Entrevista Especial

Fórum da Cidadania
na hora da verdade

DANIEL LIMA - 05/12/1998

Não se mexe em time que está ganhando? Bobagem. Essa que é uma das máximas mais equivocadas do futebol também não serve para o Fórum da Cidadania do Grande ABC, invenção democrática da comunidade regional que caminha para o quinto aniversário e, como não poderia deixar de ser, contabiliza alguns tropeços entre muitas goleadas. Nesta entrevista com o coordenador-geral, o arquiteto Sílvio Pina, vários pontos decisivos para os próximos passos — ou gols? — da entidade foram ineditamente abordados. Tanto que o dirigente decidiu concordar com a proposta: o Fórum precisa de espécie de workshop, num sábado em que todos os representantes das 110 entidades agregadas tenham disponibilidade de tempo e entusiasmo, para debater passado, presente e futuro. Isso mesmo, passado, presente e futuro, porque não se pode descartar uma história breve mas recheada de lições e muito menos ignorar o que está na linha do horizonte de uma região que, como se sabe, vive entre a cruz da desindustrialização e a espada da falta de aplicação prática de novas vocações econômicas para estancar de vez as perdas socioeconômicas acumuladas.


Sílvio Pina recebeu por meio de e-mail as perguntas-chaves desta entrevista. A gravação foi pessoal, no amplo escritório de arquitetura em Santo André. Ali Sílvio Pina consegue não só conviver com pranchetas e esquadros eletrônicos de uma atividade que lhe consome as horas que sobram de seu quase messiânico engajamento no Fórum, como ainda encontra tempo para dedicar-se a uma quase matilha de Weimaraner, que vivem soltos na imensidão de um quintal normalmente só encontrado em regiões menos nobres.


Foi justamente nesse universo contraditório, onde as formas futuristas que brotam dos microcomputadores dos profissionais de arquitetura sob seu comando se contrapõem ao ambiente quase campestre simbolizado pelos cães de uma raça dócil e fiel, que Sílvio Pina respondeu à bateria de perguntas previamente encaminhada. Como se perceberá, o roteiro foi quebrado em alguns momentos, dando vez a um bate-bola saudável. A hospitalidade do anfitrião talvez não tenha tido correspondentes bons modos do visitante. Pina estava alertado sobre isso. A reportagem não seria água com açúcar, como os leitores podem acompanhar.


O Fórum da Cidadania detonou série de reações institucionais no Grande ABC cuja importância histórica será perpetuada, casos do renascimento do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e do surgimento da Câmara Regional. Essas mudanças se deram, entre outras razões, porque uma espécie de ciumeira positiva acabou atingindo segmentos políticos até então amorfos. Não parece que depois de tudo isso o Fórum da Cidadania perdeu o foco? Pulverizou demais as ações?


Sílvio Pina – Não acho que o Fórum perdeu o foco. O problema é que a gestão da entidade em relação há quatro anos é diferente. Temos, por exemplo, um Poder Público mais atuante que antes. Os prefeitos que saíram não tinham atuação sincronizada com a sociedade. Diferentemente de agora. E o Fórum é o responsável por isso, porque assim que surgiu detonou a reativação do Consórcio de Prefeitos. Aliás, a primeira carta pública do Fórum contestava veementemente o desempenho do Consórcio de Prefeitos, que era absolutamente nulo.


O que temos também é o fato de que o Fórum reúne visão diferente sobre desenvolvimento econômico e social em relação aos poderes públicos. Os administradores públicos pensam nos quatro anos de mandato, o que é natural. Entendemos que a melhor maneira de medir a qualidade de cada gestão não é por meio de números de investimentos materiais em viadutos, ruas e avenidas. Acho que a qualidade de vida está acima disso tudo. Os indicadores do Fórum são diferentes dos convencionais. O tempo de mudanças também. Não estamos apenas preocupados em ter empresas, mas também em contar com território em que se possa viver com qualidade. Não é porque necessariamente um Município caiu nas estatísticas de arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que esteja perdendo qualidade de vida. Às vezes se dá justamente o contrário. Depende dos critérios que se elegeram para atrair novos investimentos, com mais ou menos valores agregados. Temos de gerar investimentos que não sejam predatórios.


Uma empresa que venha para a região e que gere 200 empregos de salário mínimo não nos interessa, porque vai representar muitas dores de cabeça. Essas 200 famílias vão engrossar as favelas, vão gerar demandas por serviços públicos adicionais de água, esgoto, energia e creche, entre outros. Empresa desse tipo deveria ser desestimulada a vir. Preferimos que venham empresas que acrescentem tecnologia.


O problema é que não estamos atraindo nem uma nem outra.


Sílvio Pina – Não é bem assim. A gente faz um carnaval quando uma empresa vai embora, mas não faz festa quando chega. Mas, voltando ao dia-a-dia do Fórum, veja bem no que estamos envolvidos. Discutimos muito nesta semana a Cidade Pirelli. Estamos debatendo a renovação da frota de veículos para dinamizar a economia regional muito dependente da produção automotiva. Também estamos discutindo a revitalização da Vila de Paranapiacaba. Debatemos turismo, o Plano Emergência da Represa Billings. Aliás, não entendo por que a região não dá mais importância a esse tema, já que mais da metade do nosso território está subordinado à legislação e temos nessa área uma das alternativas de desenvolvimento econômico com a indústria do entretenimento.


O caráter voluntarista da direção do Fórum, que contraria a tendência de profissionalização das entidades não-governamentais, inclusive como é o caso da recém-criada Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, não continua a ser sério empecilho para a estruturação da entidade, extremamente carente de recursos financeiros e de planejamento estratégico?


Sílvio Pina – O Fórum tem de ser voluntarista, como qualquer entidade. Aliás, as entidades que compõem o Fórum têm mais ou menos o mesmo perfil. Mas também penso, desde a origem do Fórum, que é preciso profissionalizar. O Fórum precisa de recursos para contratar pessoas e fazer embasamentos ainda mais técnicos do que os atuais, além de proceder a levantamentos de dados estatísticos. Já estamos conseguindo reunir série de dados porque especialistas que trabalham em organismos públicos nos procuram para nos abastecer de informações. Temos parceria com a USP (Universidade de São Paulo) em fase final de acerto justamente relacionada a um banco de dados que possa dar mais consistência às informações.


O consenso que marca a atuação do Fórum tem o lado positivo da integração, da unidade de propósitos, do trabalho voltado para questões que não envolvam embates, mas também não serviria para a acomodação, para a fuga de responsabilidades?


Sílvio Pina – O consenso é uma das principais razões do Fórum. Nosso argumento é nosso maior ativo, e o consenso é a argamassa do processo. Quando se chega a consenso sobre determinado assunto e que tenha passado pelo crivo de 110 entidades, passa-se a ter força política muito grande. É verdade também que a tranquilidade que o consenso transmite leva algumas pessoas a não participar da plenária. Muitas dessas pessoas, que ajudaram a fundar e a pensar o Fórum, não têm participado das plenárias porque entendem que o ritmo das operações está garantido, mas é fundamental que participem mais.


Os dois candidatos extra-oficiais do Fórum da Cidadania do Grande ABC, Marcos Gonçalves e Fausto Cestari, concorreram às eleições para deputado federal e deputado estadual. Tiveram menos votos na região que um candidato evangélico que se elegeu. Esse não é um extrato substancioso sobre a falta de capilaridade do Fórum? Aliás, pesquisa que realizamos antes das eleições com estudantes do Grande ABC revelou a ausência de massificação do Fórum da Cidadania. O que fazer para mudar a situação?


Sílvio Pina – Primeiro, não existem candidatos extra-oficiais. Aliás, o comportamento de ambos foi extremamente ético. Jamais nos procuraram para solicitar qualquer tipo de interferência eleitoral. A eleição de um pastor evangélico é resultado de estratégica corporativa que também prevalece em outros segmentos sociais e econômicos. Talvez a gente precise criar uma espécie de Igreja da Cidadania dos Últimos Dias para eleger um candidato…


A questão não está em eleger, mas como o Fórum ter maior representatividade junto a camadas mais populares.


Sílvio Pina – O Marcos Gonçalves teve 25 mil votos no Estado, o Fausto Cestari 12 mil. Acho que foi uma boa votação. Veja só: tivemos candidatos que já foram prefeitos, já dispuseram de máquinas administrativas para construir suas identidades e totalizaram praticamente a mesma quantidade de votos do Marcos e do Cestari.


Não nos parece uma correlação muito interessante, porque você compara um produto novo, de credibilidade, com produtos antiquados, desgastados.


Sílvio Pina – É uma ótima comparação, porque estamos falando do novo e do velho.


A comparação é ótima, mas o resultado não, porque a impressão que transmite é a de que o eleitorado não sabe distinguir o que é bom do que é ruim.


Sílvio Pina – Estamos vendo que está havendo mudança do perfil do eleitor, porque o Marcos e o Cestari não dispuseram de muitos recursos e nem de muito tempo para as campanhas.


Então você acha que eles foram bem votados?


Sílvio Pina – Sim, acho que foram bem votados.


Então você contraria a eles próprios, que entendem terem sido mal votados.


Sílvio Pina – É lógico que ninguém gosta da votação que recebe se não foi eleito. Todo mundo acha que é pouco. Quanto à massificação do Fórum, os resultados dependem dos locais onde são feitas as pesquisas. Na Metodista, por exemplo, o Fórum é muito conhecido. Bem como em outros colégios, onde já fizemos palestras. Temos uma demanda muito forte de Municípios fora do Grande ABC que querem seguir os passos do Fórum da Cidadania, criando entidades semelhantes.


Quer dizer então que o Fórum virou produto de exportação, mas de massificação interna aquém das necessidades?


Sílvio Pina – É sim um produto de exportação, mas vamos falar do mercado interno. Acho que, sem dúvida, precisamos massificar o Fórum. Falta esse trabalho. Todos os eventos que realizamos, e essa lista é imensa, traduz-se em ações de massificação do Fórum. Mas ainda falta muito. Precisamos de mais espaços na mídia de maneira geral, inclusive nos canais comunitários e fechados. Vamos divulgar mais a entidade em escolas. Estamos elaborando plano nesse sentido, do qual participarão espécies de embaixadores do Fórum. Também não se pode negar que, embora tenha trabalhado mais intensamente com os formadores de opinião, há nesse processo uma capilaridade que atingirá o povão no médio e no longo prazo. É questão de tempo.


Quando o Fórum da Cidadania vai assumir de vez que a questão político-partidária merece uma discussão mais clara e objetiva, em vez da dissimulação de que não tem nada a ver com o assunto? O lançamento das candidaturas de Marcos Gonçalves e de Fausto Cestari criou certo constrangimento, porque o Fórum evitou debater o assunto. Como será a abordagem do tema no futuro?


Sílvio Pina – Acho que se o Fórum tivesse representantes eleitos para os legislativos municipais, por exemplo, seria muito saudável.


O problema é que política sempre foi assunto-tabu nas plenárias do Fórum. Quando passará a ser discutido?


Sílvio Pina – Não existe nenhuma discussão que seja tabu no Fórum.


O que queremos saber é quando as candidaturas de Marcos Gonçalves e de Fausto Cestari vão ser colocadas numa plenária como simbologia de um processo de mudança, de modo que todos possam discutir abertamente e não haja constrangimento como ocorreu diante dessas mesmas candidaturas, já que poucas entidades se dispuseram a cooperar com esses ex-coordenadores do Fórum? Como isso ficou muito escondido, muito embutido, sem que ninguém se decidisse a colocar o assunto em discussão, a sugestão é exatamente nesse sentido, de dar maior transparência e eventual solução a um problema que existe.


Sílvio Pina – Também achei que eles poderiam ter tido mais apoio, mas nenhum dos dois solicitou qualquer contribuição nesse sentido. Sei que algumas entidades fizeram algum trabalho, mas poucas na verdade. Entendo que devemos, sim, abordar esse assunto e considero também que a partir do momento que se lançaram candidatos eles acertaram plenamente em se afastar das plenárias.


Você acha que eles deveriam mesmo ter se afastado? Por que o afastamento, se poderiam atuar como membros do Fórum, sob os conceitos do Fórum, sem que se vazasse qualquer incômodo político-partidário?


Sílvio Pina – Continuo entendendo que alguém que seja candidato a cargo eleitoral tem de se afastar do Fórum durante o período de disputa, assim como não aceitamos profissionais que tenham vínculos com o Poder Executivo e o Poder Legislativo. O Fórum não pode ter membros vinculados a qualquer partido político ou à administração pública.


Isto quer dizer então que tanto o Marcos quanto o Cestari, e outros que pensam em repeti-los, não poderão participar de plenárias como membros do Fórum, para discutir exclusivamente o Fórum? Será que eles se afastaram porque se sentiram invasores?


Sílvio Pina – Acho que é um excesso o afastamento da plenária. Eles poderiam ter participado sem problemas. Infelizmente o que houve é que algumas pessoas interpretaram a questão de forma incorreta, como se ambos tivessem utilizado o Fórum como trampolim. Na verdade, isso não cabe no figurino deles, porque têm história pessoal de respeito antes de o Fórum surgir e durante toda a trajetória da entidade. Isto tudo é resultado do ranço da sociedade contra o político. A interpretação que se faz é que, quando você realiza obras comunitárias sem vínculo político, trata-se de um idealista. Basta filiar-se a um partido e disputar uma eleição para tornar-se um safado.


Não está faltando, para tentar reorganizar o Fórum da Cidadania, uma espécie de workshop envolvendo todos os integrantes, preferencialmente num sábado, de modo que todas as posições sejam colocadas à mesa e daí se possa extrair o mecanismo capaz de estabelecer a organicidade prática da entidade?


Sílvio Pina – Talvez seja necessário depois de quatro anos de existência do Fórum.


Não lhe parece que o Fórum da Cidadania tornou-se uma grande contradição, porque o gigantismo que tomou conta das plenárias acabou por minar suas forças extracorporativas? Surgido exatamente para que seus integrantes pensassem e agissem livres de amarras corporativas de suas respectivas entidades, uma marca da cultura nacional, o Fórum transformou-se num reduto de guetos, de especialistas em determinados temas, num processo partilhado, não compartilhado, que sobrepuja o sentido coletivo das questões que mais preocupam a região.


Sílvio Pina – Houve crescimento, não gigantismo. Anteriormente era mais fácil dirigir uma plenária. Hoje temos o desafio de recuperar o valor das plenárias. Infelizmente, nesse processo de crescimento, ingressaram algumas entidades que acabaram criando obstáculos às plenárias, que são nosso showroom. Os fundadores e pensadores do Fórum, infelizmente, não têm mantido frequência regular. Contrapondo-se a isso, existe um grupo de meia dúzia de entidades que tem dificultado os trabalhos. Mas vamos dar um jeito nessa situação, porque são entidades cujos representantes são profissionais. Eles representam praticamente a si próprios ou pulam de um galho de representação para outro com muita facilidade. São entidades praticamente fantasmas, porque não realizam reuniões, não promovem eleições. Isso é resultado do crescimento do Fórum. Mais que quantidade, precisamos de qualidade de representação.


Estamos apertando o cerco para oficializar a filiação das entidades. Fazemos espécie de rastreamento para evitar novos problemas. Levantamos a ficha das entidades quanto à representação e idoneidade. Puxamos recentemente uma ficha de uma entidade que respondia a mais de 50 processos. O Fórum da Cidadania é uma grife valiosa, disputada, e alguns se aproveitam disso. Visto de forma conjunta, o que temos é um showroom complicado, é verdade, mas a cozinha do Fórum, representada pelos grupos de trabalho, está funcionando muito bem. Seria muito extenso relatar a atividade de cada grupo temático.


Você não acha que o workshop poderia constituir-se em reformulação do temário dos problemas do Grande ABC, listados há quatro anos pelo Fórum? Dá ainda para discutir Universidade Pública quando se sabe que 70% dos universitários brasileiros são filhos de classe média e que uma das raízes da disparidade de renda no País, segundo pesquisa anunciada recentemente, está justamente na desigualdade de oportunidades educacionais? Ou dá para reivindicar a conclusão do Hospital de Clínicas de Santo André quando o que se verifica no setor de saúde é a descentralização das unidades de atendimento, cada vez mais próximas da população? No primeiro caso, não é mais interessante para a região apoiar a Universidade do Trabalhador que o ex-empresário Abraham Kasinski há muito tempo tenta instalar em Mauá e que até agora está apenas na prancheta? Inclusive porque não tem contado com o apoio do Fórum da Cidadania?


Sílvio Pina – O workshop é ideia fantástica e temos de encaminhá-lo. Quanto ao temário, que atende a média dos interesses da sociedade civil, ainda é atual. Quanto à universidade pública, a realidade é que gera desdobramentos econômicos importantíssimos. Infelizmente, o que temos na região é uma crônica falta de relacionamento entre as escolas privadas de Terceiro Grau privadas e a sociedade como um todo.


O Hospital de Clínicas é igualmente importante. Estudos poderiam ser feitos para lhe dar um destino mais específico, substituindo-se o perfil original por uma unidade de referência em alguma modalidade de medicina, de modo a despertar o interesse de atendimento extra-regional. O que não podemos é continuar exibindo aquele conjunto de concreto armado, verdadeiro outdoor da incompetência política da região. Esperamos que o governo Mário Covas consiga terminar essa obra na próxima gestão. Estou cansado de ficar envergonhado e de não ter respostas quando visitam Santo André e me perguntam sobre aquela obra.


Quanto à Universidade do Trabalhador, o Fórum pode se engajar sim. Poderemos, inclusive, convidar o senhor Abraham Kasinski para fazer uma exposição sobre o projeto, porque é muito importante conversar com um empreendedor dessa magnitude. Infelizmente, nenhuma entidade e nenhum sindicato dos trabalhadores nos fez essa sugestão.


Você faz parte da confraria dos formadores de opinião que preferem tapar o sol dos problemas socioeconômicos crônicos do Grande ABC com a peneira da suposta integridade regional? Você é daqueles que acham que o Grande ABC não vive há muitos anos esvaziamento econômico e precariedade social ou entende que tudo isso é verdade e que exatamente por isso surgiram organizações como o Fórum, o Consórcio, a Câmara Regional e agora a Agência de Desenvolvimento Econômico?


Sílvio Pina – Acho que temos de ter estratégia para a região. De marketing negativo que fazem do Grande ABC bastam as emissoras e jornais de São Paulo, que só dão destaque às nossas mazelas. Acho que temos muitas coisas boas para falar da região, e eu só falo das coisas boas. Temos consciência dos problemas do Grande ABC. Se não tivesse problemas, não estaria tão envolvido em reuniões. Esvaziamento econômico é realidade na região, sem dúvida. Faz parte de um quadro macroeconômico internacional. O que não podemos é perder o sentido da qualidade de vida, força maior para atrair investimentos. Executivos de multinacionais priorizam um conjunto de qualificações que determinam seu interesse em mudar-se para determinada região. Meio ambiente, restaurantes, clubes, áreas de lazer, sistema viário, tudo isso influencia decisivamente. Depois é que vêm aspectos como sindicalismo, energia elétrica, abastecimento de água, entre outros.


Você é arquiteto e pode falar de cátedra: não está na hora de o Fórum eleger como um dos temas prioritários uma grande ação pela reformulação e pelo planejamento integrado das legislações municipais voltadas para o uso e a ocupação do solo? Temos uma legislação antiga, fora de moda, dinossáurica, cujo espectro de restrições a investimentos econômicos é notório. Como falar em reestruturação das matrizes econômicas da região, que cada vez mais vai perder a riqueza industrial, sem que se dêem ao uso e ocupação do solo políticas prioritárias que harmonizem, sem preconceitos ideológicos, desenvolvimento econômico e qualidade de vida?


Sílvio Pina – Essa é a melhor das perguntas, não porque eu seja arquiteto. Desde o primeiro dia de existência o Fórum discute planejamento estratégico da região. Sem isso não acredito em mais nada. Sem a revisão do uso do solo, não dá para fazer nada. O problema é que isso só se resolve com o tempo, porque o processo é longo, mexe com interesses arraigados. Acho que a discussão começou a ganhar corpo na região. Vários secretários municipais já dão à questão a importância devida. Temos de definir novas vocações econômicas e adequar a ocupação e o uso do solo com qualidade de vida. Por isso, sou totalmente contrário a intervenções pontuais. É um grande desrespeito alterar o zoneamento de um lote numa avenida tendo como contraposição a compensação financeira. Aliás, isso dá margem para corrupção. Em todos os lugares onde se fez essa prática houve corrupção. Não estou especificando qualquer projeto atual, mas um histórico de mudanças que ocorre em toda a região. Basta conhecer um vereador e se muda a realidade de uso e ocupação do solo de um simples lote. Já o projeto Cidade Pirelli tem meu apoio, porque não pode esperar a aprovação demorada de um novo planejamento estratégico de Santo André. O zoneamento de Santo André permite que se multiplique por cinco a população atual, elevando-a a mais de dois milhões de habitantes. É isso que queremos?


Por que o Fórum da Cidadania não adota pelo menos uma das propostas do empresário Mário Bernardini, do Sistema Fiesp-Ciesp, que sugeriu a redução do IPTU para as indústrias locais não continuarem a bater asas em direção a outras plagas? Será que essa ideia não supera a consensualidade?


Sílvio Pina – Não posso pensar também numa medida pontual para conter a evasão industrial. Duvido que o simples rebaixamento dos valores do IPTU reverteria o processo. Temos de pensar no conjunto de impostos, nos condomínios industriais, no preço do metro quadrado dos terrenos, na nova legislação municipal e estadual quanto às reservas para áreas industriais, muito restritivas. Temos de pensar no tipo de indústria que devemos acolher, no Porto de Santos, no Pólo de Sertãozinho, entre tantas outras decisões. Também entendo que se houver alguma sobrecarga de IPTU que inviabilize a permanência de uma empresa, isso tem de ser revisto de imediato, sem dúvida. Aliás, já estamos discutindo isso. Tudo isso, entretanto, passa pelo equilíbrio regional.


Até agora, em três sucessões, houve harmonia quanto à escolha do coordenador-geral do Fórum, todos praticamente do mesmo espectro político. Há informações de que já se movimentam alguns grupos decididos a concorrer à direção, estabelecendo-se algo que pode ser chamado de dissenso quanto ao próximo comandante. Cabe esse tipo de disputa numa instituição que hospeda a filosofia do consensual?


Sílvio Pina – Cabe e é saudável. Se tivermos disputa para elevar a bandeira do Fórum, essa disputa será saudável. Só não poderá gerar personalismo. O Fórum conceitualmente é formado por uma direção colegiada. Só existe a figura de um coordenador porque assim se exigiu legalmente na formalização do estatuto, pois isso faz parte da cultura legal do País. O que ocorreu na primeira eleição e nas sucessões foi o prevalecimento de uma posição ideológica de centro na eleição do coordenador. Diria que o Fórum é um jato em alta velocidade, cujo manche é muito sensível. Qualquer titubeada leva a instituição mais à direita ou mais à esquerda. E isso é muito complicado.


Isto quer dizer que alguém que seja ideologicamente mais à direita ou à esquerda terá maiores dificuldades de dirigir o Fórum?


Sílvio Pina – Acho que sim. Quem tiver espectro muito carregado de direita ou de esquerda terá dificuldades para se eleger. Mas isso não quer dizer que quem tenha um perfil ou outro não esteja qualificado para comandar o Fórum, porque o que vai prevalecer, em todos os instantes, é o conceito do consenso, da harmonia. Vejo o Fórum tão aberto à sociedade que não consigo considerá-lo viável, por exemplo, sem a participação de representantes de sindicatos de trabalhadores, assim como de entidades vistas como conservadoras. A convivência entre diferentes atores se traduz numa das mágicas do Fórum. Ninguém conseguirá defender pontos de vista ideológicos de sua entidade no Fórum.


Você continua entendendo que a exclusão de representantes de empresas nas plenárias foi a medida mais acertada? A Agência de Desenvolvimento Econômico tratou de juntar empresas e Poder Público, além da sociedade civil, sem qualquer tipo de preconceito.


Sílvio Pina – Ainda acho que o sistema deu certo e que não precisa de mexida. As mudanças indispensáveis no momento são a formação de um conselho de ética e a revitalização do Conselho Consultivo. Não existe impedimento à participação das empresas, desde que através de entidades de classe. O espaço que reservamos para o empresariado está nos grupos de trabalho. Temos espaços para todos. A dificuldade de levar empresas para a plenária é que poderia haver a particularização de interesses. Temos de trabalhar com visão macro das coisas. Já no caso da Agência, tudo vai depender da coordenação. Se essa nova organização não se direcionar com base em planejamento estratégico, deixando prevalecer abordagens pontuais e se notabilizando como um balcão de negociação de empresas, não vejo como ter vida longa.


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