque não quer correr o risco de contar apenas com informações adocicadas sobre a integração do Grande ABC. Afinal, o que não falta na praça é gente pronta para agradar e, com isso, beneficiar-se de alguma ou de muitas formas.


Espero dar conta de indagação que me fez, a única que, confesso, me pegou de calça curta. Quando ele quis saber de mudanças nos cromossomos sociais do Grande ABC após eventual aprovação do voto distrital misto, respondi com certo cuidado e pouca convicção, porque o assunto é complexo, mas ensaiei resposta positiva. Não me arrependo.


É claro que em princípio sou adepto da possibilidade de o voto distrital misto beneficiar o entranhamento de relações entre eleitorado e a classe política. Afinal, o sistema exige atuação fortemente voltada para o espaço regional de forma a preencher vagas previamente reservadas à representação legislativa.


Quanto à viabilidade do voto distrital despertar a comunidade regional para os problemas institucionais que nos afetam, creio que fui suficientemente reticente, embora positivista. Mas um positivismo reservadíssimo e distante da casa da sogra do triunfalismo frequentada por muitos.


Qualquer movimento que favoreça progresso nas relações de integração regional deve ser comemorado, mas nem de longe pode ser avaliado como porta-estandarte do paraíso.


Fui até esse ponto na resposta ao pesquisador, mas, agora cá com meus botões, matutando sobre a abrasiva questão, entendo que há ponderações a fazer.


A distritalização oficial de votos, uma das partes da laranja do conceito de voto distrital misto, implicará em algo que já existe informalmente em elevado grau há muito tempo no Grande ABC e em outros territórios urbanisticamente conurbados ou politicamente empacotados sob o mesmo prisma eleitoral.


A partir de 1994, com o lançamento da campanha “Vote no Grande ABC”, os políticos locais ganharam de presente uma ação de marketing institucional que se cristalizou no inconsciente do eleitorado mais escolarizado. Não há estatísticas que me deem retaguarda à interpretação, mas empiricamente é possível garantir que a enxurrada de votos em candidatos chamados forasteiros foi duramente golpeada nos redutos mais avessos ao populismo dos artilheiros temáticos, religiosos e midiáticos, entre outros.


O Grande ABC conta com número de eleitores — hoje são dois milhões — que, extraídos os votos brancos e nulos, além de abstenções, fornece massa crítica para candidatos projetarem potencialidades de retorno de investimentos. O que faltar, e sempre falta, vão buscar em outros endereços, em operações específicas.


O erro daquele movimento liderado pelo Fórum da Cidadania, e do qual participei com empenho, veio na sequência, de descaso no monitoramento individual e coletivo dos candidatos locais eleitos. A campanha foi algo extraordinário à valorização do voto regional, é verdade, mas pecou por não constar de planejamento estratégico do Fórum da Cidadania que vinculasse as atividades parlamentares em forma de compromisso público. Os vencedores deram batatas à representatividade do Fórum da Cidadania.


Tenho a impressão baseada em arcabouço de informações que com o voto distrital misto a prática política de caça aos eleitores será intensificada e focalizada de forma mais racional em custos e benefícios tanto para os candidatos estritamente regionais como àqueles de abrangência estadual.


A indagação base que se faz, com possíveis novos questionamentos, é se, no caso do Grande ABC, haverá reações fortes do eleitorado a ponto de caracterizar a distinção do voto distrital misto informal destes tempos e do voto distrital misto formal a ser eventualmente aprovado.


Até que ponto, tendo-se uma bancada regional formal, o eleitor do Grande ABC, também travestido de cidadão do Grande ABC, que por sua vez é consumidor do Grande ABC, vai agir e reagir diversamente do que se tem hoje, quando o voto distrital informal está aí?


Na medida em que escrevo saltam cenarizações sobre o avançar ou o regredir de uma regionalidade escassa, frágil, descaradamente manipulada ou consentida, quando não induzida ou imposta sob o peso de pressões e contra-pressões.


Será que o voto distrital misto não vai intensificar as relações incestuosas entre a classe política, as chamadas lideranças sociais, econômicas e culturais, e os meios de comunicação, fechando-se o cerco em torno de concorrentes beneficiários de condições econômicas privilegiadas e de composições partidárias movidas a troca de favores?


Teria o voto distrital misto efeito contrário ao pretendido, porque eternizaria os vencedores eleitorais e os tornariam, mais que vencedores, autênticos coronéis regionais, fechando-se todos os espaços à renovação? Aliás, como se tem hoje, convenhamos, porque mobilidade legislativa tanto na Assembléia Legislativa quanto na Câmara Federal é heresia. Basta ver se há gente nova nos respectivos pedaços.


Será que o voto distrital misto no que interessa ao Grande ABC, ou seja, o fortalecimento da representatividade regional, vai assegurar mais vagas do que tivemos em média nos últimos 20 anos pela distribuição proporcional de cadeiras no Legislativo? Mais que isso, até que ponto o voto distrital misto vai alterar as regras do jogo de decisões legislativas que, todos sabem, estão muito aquém da expectativa da sociedade. Ou seja: vamos mudar para continuar como está?


Leia mais matérias desta seção: Política

Total de 895 matérias | Página 1

19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)
14/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (23)
13/11/2024 O que farão Paulinho, Morando e Auricchio?
12/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (22)
05/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (21)
01/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (20)
30/10/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (19)
29/10/2024 CLUBE DOS PREFEITOS SOMA 35% DOS VOTOS
28/10/2024 MARCELO LIMA É O MAIOR VITORIOSO
25/10/2024 O que 63% do PIB Regional mudam no segundo turno?
23/10/2024 Oito combinações para apenas três vencedores
22/10/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (18)
21/10/2024 VITÓRIA-DERROTA? DERROTA-VITÓRIA?
18/10/2024 Mata-matas eleitorais viram carnificinas
16/10/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (17)
14/10/2024 PT DE SÃO BERNARDO: DERROTA PREVISÍVEL
11/10/2024 DERROTA DE MANENTE POR QUANTOS PONTOS?
10/10/2024 Marcelo-Morando deixa Alex Manente a nocaute
09/10/2024 PESQUISA: ERRO FEIO E ACERTO EM CHEIO