O vereador Edgar Nóbrega não sai por aí atacando a gestão do prefeito José Auricchio Júnior, em São Caetano. O petista que cumpre o segundo mandato recorre à semântica para tentar viabilizar corrida à Prefeitura da cidade que jamais elegeu um representante do Partido dos Trabalhadores ao comando do Executivo. Por isso mesmo, por entender que o terreno é inóspito a radicalismos, Edgard Nóbrega trata a questão com cuidados de zeladoria. Ele e seu grupo de apoiadores de primeira hora estão vasculhando cada bairro da cidade para conhecer as reivindicações da sociedade. Depois virá a tarefa de peneirar as demandas, sistematizá-las e extrair um plano de governo factível com a cultura local.
A insistência com que Edgar Nóbrega descarta o termo “oposição” e privilegia o contemporizador “opção” não é obra do acaso do vocabulário político. Em qualquer outro Município de um Grande ABC sempre carente nas áreas sociais a terminologia de quem quer chegar ao cargo de prefeito não tem qualquer parentesco com a suavidade programada pela oposição em São Caetano.
Em São Caetano é diferente mesmo. A cidade que está entre as primeiras em qualidade de vida no País conta com eleitorado conservador que raramente se deixa levar por circunstâncias econômicas e políticas. Pesa mesmo o contexto histórico de uma ocupação demográfica que sofreu muito pouco os efeitos da intensa e desconexa migração urbana e rural a partir de metade do século passado em direção às regiões metropolitanas.
A primeira e última vez que o PT ensaiou a tomada da Bastilha de São Caetano foi em 2004, quanto o então vereador Hamilton Lacerda concorreu ao Paço Municipal em oposição a José Auricchio Júnior, candidato do prefeito Luiz Tortorello. O PT vivia auge do prestígio. Dois anos antes, nas eleições presidenciais, Lula da Silva conseguiu a proeza de, no segundo turno, bater José Serra por 53% a 47% dos votos válidos em São Caetano. Uma façanha e tanto. Na esteira daquele resultado, dois anos depois, Hamilton Lacerda alcançou 34% dos votos validos à Prefeitura Chegou a ameaçar a vitória de Auricchio.
Aí veio o chamado mensalão, em 2005. O PT perdeu a base eleitoral da classe média cultivada durante o período de oposição e deu uma reviravolta estratégica ao buscar aliados em partidos à direita, principalmente o PMDB, para impedir o esfacelamento do governo Lula da Silva. Sem contar que mergulhou de vez em políticas públicas compensatórias às classes mais desfavorecidas que o PSDB não conseguiu explorar na plenitude das necessidades de exclusão social nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.
São Caetano exprime como os mais tradicionais bairros paulistanos a rejeição de uma maioria da classe média tradicional aos petistas. Em 2006, Lula outra vez candidato presidencial, perdeu feio nesse território de 15 quilômetros quadrados e perto de 100 mil eleitores. O placar de 65% a 35% no segundo turno não deixava dúvidas quanto ao fosso que se aprofundaria nos territórios mais escolarizados e economicamente sensíveis ao peso do Estado no orçamento familiar e empresarial.
No ano passado, de novo a disputa presidencial mostrou que São Caetano consolidava de vez uma fortaleza antipetista que os alquimistas do partido ainda não desistiram de conquistar: Dilma Rousseff, apoiada ostensivamente por Lula da Silva, perdeu feio para José Serra, agora por 69% a 31%.
O que poderia fazer Edgar Nóbrega ante essas surras históricas? Que não tentem desclassificar os números presidenciais, os quais não teriam intimidade como a realidade eleitoral municipal, porque São Caetano é diferente. O que vale no ambiente político e econômico para o Estado de São Paulo e para as urnas nacionais tem peso preponderante também domesticamente. Principalmente quando a administração local se alinha ao quadro estadual e se opõe ao nacional.
Os estragos no eleitorado propenso a votar no PT em São Caetano não foram consequências apenas do quadro extraterritorial. Um escândalo envolvendo o mesmo Hamilton Lacerda, colhido num hotel em São Paulo com uma mala de dinheiro que supostamente financiaria a compra de um dossiê contra o então candidato ao governo do Estado José Serra, em 2006, liquidou com a principal reserva de votos do partido no Município. Hamilton Lacerda tenta até hoje reerguer-se politicamente.
A reeleição de Edgar Nóbrega, único petista do Legislativo de São Caetano, mostrou que o partido não estava exterminado em São Caetano. Mas daí a acreditar que possa atrapalhar os planos situacionistas vai grande diferença.
O PT que deve mesmo patrocinar a candidatura do vereador possivelmente reingressará nos eixos ideológicos, porque em 2008 apelou para o oportunismo da grife Tortorello ao lançar o irmão do falecido ex-prefeito Luiz Tortorello, Jaime, para medir forças com um José Auricchio concorrente à reeleição. A sova foi estonteante. Auricchio obteve quase 80% dos votos válidos.
Edgar Nóbrega lembra que sua possível candidatura saiu fortalecida do último encontro regional dos petistas. Garantiram que não lhe faltará apoio. Que não vão deixá-lo a ver navios. Que haverá esforços concentrados para quebrar de vez o histórico de grupos assemelhados no Executivo. Um discurso otimista que terá como argamassa menos ideologia e mais pragmatismo.
O PT de São Caetano vai tentar levar para o eleitorado algo como a política do “pode ser?” das campanhas publicitárias da Pepsi Cola. O problema é que depois do mensalão e de Hamilton Lacerda, aparentemente não existe “pode ser?” em São Caetano.
É por isso que Edgar Nóbrega fala tanta em opção. O PT de São Caetano sabe que precisa ganhar viabilidade para concorrer com alguma possibilidade de sucesso. Quer chegar ao “pode ser?” para, em seguida, entrar em campo para valer.