Leio nos jornais sempre fastfoodianos que a bancada do PT de Santo André despertou ímpeto oposicionista após longo e tenebroso inverno de omissão e de acomodação. Aprovaram os petistas e aliados circunstanciais as sete assinaturas necessárias ao encaminhamento do pedido de instalação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar a contratação de palhaços pela administração Aidan Ravin. O que pergunto é por que os petistas não se empenharam e não se empenham nem um pouco para enquadrar o Residencial Ventura, em Santo André, na moldura de trambicagem do mercado imobiliário?
Temem os vereadores da oposição e da situação em Santo André o poderoso Sérgio De Nadai, um dos protagonistas do escândalo?
Têm rabos presos com a Cyrela, que integra o consórcio de empresas que construiu a obra?
Sei que CPI na maioria dos casos é apenas artifício para atrair holofotes da mídia, sobretudo se a mídia tiver interesse em desgastar possíveis prevaricadores.
Sei que a CPI é geralmente encenação para transmitir aos eleitores a falsa ideia de que há oposicionismo em situações que chutam a moralidade pública a escanteio.
Sei de tudo isso e muito mais porque não nasci ontem e não pretendo morrer amanhã.
Mas mesmo assim, cá entre nós, se há algo que valeria de verdade estourar na praça em forma de medidas saneadoras seria o escândalo do Residencial Ventura, denunciado por este jornalista.
Os palhaços, com todo o respeito, são cafezinhos diante daqueles abusos.
É interessante ver nas páginas do Diário do Grande ABC o vereador petista Thiago Nogueira acusar a administração municipal no caso dos palhaços. Afirma o parlamentar que “a empresa é amiga, feita sob encomenda para não haver licitação”. Thiago está falando de uma engrenagem supostamente malandra à contratação da empresa Produz Eventos e Representações Artísticas. O valor de R$ 165 mil corresponderia à apresentação de palhaços em Centros Educacionais de Santo André.
O vereador petista denuncia que Daniel de Moraes Salvo, primo do secretário de Cultura, Edson Salvo de Mello, teria ligações com o dono da Produz Eventos. “O secretário de Cultura tem muito o que explicar” — disse Thiago Nogueira.
E o muito que têm a explicar os petistas de Santo André – e também os atuais situacionistas que, mesmo com a denúncia deste jornalista, formalizaram os termos de habite-se do Residencial Ventura — sobre o empreendimento liderado por Sérgio De Nadai, o Rei das Marmitas, e o conglomerado de empresas que tem na Cyrela o braço mais importante no mercado imobiliário?
Denunciei ao Ministério Público aquele escandaloso empreendimento, mas não tenho esperança que haverá penalidades aos infratores. A irregularidade-mãe é incontestável: o Residencial Ventura foi colocado à venda a incautos investidores e então futuros moradores quando um laudo técnico do Semasa, autarquia da Prefeitura de Santo André, apontava contaminação do solo. Os empreendedores simplesmente ignoraram a restrição, omitiram os problemas documentados e mandaram brasa na venda das unidades. Tudo diante da estupefação do então presidente do Semasa, Sebastião Nei Vaz, da administração do petista João Avamileno.
Se Sérgio De Nadai e o conglomerado liderado pela Cyrela fossem uma montadora de veículos, é possível que fabricariam e tentariam colocar no mercado modelos dotados de inovações fantásticas como falsos pedais de frenagem, que corresponderiam a desastres iminentes, ou pneus de plástico, que não resistiriam ao primeiro buraco.
Até prova em contrário, mas com base no processo que se desencadeia por conta de denúncia que formulei, o Ministério Público de Santo André tomou o caminho equivocado. Não se coloca em discussão como prioridade a efetiva reparação do solo do Residencial Ventura, porque também até prova em contrário não acredito na eficiência de laudos que venham a ser solicitados a organismos sem autonomia ou com baixa resolutividade técnica.
Nestas alturas do campeonato, nem mesmo os moradores do Residencial Ventura querem ver o circo da transparência pegar fogo. Eles pensam com o bolso. Já foram enganados, sabem que desconfianças à segurança de morar no local já caíram na boca dos investidores mais astutos, por isso querem mesmo se fingirem de mortos.
O crime — e é isso que deveria nortear as investigações do MP — foi cometido quando, mesmo com o laudo denunciador do Semasa, Sérgio De Nadai e um representante da Cyrela deixaram o gabinete do presidente da autarquia dando de ombros à advertência de que nada poderia ser levado adiante, ou seja, a festa de lançamento comercial da obra, sem que medidas recuperadoras fossem executadas. Na semana seguinte, com pompa e circunstância, o consórcio de empresas lançava comercialmente o Residencial Ventura ao público. Só quem tem costas largas e acredita piamente em blindagem demonstra tamanha desfaçatez.
O envolvimento do Partido dos Trabalhadores de Santo André é notório no caso do Residencial Ventura. O vereador Thiago Nogueira sabe disso. Os valores daquele investimento superam em milhares de vezes o caso dos palhaços, mas o tratamento é inversamente proporcional. Como entender o silêncio petista às denúncias deste jornalista senão a desconfiança de que as condições que se criaram para transformar uma área contaminada em grande investimento imobiliário foram excepcionalmente favoráveis aos omissos e aos predadores?