Cautela, cautela e cautela. A recomendação é para quem decidir debruçar-se sobre os primeiros números da Paep (Pesquisa da Atividade Econômica Paulista) para o Grande ABC, divulgada mês passado pela equipe técnica da Agência de Desenvolvimento Econômico, braço estratégico do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. O trabalho foi coordenado por João Batista Pamplona, professor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, e contou também com a atuação dos técnicos Eduardo Moreira, Iara Ignácio, Miguel Herédia de Sá, Pedro Alexandre e Ronaldo de Paula.
Análises apressadas podem ser desastradamente equivocadas. A Paep/ABC, como é chamada por Pamplona, limita-se à divulgação do primeiro boletim de dados sistematizados pela Agência de Desenvolvimento Econômico com base em pesquisa da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados Econômicos). Há considerações apenas superficiais e compulsórias sobre os dados, sem avançar o sinal. Seria arriscado qualquer ensaio para esmiuçar os estudos, considerando-se que tudo o que foi apresentado não passa de parcela de informações de um conjunto muito mais amplo, cuja sistematização e divulgação atenderão cronologia de gradualismo.
O tom de cautela que João Batista Pamplona expõe nesta entrevista feita por e-mail é mais do que sintomático sobre a dificuldade de traduzir os primeiros resultados da Paep. Foi proposital a decisão de produzir esta entrevista fora dos padrões (ainda) convencionais, utilizando meio eletrônico ao invés do contato pessoal. Afinal, acreditava-se desde a convocação da coletiva que se traduziria em temeridade qualquer investida mais incisiva sobre o que o boletim reservaria de respostas sem antes ter-se tempo para analisar detalhadamente cada página dos estudos.
Por isso, o encontro foi praticamente insosso, pois não se teve tempo suficiente para mergulho nas informações apresentadas alguns minutos antes. Leitura mais apurada do material só foi possível após o encerramento da coletiva e, mesmo assim, não ofereceu elementos suficientes para conclusões sólidas.
A decisão de utilizar o e-mail teve o propósito explícito de possibilitar ao coordenador-geral da Paep tempo e condições técnicas para manifestar-se detalhadamente. Nada melhor do que o próprio Pamplona para interpretar todos os possíveis diagnósticos oferecidos por aquele aparentemente emaranhado de números reservados para a região.
João Batista Pamplona transmite em cada parágrafo a garantia de que tinha a consciência de que as respostas se assemelhavam a uma corda bamba, em que o equilibrista é desafiado a manter-se a salvo de possíveis complicações. Foi enfático onde havia a certeza de que a bola não estava dividida, mas acabou prevalecendo a tática de não se expor demasiadamente, porque as informações parciais disponíveis não lhe asseguravam vôos rasantes. A Paep, por enquanto, é mesmo uma espécie de vôo panorâmico e, mesmo assim, considerando-se que o céu não está para brigadeiro.
O prefeito de Santo André, Celso Daniel, que comanda a Agência, nem ficou até o final da coletiva. Ele assina a apresentação do Caderno de Pesquisa Nº 1, como é chamado o material, e ressalta o aspecto preliminar dos estudos. Como se observa, o potencial de provocar desarranjos não fez do comandante e dos próprios executivos da Agência de Desenvolvimento Regional vítimas preferenciais. O interesse em propagar resultados mirabolantes sobre dados pontuais e pouco sistêmicos foi superado pela maturidade. Bom sinal.
Você recomendaria incursões analíticas mais profundas sobre os números preliminares da Paep ou sugere que eventuais prospecções sejam bastante cautelosas? Fundamentalmente, o primeiro boletim oferece a garantia de conclusões sólidas sobre pontos nevrálgicos da economia do Grande ABC ou é melhor esperar pelos próximos. Qual é a cronologia prevista para os próximos trabalhos e o que devemos esperar disso?
João Batista Pamplona – Dada a complexidade da estrutura produtiva do ABC, análises prospectivas cautelosas são sempre recomendáveis. No entanto, os dados que estão surgindo da Paep/ABC são muito instigantes. A Paep é uma pesquisa que revela de forma inédita e com enorme riqueza de detalhes a estrutura da indústria da transformação, da construção civil, do comércio e dos serviços de informática no Grande ABC em 1996. Já que o último censo econômico do IBGE foi o de 1985, não existe disponível hoje nenhuma outra pesquisa sobre a atividade econômica no Estado de São Paulo e suas regiões com o grau de abrangência, atualidade, confiabilidade e profundidade que a Paep possui.
A Paep foi prevista inicialmente para conter uma amostra composta por cerca de 34 mil empresas para o total do Estado. Porém, esse número acabou atingindo 39 mil empresas. Isso só foi possível porque o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC sabiamente contratou, junto à Fundação Seade, uma expansão da amostra, formada por cinco mil empresas do Grande ABC, para permitir que os dados pudessem ser desagregados para os municípios da região.
Assim, o ABC passou a ser uma das poucas regiões brasileiras que possui informações atuais e confiáveis em temas tão relevantes quanto mensuração econômica das empresas, reestruturação produtiva, dinâmica territorial da atividade econômica, interação empresas e meio ambiente.
Os próximos estudos a serem feitos na Agência de Desenvolvimento do Grande ABC e que se originarão da Paep focarão as inovações tecnológicas e as novas formas de gestão na indústria; as atividades econômicas em termos de sua distribuição espacial pela região; a relevância econômica e as transformações técnicas e organizacionais do comércio do Grande ABC.
A concentração do PIB industrial do Grande ABC no setor automotivo está reafirmada na pesquisa. Também a pesquisa constata que a região depende, em termos de empregos, sobretudo das grandes empresas. Esses dois fatos não causam inquietação, levando-se em conta a tendência internacional de descentralização produtiva e a crescente miniaturização das plantas industriais, como resposta à inserção de novas tecnologias materiais e de gestão?
Pamplona – Ter emprego industrial dependente das grandes empresas reúne vantagens e desvantagens. Três grandes vantagens são que as grandes empresas oferecem mais treinamento, mais oportunidades de ascensão profissional e pagam melhores salários. Nesse sentido, é interessante assinalar que em julho de 1999, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Seade, o rendimento médio dos assalariados na indústria no ABC foi de R$ 1.016,00, enquanto o mesmo grupo de trabalhadores no total da Região Metropolitana recebeu em média R$ 883,00 no período.
A grande desvantagem é que o processo de reestruturação produtiva atingiu mais duramente o emprego nos grandes estabelecimentos industriais. Porém, é razoável afirmar que as ondas de inovação técnica e organizacional não seguem eliminando empregos na mesma proporção continuamente. Será que a RMSP perderá nos próximos 10 anos os mesmos 730 mil postos de trabalho industriais líquidos que perdeu entre julho de 1989 e julho de 1999? Me parece bem consistente a hipótese de que hoje estaríamos numa situação na qual o emprego industrial dependeria muito mais de questões macroeconômicas (taxa de investimento, juros, exportações, crescimento do PIB) do que de questões microeconômicas (reestruturação produtiva, inovações, mudanças organizacionais).
Quanto à indústria automotiva, em que pese os impactos negativos que sua reestruturação possa ainda trazer para a região — se é que o pior já não passou –, continua sendo difusora de progresso técnico e com enormes efeitos multiplicadores, ainda que hoje reduzidos sobre o conjunto da atividade econômica regional.
Durante a apresentação da Paep você disse que esses resultados espelham sobretudo a realidade de grandes regiões econômicas do Estado, fortemente concentradoras de indústrias, espécies de Grande São Paulo ampliada. Que regiões são essas e que tipo de similaridade você estabelece entre esses pontos e a Grande São Paulo?
Pamplona — De 1970 a 1985, a indústria do Estado de São Paulo experimentou forte processo de desconcentração, no qual a Região Metropolitana de São Paulo cedeu participação no produto industrial ao Interior. Esse processo, conhecido por todos, foi chamado de interiorização industrial paulista. Na segunda metade dos anos 80, o processo estagnou e ocorreu até pequena reconcentração. Nos anos 90, a desconcentração é retomada, mas sua intensidade é sensivelmente menor.
Na verdade, quando se fala em desconcentração no Estado de São Paulo, devemos ter em conta que 70% do Valor Adicionado industrial do Interior está concentrado em somente três regiões: na de Campinas, na de São José dos Campos e na de Sorocaba. É por isso que se pode falar em desconcentração concentrada da indústria em São Paulo. A imensa maioria das indústrias do Interior está localizada em raio inferior a 150 quilômetros da sede da RMSP.
Muitas empresas que se instalaram no Interior mantiveram na RMSP parte da produção e o centro decisório. A gestão industrial continua fortemente concentrada na Grande São Paulo. Além disso, nesta região estão também concentrados serviços especializados e auxiliares, indispensáveis à indústria, que atendem à Região Metropolitana e seu entorno industrial. Sendo assim, é preciso reconhecer que a Grande São Paulo continua mantendo forte polaridade industrial.
Entre os aspectos considerados importantes para instalação de unidades industriais no Grande ABC, a pesquisa detectou a qualidade de vida oferecida aos funcionários. Eventualmente isso não pode ser confundido com qualidade de vida geral da população, quando se sabe que, comparativamente a outras áreas do Estado, a Grande São Paulo vive realidade de violência e exclusão social complicada. Seria correta a interpretação de que o agregado de vantagens extra-salariais dos trabalhadores formais tornou-se elemento fundamental à decisão locacional das empresas com sede no Grande ABC? O chamado Custo ABC, então, seria transformado em vantagem estratégica? Enfim, como se explica essa contradição?
Pamplona – A decisão locacional costuma ser uma decisão na qual inúmeros fatores são ponderados. Nas respostas das empresas industriais à Paep foram considerados 12 fatores de instalação da planta, caso tivesse ocorrido entre 1990 e 1996. Para as plantas que foram instaladas no ABC no período — e foram cerca de mil –, os fatores que mais tiveram respostas que os consideravam importantes, muito importantes ou cruciais foram a infra-estrutura urbana (água, esgoto, telecomunicações etc), a qualidade de vida (existência de qualidade de vida para funcionários) e a proximidade dos consumidores. Para as plantas instaladas no Município de São Paulo e no Interior, esses também foram fatores muito relevantes na decisão locacional. Os dados analisados demonstram que o ambiente urbano que circunscreve o empreendimento tem peso determinante na decisão de instalação. Fatores relacionados à força de trabalho, como seu custo e qualificação, não se apresentaram tão importantes como comumente se imagina.
Para o Grande ABC inteirar-se mais cientificamente dos problemas que o abateram e que ainda o enfraquecem, e que eventualmente essa pesquisa não detectou, não seria interessante um estudo especialmente encomendado junto às empresas que trocaram a região por outros pontos do Estado de São Paulo e mesmo por outros Estados? A Paep não tem esta resposta, não é verdade? Se tivesse, será que aspectos como o feixe de benefícios extra-salariais não surgiriam também como motivação à deserção, considerando-se que o Interior não é tão pródigo em concessão de benefícios como transporte, saúde, alimentação e educação por parte das empresas?
Pamplona – Estamos ainda numa fase inicial dos trabalhos de análise da Paep/ABC. Muitas informações importantes deverão ser em breve interpretadas. Há dados ainda não trabalhados sobre local de instalação de novas plantas industriais, sobre ocorrência de transferência de fases do processo produtivo ou fabricação de produtos entre estabelecimentos da empresa, e sobre fatores que motivaram essa transferência. Estamos até agora dependendo de tabulações especiais da Fundação Seade e assim que for possível estaremos publicando os resultados.
Qual é a leitura que dá ao resultado da pesquisa que estabelece como fatores que menos contribuíram na decisão de instalação no Grande ABC a existência de centros de pesquisa, incentivos fiscais (federais, estaduais e municipais) e baixo custo da mão-de-obra? A existência de centros de pesquisas foi considerada um fator locacional indiferente para 64% dos estabelecimentos e pouco importante para 16%. Cerca de dois terços das unidades foram indiferentes ao fator incentivos fiscais e outros 11% o consideraram pouco importante. Aproximadamente 54% das unidades instaladas no Grande ABC nos anos 90 consideraram indiferente o fator baixo custo da mão-de-obra e cerca de 17% o consideraram pouco importante na decisão de instalação. Considerando-se a extrema necessidade de competição globalizada, que por sua vez mais e mais agrega enriquecimento tecnológico produtivo, o Grande ABC não estaria perdendo a corrida pela modernidade?
Pamplona – Desses números é possível extrair duas leituras diferentes. Uma é que as unidades que procuraram o Grande ABC nos anos 90 não tinham, na sua maioria, os fatores centros de pesquisa, incentivos fiscais e baixo custo de mão-de-obra como decisivos para a eficiência das operações. Como esses fatores desempenharam papel menos relevante na atração de plantas industriais para a região, uma outra leitura, também possível, é que tais fatores não seriam pontos fortes da região.
Quanto à pouca importância atribuída à existência de centros de pesquisa, isso não seria um problema exclusivo do ABC. Os dados da Paep mostraram que não há diferença do ABC em relação a outras regiões do Estado de São Paulo nesse quesito locacional. Para todas essas regiões, foi o fator locacional para o qual as empresas atribuíram a menor importância. Isso pode estar indicando uma deficiência das regiões de São Paulo ou, o que é mais provável, que a grande maioria das empresas não considera suficientemente relevante a presença próxima de centros de pesquisa e difusão tecnológica.
Talvez isso pudesse ser explicado pelo fato de as grandes empresas brasileiras apostarem muito mais em desenvolvimento tecnológico próprio e as pequenas e médias mobilizarem pouca atenção e recursos para esse fim. No Brasil, o problema de desenvolvimento tecnológico não é exclusivo de uma região.
A pesquisa detectou que no Interior de São Paulo o custo da mão-de-obra revelou-se muito mais importante na decisão locacional do que na Região Metropolitana de São Paulo. Por outro lado, constatou-se também que praticamente não há diferenças nesse quesito quando se compara o Grande ABC com o Município de São Paulo. Isto o levou, inclusive, a considerar a expressão Custo ABC inapropriada, porque São Paulo não é diferente. É isso mesmo?
Pamplona – É isso mesmo. Se existisse algo como Custo ABC, deveria também existir algo como Custo São Paulo. As respostas quanto a fatores locacionais dos estabelecimentos industriais que se localizaram no Grande ABC foram muito similares às respostas dos que se localizaram no Município de São Paulo, inclusive em quesitos como baixo custo da mão-de-obra, qualificação da mão-de-obra e qualidade de vida. Não se pode caracterizar o Grande ABC como uma região com desvantagens locacionais especiais, pelo menos no que diz respeito à comparação com o Município de São Paulo.
A próxima Paep será realizada em 2001. Aí sim, como você disse, teremos condições de aprofundar análises. É claro que qualquer diagnóstico sobre o comportamento da macroeconomia nacional e mesmo da microeconomia regional pode ser exercício de futurologia, mas não o preocupa o fato de que a base de dados do primeiro trabalho viveu o esplendor do Plano Real e eventualmente a nova base captar todos os rescaldos negativos dos problemas decorrentes da crise cambial e seus desdobramentos? Traduzindo, o Grande ABC do ano 2001 da Paep será melhor ou pior do que o de 1996 se a economia continuar na toada atual?
Pamplona – Acredito que a Paep de 2001 possa captar efeitos positivos para a indústria da região decorrentes da reestruturação produtiva dos anos 90, caso o Brasil não apresente uma terceira década perdida em termos de crescimento econômico. O desempenho macroeconômico do Brasil continua, obviamente, a ter enorme repercussão sobre a economia regional.
Determinantes internacionais são também relevantes, e muito mais relevantes do que foram no passado. Não obstante, ventos novos começam a soprar no sentido de o Grande ABC ser muito mais ativo na definição de seu futuro econômico. A iniciativa de criação de uma Agência de Desenvolvimento Econômico Regional que reúna o Poder Público, a iniciativa privada, entidades de trabalhadores e empresários desperta grande interesse nacional e internacional e produz expectativas positivas para todos.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira