Qual é a saída para o fortalecimento do futebol profissional do Grande ABC, que, apesar dos recentes sucessos do São Caetano, campeão paulista da Terceira Divisão e também da Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro, participa de espetáculos secundários, portanto, distantes do efervescente showbusiness que, ao mesmo tempo em que atrai investidores, cada vez mais compacta o quadro de estrelas de primeira grandeza no País?
Para o especialista em marketing esportivo Luís Fernando Pozzi, que recentemente lançou o livro A Grande Jogada pela Editora Globo, a possibilidade de fusão dos clubes da região é interessante alternativa. Entretanto, o próprio Pozzi reconhece que, por ser muito mais complicado do que no mundo empresarial, onde valores mensuráveis acabam por prevalecer na consumação de fusões, o negócio do esporte tem no componente emocional sobrepeso que dificulta entendimentos.
Por isso o especialista considera a possibilidade de fusões não só no Grande ABC mas em outras regiões do País saída tormentosa mas provável, quando não substituída pela extinção de clubes incapazes de gerar recursos que garantam sobrevivência.
Essa é uma tendência esportiva internacional que guarda semelhança com o que acontece no mundo empresarial em tempos de globalização. Luís Fernando Pozzi afirma que a aplicação da Lei Pelé, que a partir do ano 2000 vai exigir a transformação dos clubes de futebol em empresas, agilizará o passo da profissionalização administrativa do esporte no País. Sem a Lei Pelé provavelmente o ritmo seria outro e certamente retardaria ainda mais o ingresso do futebol brasileiro num estágio de desenvolvimento diretivo compatível com a histórica qualidade técnica de seus jogadores, únicos tetracampeões do mundo.
Profissionalizar ou profissionalizar. Eis a questão do futebol brasileiro, cada vez mais tratado como espetáculo que tem nas transmissões televisivas não mais uma vitrine do romantismo que marcou o esporte em outros tempos, quando o que mais pesava na grade de atrações das emissoras era basicamente a prestação de serviços à demanda de audiência do telespectador, mas também importante fonte de receitas financeiras.
Luís Fernando Pozzi, mestre em Administração de Empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), frequentou cursos sobre marketing esportivo nos Estados Unidos, onde também realizou pesquisas e visitou empresas ligadas ao esporte, como NBA, ESPN e Time Warner. Nesta entrevista, ele fala ainda sobre a participação da televisão nas transformações por que passa o futebol brasileiro. E fala com conhecimento de causa, como um dos executivos da Diretoria de Negociação de Direitos Esportivos da TV Globo, responsável pelo planejamento e negociação da compra dos direitos de todos os eventos esportivos da emissora.
Não tem significado de tiro no próprio pé o torcedor ir ao Morumbi para assistir a um clássico e, depois de 90 minutos de bom futebol, enfrentar outros 90 minutos para conseguir sair da ratoeira do estacionamento de veículos em que se meteu? Como se pode fazer futebol profissional no País sem que se cuide de um conjunto de fatores infra-estruturais que pesam decisivamente na hora de o torcedor resolver voltar a um estádio de futebol? Ainda chegará o dia em que o torcedor irá ao estádio contando com todo o conforto de quem vai a um shopping?
Luís Fernando Pozzi – Sem dúvida, um dos maiores pontos fracos do nosso futebol, que tecnicamente é considerado por todos o melhor do mundo e conta com torcedores fiéis e apaixonados, é o fator estrutural. Dentro deste problema, podemos citar também a dificuldade de organização administrativa, seja na elaboração de calendários mais racionais, seja na organização de torneios mais confiáveis e rentáveis.
No que se refere à experiência dos torcedores mais fiéis, aqueles que acompanham seus times nos estádios, a maior prova de que ir ao campo tornou-se uma aventura é que, apesar da qualidade técnica, a média de público vem caindo. Enquanto na década de 80 o Campeonato Brasileiro tinha médias entre 15 mil e 20 mil torcedores, nesta década não conseguimos passar de 11 mil. Temos de lembrar que outros fatores também influenciam, como o aumento dos ingressos, perda de poder aquisitivo e fórmulas de disputa que não se repetem.
A solução para tal problema me parece estar nas fórmulas encontradas pelos principais clubes europeus, como o Manchester United, Ajax, Milan e Barcelona, que conseguem vender praticamente todos os ingressos de bilheteria antecipadamente. Nestes casos, todos os cuidados foram tomados para que o jogo de futebol seja encarado como entretenimento para toda a família: mega-stores com produtos licenciados de qualidade, museus, bares e restaurantes temáticos, cadeias de fast-food, estacionamento coberto, promoções e shows antes, durante e depois do jogo, sistemas de transporte coletivo (ônibus e metrô) que chegam até o estádio, banheiros limpos, seguranças particulares, serviço de informações etc.
Alguns passos nesse sentido já estão sendo dados por aqui, como demonstram os exemplos do Campeonato Paulista, que vem tratando o futebol como entretenimento, e os projetos de reforma dos estádios de São Januário e do Parque Antarctica, que deverá ter estacionamento subterrâneo e, futuramente, sistema de cobertura móvel para o campo. A idéia central é tornar o estádio uma arena multiuso, como ocorre nos centros mais desenvolvidos, onde se joga de 40 a 60 vezes no ano, enquanto no restante do tempo usa-se a arena para outras modalidades, shows etc.
Com todo o interesse de investidores em torno do futebol, acredito que aparecerão os recursos necessários para que projetos desse tipo tornem-se mais comuns, já que se mostraram rentáveis no Exterior.
Como você observa a força da televisão no esporte, sobretudo no futebol? A Taça Libertadores da América não é boa resposta para isso, já que era uma competição sem valor algum para o futebol brasileiro até que a Rede Globo decidiu apostar suas fichas e ajudou a dar uma reviravolta nas prioridades de calendário dos clubes, tornando-a imprescindível?
Luís Fernando Pozzi – A TV é imprescindível para o esporte, já que é a maior responsável pela popularização de várias modalidades. As cifras que movimentam o mercado esportivo mundial (US$ 250 bilhões no mundo e US$ 1 bilhão aqui, somente com o futebol) seriam muito menores sem a cobertura da TV. O maior benefício das transmissões esportivas é que amplificam a audiência, valorizando a propriedade esportiva do organizador do evento. Ou seja, a presença da TV permite ao organizador cobrar mais pelas demais propriedades (merchandising na arena, patrocínio, concessões para venda de produtos etc.).
A questão da TV acaba nos remetendo à questão anterior: que torcedor estaria disposto a trocar o conforto de casa pelo desconforto e insegurança dos campos? É bom lembrar que a TV também se interessa por estádios cheios, já que a transmissão fica enriquecida em um ambiente de festa e emoção, que só a torcida proporciona.
Por outro lado, muitos dizem que a TV é responsável pela diminuição de público nos estádios, o que não é verdade. Os principais campeonatos europeus (inglês, italiano e espanhol) são transmitidos ao vivo e estão sempre com estádios cheios. Se o produto esporte for bom, há demanda suficiente para grandes audiências tanto no campo como em casa. Na verdade, não concorrem diretamente, já que os públicos são diferentes para cada tipo de produto: os torcedores organizados continuarão indo ao campo, enquanto o telespectador mais fiel, e também mais qualificado, assistirá aos jogos de seu clube na própria praça de realização da partida por meio do sistema pay-per-view. Já os jogos fora da praça de realização da partida serão transmitidos pela TV aberta e pela TV fechada (cabo).
Com relação ao interesse da TV, as emissoras encontraram no esporte o produto perfeito para satisfazer aos seus mercados: o telespectador, que cada vez mais consome esporte (as maiores audiências da TV mundial são de eventos esportivos), e o mercado publicitário, atraído pelas grandes audiências junto aos seus públicos-alvo. No que se refere ao futebol, a TV Globo tem por política adquirir os direitos dos principais torneios mundiais: a Taça Libertadores, por representar um passaporte para Tóquio, e a Copa do Brasil caem nessa classificação.
O que vai acontecer no futebol brasileiro a partir do ano 2000, quando a aplicação da Lei Pelé será obrigatória para os clubes, cujos departamentos de futebol profissional deverão se tornar empresas? Passaremos, como se sabe, de um amadorismo disfarçado da maioria dos clubes para um regime profissional em que a palavra marketing traduzirá todos os anseios de evolução. Vai haver impacto muito grande ou teremos até lá condições de nos adaptar à novidade?
Luís Fernando Pozzi – Minha opinião é que, sem a obrigatoriedade, poucos clubes se interessariam em fazer as transformações necessárias ao novo ambiente de profissionalização, como se viu com a Lei Zico, de transformação facultativa. Sem entrar no mérito das medidas da lei, já temos visto movimento por parte dos clubes em busca de habilidades em gestão de negócios que possam ser incorporadas ao conhecimento do dia-a-dia de cada modalidade.
Acredito que esse movimento de profissionalização deverá começar com clubes pequenos e médios, que, por não terem condições de sobreviver sem parcerias que tragam novas receitas, serão mais receptivos a novas idéias. Nos clubes de maior tradição e torcida, o grande nó que emperra a maioria dos acordos é a questão do controle acionário, do qual os clubes não querem abrir mão. Sob o ponto de vista dos investidores, me parece temerário qualquer acordo que não envolva uma voz ativa no dia-a-dia do clube, independente da participação acionária.
Vejo com bons olhos modelos de parceria como o do Botafogo-RP com o consórcio Futinvest, formado pela Brunoro Sports (administração esportiva), Banco Axial e Banco Ribeirão Preto (gestão dos recursos) e Net Sports Marketing (marketing esportivo). Tal consórcio assume a administração do clube em troca de participação nos resultados. A grande vantagem é que cada empresa se dedica a um aspecto em que é especialista, o que evita problemas de choques de culturas entre investidores profissionais e dirigentes esportivos sem noções empresariais. Por isso mesmo, acredito que o administrador esportivo do futuro deverá ser generalista, ou seja, deverá conhecer tanto de negócios como de todos os aspectos técnicos, físicos e psicológicos que influem no produto esporte.
Que futuro está reservado ao futebol profissional do Grande ABC, que tem dois clubes na Segunda Divisão paulista, outro na Terceira, outro na quarta e mais um na Quinta? Há quem defenda a fusão de todos, de modo a aproveitar o conjunto de 2,3 milhões de habitantes que formam o terceiro mercado em potencial de consumo do País. Há também quem bata o pé contra fusões, por entender que a rivalidade os mantém acesos. Será que vão conseguir parcerias com grandes organizações que vejam não apenas o clube propriamente dito, mas exatamente o mercado de consumo regional?
Luís Fernando Pozzi – Enquanto no Brasil existem 501 clubes, a Itália possui 128, a Espanha 122 e a Inglaterra 92. Sem dúvida, a profissionalização diminuirá drasticamente esse excesso de clubes, seja pela simples extinção, pela falta de recursos que garantam a sobrevivência dos clubes, seja por meio do processo de fusão, como alternativa a extinção.
Não há dúvida de que a fusão entre clubes de futebol é mais complicada do que fusões entre empresas tradicionais, apesar de muitas fusões empresariais fracassarem por diferenças culturais. No caso do futebol, os aspectos racionais da fusão (controle de custos, aumento do número de torcedores, construção/valorização da nova marca do clube) se confundem com os aspectos emocionais dos quais o esporte é feito, como paixão, rivalidade, devoção, competição, facções, etc.
Entretanto, pode ser a única solução para sobrevivência do esporte profissional em algumas regiões, argumento difícil de ser contestado até pelo torcedor mais fanático. Acho que a idéia traz muita resistência por ser nova e praticamente inexplorada por aqui, com exceção do Paraná, formado pela fusão de clubes de Curitiba. Antigamente também não se cogitava bordar outras marcas aos distintivos dos clubes em seus uniformes, prática que hoje em dia se tornou absolutamente trivial.
Acredito que as características do ABC justificam o interesse de investidores pelo esporte, desde que sejam dadas condições para que também os clubes possam vislumbrar benefícios tangíveis com essa associação. Ou seja, a chave de tudo é que haja uma relação ganha-ganha, baseada na confiança.
Você não acha um contra-senso a proibição de torcidas organizadas nos estádios? Considerando-se que seus integrantes garantem os espetáculos nas arquibancadas, animando os torcedores comuns, mais espectadores do que torcedores, e levando-se em conta que esporte é show, é emoção, dentro e fora de campo, não é mais lúcido exigir que o policiamento trate de manter a civilidade e dê aos arruaceiros o destino que eles merecem, em vez de punir a todos, indistintamente? Até porque, convenhamos, embora proibidas nos estádios paulistas, as torcidas organizadas continuam em suas respectivas áreas delimitadas nas arquibancadas. Enfim, torcida organizada sem violência não valoriza o produto futebol?
Luís Fernando Pozzi – Trata-se de questão delicada e de difícil solução. Concordo que os torcedores organizados são aqueles que, no mundo empresarial, são os chamados consumidores fiéis, ou heavy-users. A principal medida de marketing junto a esse segmento de mercado é recompensar sua assiduidade com o reconhecimento público de sua importância, distribuição de prêmios, participação em promoções etc. Ou seja, me parece que essa punição é exatamente o contrário do que o marketing recomenda.
Por outro lado, há uma séria questão policial por trás disso, que obriga a que as autoridades públicas se ocupem do assunto e punam os eventuais culpados com rigor, para dar o exemplo e garantir a segurança pública do cidadão. Muitas vezes é melhor pecar pelo excesso do que pela omissão.
O grande problema das torcidas organizadas é que todos os recalques e agressividade do indivíduo acabam aflorando, já que ele se sente protegido pela coletividade. Trata-se de um problema mundial e longe de ser solucionado, como comprovam os frequentes incidentes com os famigerados hooligans europeus, ou os barra bravas argentinos.
Como você analisa dois fatos novos relacionados à gestão profissional do esporte, no caso o curso de Administração Esportiva da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, e a Universidade do Esporte, em Curitiba?
Luís Fernando Pozzi – Acho que movimentos desse tipo são importantíssimos para formar massa crítica que incutirá novos conceitos de administração à prática esportiva. Trata-se de movimento que não acontecerá da noite para o dia, mas que fará cada vez mais pressão, inclusive para que novas oportunidades de mercado sejam criadas para esses profissionais que, como já mencionei, terão o grande diferencial de serem generalistas, já que terão condições de entender a linguagem de especialistas em finanças, marketing, direito, economia, psicologia, educação física, nutrição, motivação de pessoal, jornalismo, medicina esportiva etc.
O maior exemplo de que os clubes reconhecem essa necessidade é o próprio curso da FGV, criado por meio de convênio entre a escola e o Clube dos 13/Abracef. Além de dirigentes de clubes, nota-se no perfil dos interessados a diversidade de formações: advogados, administradores, jornalistas, estudantes, publicitários, banqueiros, atletas, técnicos etc.
Além do conteúdo desses cursos, que buscam aplicar conceitos teóricos a situações esportivas práticas, outro ponto extremamente importante é o chamado networking, ou seja, é excelente ocasião para relacionar-se com profissionais das diversas entidades esportivas, descobrindo de antemão oportunidades de estágios/emprego que dificilmente chegam aos classificados dos jornais ou aos escritórios de headhunters.
O mercado esportivo brasileiro sente falta de profissionais com qualificações necessárias para enfrentar esse ambiente revolucionário. Neste sentido, cursos e seminários que se dediquem a debater os grandes temas que afetam esse mercado têm a vantagem de juntar sob o mesmo teto pessoas com culturas e pontos de vista diferentes, confrontando razão com emoção.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira