Bom dia, sr. Globe. Hoje está um bom dia para prosear. Proponho que façamos um laboratório. Como fazem atores de teatro ao investigar a personalidade de seus personagens; músicos ao dissecar o silêncio em novas harmonias; artistas plásticos ao juntar cores, formas e signos a novos conteúdos de imagens; ou cientistas ao experimentar reações da química e das forças da natureza. Enquanto divago e escrevo, o senhor responde com sua consciência. Escreva tudo o que lhe vier à cabeça e depois me envie por e-mail. Por mais que esta correspondência soe uníssona porque sou eu que escrevo — e a palavra é o bem maior desta prosa –, discorde, proponha, reinvente. Não aceite o que irei dizer. Desconfie. Ninguém é perfeito, tampouco dono da verdade. Preciso das suas idéias tanto quanto o senhor das minhas. Somos mamíferos e mamamos uns nos outros, não é mesmo?
Vamos prosear então sobre o Grande ABC, região que conhecemos bem porque é onde nascemos e crescemos. Janelas da minha memória transbordam imagens de fábricas, chaminés, caminhões, operários. Também há sons que ilustram a paisagem: apitos de fábricas e trens, buzinas de automóveis, marteladas no ferro e na madeira e ranger de dentes de máquinas. Lembro de cores como o cinza do céu de fumaça, o preto da lataria dos automóveis antigos e o azul dos macacões dos operários. E sinto (como se fosse hoje) o cheiro forte e quase irrespirável de óleos e gases, sem falar no esgoto das valas abertas nos quintais e ruas dos bairros suburbanos.
Na minha infância, sr. Globe, todo mundo tinha em casa um galão de gasolina para limpar a graxa dos macacões. Utilizava-se o combustível também para lavar mãos, braços e pernas encardidos de óleos e todos os tipos de fuligens e resinas plásticas. Imagine, sr. Globe, que o Grande ABC tinha zona rural. Plantava-se frutas, hortaliças e legumes em pequenas chácaras, onde se criavam porcos e galinhas. Eu e meus amigos brincávamos de saltar e mergulhar nos sacos de rações para porcos e galinhas estocados no depósito da Casa da Lavoura de Santo André.
Lugarejo que se foi
O Grande ABC era um grande lugarejo, lembra sr. Globe? Havia festa. O circo desfilava leões, palhaços e trapezistas nas ruas centrais para anunciar sua chegada à cidade. Havia paixão. Garotos e garotas faziam footing nas praças, amassavam-se nas matinês dos cinemas e faziam sexo escondidos atrás dos muros das fábricas. Havia trabalho e migração. Levas de nordestinos expulsos pela seca e lavradores do Interior de São Paulo, Minas Gerais e Paraná chegavam diariamente para ocupar postos nas fábricas que se multiplicavam. Até tristeza havia. Carros funerários rodavam lentos pelas ruas, a caminho do cemitério, e os familiares iam atrás, condoídos, a pé. Quarenta anos atrás as pessoas guiavam seus horários pelos sinos das igrejas, apitos das fábricas ou simplesmente pela posição do sol. Nos anos 60 muita gente se muniu de binóculos para ver a nave que conduzia o russo Yuri Gagarin na primeira odisséia do homem pelo espaço. Yuri cruzou o céu da província no início do entardecer. Lembro que passei a tarde inteira sondando o céu. Acho que também vi a nave de Gagarin. Há coisas que só enxergamos com o coração.
Mas não é sobre o passado que pretendo prosear, sr. Globe. Os fatos corriqueiros que acabo de expor nos servem apenas para aceitar o efêmero. Em alguns momentos queremos que a vida seja lenta — e a vida passa veloz. Em outros, queremos que tudo passe rápido, mas a lentidão freia o ímpeto. Tudo o que eu possa dizer sobre o que já se sabe do Grande ABC repousa no passado, num cemitério de fábricas. É óbvio que aprendemos grandes lições. Sabemos hoje porque muitas coisas não deram certo e a consciência sussurra em nossos ouvidos que é idiotice insistir em fracassos.
Preparando o futuro
Mas o que vale de fato, de concreto, é o que podemos fazer de hoje para amanhã e depois, depois e depois de amanhã. Temos, portanto, de nos valer da intuição, libertar a mente, perder o medo e correr riscos. Em nenhuma outra época da história a humanidade esteve tão entranhada num imenso laboratório. Escancare a janela da sua casa, sr. Globe, e olhe bem para tudo lá fora. Observe a rua, as casas em frente, os automóveis em movimento, as lâmpadas nos postes, os sinais de trânsito, o tipo de pavimento. Repare nas pessoas, como elas andam, se vestem e se comportam nas situações mais cotidianas. Esse cenário vai mudar velozmente sem que o senhor perceba claramente as nuances da transformação. O mundo está irrefreável, sr. Globe. Cada vez menos percebemos os detalhes das coisas.
Lamento afirmar com frieza que passado é passado, sr. Globe. As oportunidades que nos foram dadas e que deixamos de concretizar estão irremediavelmente perdidas. O pensador indiano Krishnamurti dizia que a sensação de um prazer nunca se repete com a intensidade como a sentimos originalmente. Tenho absoluta convicção, hoje, de que o Grande ABC perdeu, entre os anos 70 e 80, a grande oportunidade de ter construído uma universidade para gerar e suprir seu espírito de cidadania, cultura, criatividade e diversidade.
Políticos míopes e sociedade desorganizada optaram por viver aqueles anos de opulência industrial contando lucros fáceis de aplicações financeiras feitas da noite para o dia, estimuladas pela inflação alta (lembra do overnight?) e interessadas exclusivamente em engordar o patrimônio. Só as cidades que construíram universidades de ponta sabem do valor do espírito do conhecimento que se dissemina em seus arredores, das livrarias aos botecos, das empresas de construção civil às prestadoras de serviços de vigilância patrimonial.
Endereços efervescentes
Cidades como Campinas, São José dos Campos e São Carlos têm esse espírito que desenvolve novas vocações e tecnologias. Respiram conhecimento e atraem inteligências. A equação é elementar, sr. Globe: quanto mais um homem observa, investiga e apreende o mundo que o cerca, mais evolui como ser, melhor interpreta a própria existência e muito mais tem a oferecer aos semelhantes.
Até suponho qual seria sua resposta para esta minha divagação, caro sr. Globe, se o senhor estivesse agora frente a frente comigo. É bem provável que me lembrasse que nunca será tarde para o Grande ABC construir sua universidade e recuperar, pelo menos em parte, o tempo perdido. Dez ou sete anos atrás seria uma resposta coerente e precisa, sr. Globe. Hoje não tem consistência. A universidade do futuro próximo será virtual, com aulas transmitidas pela rede global de computadores.
O filho do meu filho fará curso de MBA nos Estados Unidos, Engenharia na Alemanha ou Informática na Índia — ou os três ao mesmo tempo — sem precisar tirar o pé do Brasil. Não sei se os campi das universidades, com seus prédios, institutos e laboratórios, se manterão como são hoje. Mas isso é apenas detalhe. Fato relevante é que o industrial Grande ABC não desenvolveu vocação para formar cientistas e pesquisadores, apesar de ainda abrigar alguns poucos centros de desenvolvimento de produtos. É por isso que empresas que precisavam desse tipo de mão-de-obra em maior escala debandaram. O que de fato interessa às companhias que ficaram por aqui, e que pretendem permanecer, é poder dispor de tecnólogos capacitados, que é o que os cursos superiores da região oferecem.
Como serão as automotivas?
Diga-me, sr. Globe, que cenário o senhor imagina para o Grande ABC no futuro? Como será a indústria automobilística daqui 10 ou 20 anos? O Pólo Petroquímico de Capuava sobreviverá (o Brasil é o único País do mundo onde as refinarias ficam distantes dos poços de petróleo)? Pois é sr. Globe, não temos certeza de nada. A intuição me diz que em 10, 20 ou 30 anos o Grande ABC não se chamará mais Grande ABC. A divisão territorial que hoje separa as sete cidades deixará de fazer sentido quando o conceito de cidadania estiver plenamente disseminado.
Não será fácil explicar para um cidadão esclarecido porque um riozinho separa Santo André de São Bernardo se tudo o mais ao redor é uma coisa só e as pessoas circulam de um lado para outro para trabalhar, fazer compras, namorar ou simplesmente andar sem lenço nem documento. Também não será fácil explicar porque São Caetano, cidade tão rica, tão cheia de semáforos e jardins, convive num mesmo território de afinidades com a pobre e excluída Rio Grande da Serra. As fronteiras cada vez mais deixam de fazer sentido neste tempo veloz, sr. Globe.
O correio eletrônico que lhe remete esta correspondência é uma invenção recente — e revolucionária. Ainda estamos na Idade da Pedra da Internet e podemos nos comunicar em tempo real com pessoas e instituições em qualquer parte do mundo. Imagine, sr. Globe, quando essa forma de comunicação se consolidar na relação do munícipe com a Prefeitura (se é que prefeituras irão existir ainda por muito tempo como centro de poder e administração de uma determinada região).
Prefeitos encurralados
Que poder terão os prefeitos quando tiverem de submeter seus atos, projetos e decretos a plebiscitos eletrônicos permanentes? Qual será o papel dos legisladores nesse cenário? Os políticos vão ter muito trabalho para satisfazer as expectativas de seus eleitores, sr. Globe. Vai acabar essa enganação de prefeito e vereador afirmar que fizeram ou propuseram isso ou aquilo porque estão atendendo às reivindicações das bases (cujo modelo atual é de uma massa disforme e sem rosto).
Também vão acabar as promessas descabidas de obras e serviços porque os eleitores terão acesso às contas dos poderes públicos e terão a noção exata do que é possível realizar ou não. Políticos irão se transformar em prestadores de serviços — e terão de prestá-los muito bem! É por isso que novos tempos nos aguardam, sr. Globe. Sabemos de antemão que a rede invadirá nossa privacidade e seremos vigiados permanentemente por câmeras e sensores… mas esse assunto fica para outra oportunidade.
Observe os automóveis nas ruas, sr. Globe. Em poucos anos serão movidos a hidrogênio, combustível que não polui a atmosfera. Terão computadores de bordo com sensores especiais que dispensarão a perícia do condutor. Será possível introduzir no computador de bordo o mapa do trajeto que se pretende fazer e deixar que o piloto automático realize plenamente a condução enquanto o motorista lê um livro ou se diverte com um game.
Tecnologia nas ruas
Ruas e rodovias terão sensores para controlar velocidade e desviar automóveis de obstáculos ou simplesmente indicar que o local de chegada está próximo. Todos os veículos estarão plugados à rede mundial de computadores e será possível trabalhar em seu interior, fazer reservas em hotéis, comprar passagens de aviões ou acionar comandos de aparelhos domésticos enquanto rodam.
Mas isso talvez seja apenas um luxo, porque as pessoas trabalharão em suas próprias casas, em workstations plugadas a empresas. É mais previsível, sr. Globe, que as pessoas venham a se locomover muito pouco dentro das cidades onde residem. As casas definitivamente deixarão de ser apenas moradias para agregar ambientes de trabalho e lazer. Além de workstations, teremos salas de ginástica, salas com ambientes virtuais diversos e hometheaters plugados na rede.
O futuro vai trancar as pessoas em suas casas, sr. Globe. Grandes redes de hipermercados não vêem a hora de a rede de computadores emplacar definitivamente. Imagine o quanto irão economizar em mão-de-obra, estocagem e logística quando não precisarem mais receber o público em suas instalações. Ao consumidor bastará fazer a encomenda dos produtos e efetuar o pagamento pela web para receber a compra em casa.
Compras pela Internet
O sistema de compras pela Internet será tão sofisticado que o cidadão poderá encomendar roupas sob medida. Precisará apenas escanear uma foto e enviar via correio eletrônico para o alfaiate. O costureiro, graças a programas especiais que realizarão medições na foto e fornecerão resultados em escala natural, fará a roupa sob medida, na cor desejada e com todos os acessórios pedidos. O único risco que o alfaiate estará correndo nesse negócio será eventual substituição de sua mão-de-obra por robô.
O senhor já pensou o que será dos cinemas sr. Globe? Quem irá querer se locomover até uma sala de exibições quando a rede iniciar a transmissão de estréias mundiais e filmes atuais via satélite cobrando menos que o ingresso do cinema? Os sistemas de TV a cabo já fazem isso de forma incipiente. Mas o futuro nos reserva muito mais nesse campo, inclusive em termos de novos conceitos de arte e diversão. Assistiremos a filmes criados integralmente em computadores. Imagine uma nova versão de …E o Vento Levou estrelada por atores como Mary Pickford e Robert De Niro, que viveram em épocas diferentes.
O mesmo meio eletrônico nos permitirá produzir música inédita com artistas mortos. Que tal uma sessão de Louis Armstrong cantando e solando no trompete Águas de Março, de Tom Jobim, música que ele nunca interpretou em vida? Muitos julgarão que procedimentos como esses irão banalizar a arte. Mas só os conservadores pensarão assim, porque as transformações vão incorporar novos conceitos de cultura e comportamento.
Dos livros à medicina
Escritores e frequentadores de livrarias garantem que livros irão existir para sempre e que a leitura no papel será indispensável por toda eternidade. Isso é verdade, sr. Globe, verdade para eles que só vivem no mundo do papel…
Também teremos grandes avanços na Medicina, assunto que nos interessa muito, não é sr. Globe? Em poucos anos será anunciada a cura da Aids, mas não devemos fazer festa, pois certamente outras moléstias mais graves e complicadas virão. Bebês serão submetidos a intervenções cirúrgicas de altíssima precisão ainda na barriga das mães, para que nasçam sem defeitos físicos ou livres de doenças que poderiam contrair no futuro. Pais e mães utilizarão recursos da biogenética para determinar cor de olhos e cabelos dos filhos, bem como características da personalidade e até vocações profissionais (mas isso é arbitrário demais, não é mesmo?).
Cirurgias neurológicas que exigem precisão máxima e mãos habilíssimas serão conduzidas por robôs, com assistência de médicos. Equipes médicas dos Estados Unidos orientarão intervenções cirúrgicas feitas por robôs em pacientes do Afeganistão sem precisar se deslocar. Haverá comprimidos para controlar emoções desenfreadas, como uma paixão doentia, ou então suprir apetites sexuais de homens e mulheres compulsivos.
Não pense, sr. Globe, que ao divagar sobre tantas generalidades futurísticas eu esteja me afastando do nosso assunto, que é o Grande ABC. Mesmo que mude de nome e deixe de ter as fronteiras que conhecemos hoje, a região onde nascemos e crescemos fará parte desse futuro. É para esse tempo incerto que, intencionalmente ou não, um contingente significativo de pessoas que vive aqui está se preparando.
Perdas pessoais
Repare nos trabalhadores, cada vez mais escolarizados. Eles sabem, ou intuem, que o futuro nas linhas de produção será para poucos e, por isso mesmo, um ambiente extremamente competitivo. De minha parte, fico apreensivo ao imaginar que perderemos muito de nós mesmos. A competitividade nos tornará mais individualistas, frios e calculistas do que já somos. Mas essa é reação humana de quem, como nós, se deu por gente nos tempos da contracultura, da geração hippie do Paz e Amor! Entendo perfeitamente esse limite em meu campo de observação, por isso não considero conveniente qualquer tipo de julgamento. O comportamento — já aprendemos com o passado — muda e se adapta a novas situações, o que inclui futuro plugado em rede.
Objetivamente, não tenho a menor idéia de como será o Grande ABC dentro de 10, 20 ou 30 anos. Nem as forças econômicas, nem a sociedade, nem os poderes atuais constituídos têm essa resposta. Creio que nem o senhor saiba me dizer, caro sr. Globe.
Minha intuição diz que algumas grandes indústrias permanecerão por aqui e outras irão embora. Mas isso também vai acontecer com as pessoas. Teremos fluxos migratórios no mundo inteiro à medida que forem se ajustando os novos eixos econômicos. Uns daqui irão para lá, enquanto outros de lá virão para cá. O Grande ABC fará parte desse rearranjo global. Não haverá mais sentido de província, de vida pequena que acaba antes da dobra da primeira esquina.
Língua em risco
Nossa língua portuguesa… será que resistirá? Faça uma visita às fábricas hoje, sr. Globe, e perceba que os trabalhadores, que chamávamos de peões em passado recente, agora falam inglês, alemão, francês e espanhol para entender as novas tecnologias. A tecnologia da informação faz com que uma fábrica do Grande ABC esteja hoje permanentemente plugada à matriz nos Estados Unidos, Alemanha, França ou Espanha. A distância física é um componente insignificante na relação da matriz das corporações com suas filiais. O comando da operação de uma grande corporação brasileira pode muito bem ser centralizado em uma ilhota perdida no Oceano Pacífico.
O que prevalece hoje nas grandes companhias é visão estratégica, seja porque determinada região constitui mercado atraente, com índice elevado de qualidade de vida, seja porque ofereça logística favorável para consolidar-se como plataforma de produção e/ou exportação. Neste caso, sr. Globe, o Grande ABC precisa mais do que nunca compor políticas e práticas com regiões vizinhas, para compartilhar ações que favoreçam ambientes econômico, cultural e social saudáveis.
Até 2005 deverá estar operando o Rodoanel que interligará 10 rodovias estaduais e federais do Estado ao redor da Região Metropolitana de São Paulo, a maior do País e maior mercado da América Latina — no qual se inclui o Grande ABC. Algumas indústrias e centros de distribuição já estão se reposicionando para obter mais benefícios do Rodoanel. Para o Grande ABC é conveniente aproximação maior com a Baixada Santista, para otimização do Porto de Santos. Precisamos urgentemente de grande avanço nas relações inter-regionais e a sociedade deve se organizar para cobrar realizações dos políticos.
O Grande ABC precisa do Porto de Santos ativo e ágil para consolidar e conquistar novos investimentos. A Baixada Santista precisa do Grande ABC economicamente ativo para garantir melhorias de acesso ao Porto de Santos e consolidar seu terminal marítimo como o principal da América Latina também em movimentação de cargas de maior valor agregado.
Sociedade organizada
Como afirmamos no parágrafo acima, a sociedade deve se organizar para cobrar ações dos políticos, e este é o ponto final e nevrálgico de nossa prosa, caro sr. Globe. De que sociedade estamos falando? Ou melhor: em que sociedade estamos pensando? Ou ainda mais apropriadamente: no que pensa essa sociedade quando se depara com o futuro?
Abra mais uma vez a janela de sua casa e olhe bem para a rua, sr. Globe. Dá para perceber nas roupas puídas, olhares desconsolados e falta de dentes de milhares e milhares de pessoas que há uma grande ferida aberta em nossa sociedade. Quantos são os excluídos do Grande ABC? O que eles fazem ou pensam a respeito do futuro de suas vidas? As ações de solidariedade, que agora viraram moda, serão suficientes para salvar toda essa gente? Os incluídos querem integrar essas pessoas às suas vidas ou o futuro será sombrio para os pobres? Não tenho respostas, sr. Globe, mas sei que é preciso agir rápido para acabar com o fosso que separa duas sociedades que vivem num mesmo chão. Somos ou não somos mamíferos que mamam uns nos outros?
Os números da ONU (Organização das Nações Unidas) são estarrecedores. Um terço dos seis bilhões de habitantes do planeta vive hoje com menos de um dólar por dia, o que indica miséria extrema. Dois terços dos habitantes da Terra são pobres e é uma minoria, na verdade uma casta, que detém de fato o poder econômico.
Futuro de violências
Minha intuição deduz que se os incluídos não oferecerem logo um espaço digno para os excluídos em sua sociedade, estes continuarão se apoiando em confrontos violentos (crimes, sequestros, invasões de propriedades) para obter pela força — desorganizada — o que não conseguem pela via da oportunidade, que deveria ser igual para todos — cidadã e organizada.
O principal agravante disso tudo é que quanto mais afundam na violência, mais os excluídos perdem contato com normas e padrões de comportamento daquilo que chamamos mundo civilizado. Esse caldo de cultura é que ameaça o futuro, sr. Globe. Pense na criança que nasce hoje num ambiente de miséria, fome, criminalidade e desemprego. Que perspectiva tem para o futuro? O senhor acredita que ela enxergará seus semelhantes com benevolência?
Vivemos num tempo incrível, sr. Globe. Participamos das transformações comportamentais-ideológicas-contraculturais dos agitados anos 60, comemoramos a descida do homem na Lua, vimos ruir o socialismo e o Muro de Berlim, ajudamos o Brasil a banir do Palácio do Planalto um presidente corrupto e estamos agora no epicentro de uma revolução econômica e tecnológica que se chama globalização.
A cada dia a ciência nos surpreende com nova conquista. Poluímos o mundo, é verdade, mas nunca antes dispomos de tantas informações e recursos para torná-lo limpo e habitável. Temos tudo para dar certo e viver um futuro de prosperidade. Só nos falta enxergar o homem como centro do universo. Mãos à obra, sr. Globe.
Total de 29 matérias | Página 1
27/07/2001 Aparelho cultural está desatualizado