O governo do Estado precisa reforçar a representação de seu secretariado no dia-a-dia da Câmara Regional, instância de poder criada para aproximar as dores de cabeça do Grande ABC da capacidade terapêutica do Palácio dos Bandeirantes. A proposta já formalizada ao governador de São Paulo é do político, acadêmico, consultor empresarial e executivo público Silvio Minciotti, um dos dois representantes do secretariado de Mário Covas no organismo (o outro é Armando Laganá). As múltiplas atividades conferem perfil raro a Silvio Minciotti, também membro do Conselho Consultivo de LivreMercado. Praticamente não se conhece alguém que reúna tanta complementaridade de atuação numa região em que tradicionalmente os modelos de liderança foram esculpidos de forma explicitamente corporativa.
Ser ao mesmo tempo político, acadêmico, consultor empresarial e executivo público, e estar participando ativamente das relações entre governo estadual e Câmara Regional, confere a Silvio Minciotti grau de respeito equivalente ao de responsabilidade.
Ele parece ter consciência das múltiplas tarefas como agente transformador no Grande ABC e marca o desempenho com uma combinação de discrição e cautela. Isso o torna suficientemente maleável para transitar entre as várias vertentes político-ideológicas que caracterizam a ecumênica Câmara Regional.
Voluntário do governo do Estado na Câmara, Minciotti afirma que novos colaboradores poderão responder com maior agilidade às demandas da região, que acabam pulverizadas e chegam com demora aos respectivos secretários estaduais.
Aumentar a presença do Estado na Câmara Regional também é boa saída para equilibrar o jogo de informações transmitidas à Imprensa, evitando o que Silvio Minciotti chama de distorções na comunicação. Ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e ex-presidente da fase de pré-privatização da Fepasa, esse professor universitário reclama do que chama de sacrifício da imagem do governo do Estado em algumas situações e da falta de crédito em outras, casos típicos do desbalanceamento de ônus e bônus das atividades da Câmara Regional.
Você é acadêmico, consultor empresarial, executivo público e também agente político que conseguiu grande votação a deputado federal na única vez em que concorreu, em 1994. Como vê o Grande ABC de uma perspectiva tão ampla quanto essa expressa em sua diversidade de atuação? Qual é a ação em que você está envolvido que exige mais preocupação?
Silvio Minciotti – Os problemas do Grande ABC apresentam complexidade que nos obriga a checar um pouco mais detalhadamente a realidade que nos envolve. Cada atividade que exerço tem grau de dificuldade particular, mas a que chama mais minha atenção e energia é a que exerço no Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior) de São Caetano, como coordenador de pós-graduação. Ainda estamos em fase de consolidação de projeto muito interessante e importante que envolve a implantação do programa de mestrado que contempla uma área voltada para a administração de negócios, para atender a realidade empresarial, que é fascinante.
Uma outra, muita nova e absolutamente pioneira, e da qual as pessoas não se deram conta ainda, é a de gestão regional. Nem todos perceberam o quanto é importante que existam profissionais preparados para entender, conhecer e analisar a região, não um Município. Simplesmente porque a regionalização é a contrapartida da globalização. Ou a gente faz isso com competência ou então vamos ser engolidos mesmo. E não estou falando só do Grande ABC. Estou falando do Brasil como um todo. O Brasil enquanto Mercosul e o Brasil e suas diversas regiões se agrupando sinergicamente na solução de seus problemas.
Outro dia um representante do Bird (Banco Mundial) fez interessante alerta sobre a preocupação desse organismo internacional a respeito dos pequenos municípios que surgiram no Brasil, e da forma que todo mundo sabe, sem maiores critérios, a partir da nova Constituição.
Esses municípios só agregam despesas. Não têm condição de resolver seus problemas, porque são dependentes de dinheiro do Estado e da União. Dinheiro que é retirado da sociedade em forma de tributos. A sociedade está bancando os mais de três mil municípios que surgiram no Brasil nos últimos 10, 12 anos. A solução para esses municípios, apontada pelo representante do Bird, é a união. Só assim deixarão de sugar tanto da sociedade. Ora, qual é a mensagem do Banco Mundial? É exatamente o cooperativo público, a busca de uma Câmara Regional.
Neste ponto, como se nota, estamos bem à frente do restante do País. E foi por inspiração da Câmara Regional que nasceu o Laboratório de Gestão da Sociedade Regional do Imes. Não é utopia pensar e agir com enfoque regional. Ao contrário: é perfeitamente possível, embora o Grande ABC ainda esteja muito no discurso e pouco na ação. O discurso do regional é forte, mas as ações nem tanto.
O trabalho que o Imes realiza de forma pioneira no Brasil, de conceituar e de atuar do ponto de vista regional, não foi captado por outras instituições acadêmicas, que ainda não atentaram para essa necessidade. O trabalho do Imes continuará isolado ou outros mantenedores educacionais vão abrir os olhos também? Enfim, qual vai ser o futuro da academia no Grande ABC? O mesmo desinteresse do passado, da maioria das instituições?
Silvio Minciotti – Algumas das instituições já se deram conta de que mercadologicamente é bom desenvolver atividades regionais porque dá espaço na mídia, entre outras vantagens. Desde 1981 o Imes desenvolve trabalhos de pesquisa por meio de um braço específico, o Inpes, e isso consagrou a instituição na atividade. Somos reconhecidos como fonte confiável de informações socioeconômicas do Grande ABC e isso nos dá, de fato, um forte apelo mercadológico. Por isso, estou contente que outras instituições da região se voltem para estudos regionais. Acho que não precisam necessariamente fazer a mesma coisa. Aliás, o melhor é que façam coisas que se complementem.
Isso quer dizer que finalmente foi rompido o distanciamento e, de agora em diante, teremos nova postura das entidades educacionais de Terceiro Grau em relação ao desenvolvimento sustentado do Grande ABC?
Silvio Minciotti – É um processo e, como todo processo, é lento. É difícil para uma instituição que não é da esfera pública aceitar investir nas coisas da região. O Imes investe em uma pesquisa semestral sobre o Grande ABC há 18 anos. Isso custa, e muito. O que as instituições de ensino precisam perceber é que o êxito mercadológico é decorrente da busca neurótica da excelência. Quem enxergar isso vai para a frente. Quem não enxergar vai ficar catando aluno na rua, pedindo pelo amor de Deus para tentar completar as vagas.
Não lhe parece que estamos fazendo muito barulho sobre as atividades da Câmara Regional enquanto a velocidade dos resultados está muito aquém das necessidades de uma região que ainda sente os efeitos da globalização e da abertura dos portos?
Silvio Minciotti – Considero a Câmara Regional uma instituição absolutamente importante e que justifica todo o esforço que se faça para que prospere. A Câmara é o caminho natural para se obter resultados no âmbito regional. O governo do Estado reconheceu claramente a importância da Câmara. Tanto que a tornou instrumento de governo. É uma maneira de governar, faz parte do processo de governar. Sinto isso como um dos representantes do governo na Câmara.
O que o governo do Estado ainda não conseguiu, embora tenha tentado muito, foi articular-se para dar respostas à Câmara Regional. A Câmara tem funcionários municipais que trabalham em período integral, alocados que são nas atividades do Consórcio Intermunicipal e na própria Câmara. O esforço tem sido no sentido de tornar a Câmara cada vez mais produtiva.
Resumidamente, diria que a Câmara consegue rapidamente harmonizar demandas de diferentes naturezas. Até aí tudo bem. O problema é que a Câmara chega com um pacote de reivindicações subdividido e distribuído a várias secretarias estaduais que, como se sabe, não têm a mesma velocidade de se juntar para definir as questões. É nesse ponto que o governo do Estado precisa encontrar respostas. Mas acho que rapidamente vai dar essas respostas.
Você tem formulada alguma sugestão prática para evitar que essa demanda concentrada se perca na pulverização das secretariais estaduais, emperrando o processo de soluções?
Silvio Minciotti – Acho que é muito simples e estamos trabalhando nessa direção. A proposta é que cada secretário estadual identifique na região outros representantes para que a gente possa ter agilidade. Traduzindo a fórmula: hoje temos dois secretários com representação na Câmara Regional. Um é o José Aníbal, de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, representado pelo Armando Laganá, e o outro o Walter Barelli, de Relações Trabalhistas, o qual represento. Os outros secretários podem designar representantes.
Esses nomes que venham a ser apontados terão atividade de militância mesmo, como é o meu caso. Não serão funcionários do governo do Estado. Esse grupo terá maior facilidade de se reunir para discutir as questões regionais e do governo do que os secretários estaduais. É preciso que o governo do Estado atente para essa representação porque a perspectiva é de que o volume de atividades vai aumentar muito com outras regiões que se mobilizam para ter câmaras regionais. Enfim, o governo do Estado precisa encontrar o seu modelo de respostas.
Certamente essa proposta já foi encaminhada ao governador Mário Covas. Além disso, há outros pontos importantes que também precisam ser adotados para dar maior dinâmica às decisões?
Silvio Minciotti – Em termos de decisões acho que é o suficiente, mas precisaríamos ter um pouco mais de cuidado no uso da visibilidade que a Câmara Regional oferece.
Um exemplo prático desse raciocínio?
Silvio Minciotti – Não se pode fazer o sacrifício do governo do Estado com a frequência que vejo quando eventualmente apresenta atraso numa decisão, enquanto não se lhe dá crédito quando consegue coisas interessantes. Esse é o limite do uso político da Câmara. Não sei se foi o uso indevido ou se a divulgação do fato foi indevida, mas por vezes vi na mídia informações que crucificavam o governo. Eventualmente, até com razão, mas com exageros desnecessários. E em tantas outras circunstâncias, quando o governo merecia crédito, não lhe foi dado crédito.
Teve algum caso que saltou aos olhos?
Silvio Minciotti – Teve. O Projeto Alquimia. Em momento algum se falou que o governo do Estado complementou a verba que a União não colocou. O Projeto Alquimia é mantido por dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e num determinado instante não veio para a região o montante que se esperava da União. Aí o governo do Estado complementou, por meio de sua parcela também provinda do FAT. Esse dinheiro poderia ter sido destinado para onde bem entendesse, e a opção de suprir a parte da União beneficiou o Grande ABC porque o entendimento é de que o projeto é interessante. Não consta de qualquer matéria jornalística essa informação. O Estado, é bom que se diga, não quer ficar competindo com ninguém. Só é preciso que todos entendam que isso tem de funcionar assim, isto é, ninguém é mais do que ninguém na Câmara.
Esse tipo de descontentamento pode implicar em problemas de relacionamento entre o Estado e o Grande ABC?
Silvio Minciotti – Ainda não chegou a tanto porque o Estado tem entendido que isso está mais no campo da inexperiência, da desinformação, até porque nos encontros pessoais entre representantes do governo do Estado e dos municípios se reconhece a importância dessa parceria. Tanto os méritos do governo como as críticas têm sido feitos de forma permanente. No âmbito do relacionamento pessoal, portanto, esse problema não existe. Só existe quando da existência de holofotes da mídia.
Como você observa a participação dos municípios na Câmara Regional? É verdade que temos uma realidade bem diferente de integração regional em relação aos prefeitos que antecederam os atuais, que pouco se importaram com o assunto. Mas já atingimos o nível de regionalização esperado?
Silvio Minciotti – Sem dúvida estamos muito melhor do que estávamos. Acho que atingimos nível que reputo bastante bom. Talvez entre 60% e 70% do desejado. Tem uma coisa que vai demandar tempo mesmo: é aquele momento em que um Município vai abrir mão de sua individualidade em benefício concreto da coletividade regional. Isso não atingimos ainda. Quem cavoucar direitinho vai encontrar algumas iniciativas que aparentemente até têm objetivos regionais, mas que no fundo, no fundo, são resultado de planos individuais, os quais prefiro não detalhar.
As eleições municipais deste ano serão forte obstáculo à consolidação da integração regional por meio da Câmara do Grande ABC ou conseguiremos superar as adversidades político-partidárias? Vamos conseguir passar por essa nova etapa sem sofrer solavancos?
Silvio Minciotti – Não acho que vamos ter muitos solavancos. Haverá mudanças aqui ou ali, mas essas mudanças tenderão a melhorar e não a piorar o quadro atual. O risco que eventualmente a Câmara Regional corre é de se politizar. Isso não acontece hoje. Não vejo essa intenção hoje, mas diria que se a gente não tomar cuidado, não se policiar bem, correremos esse risco.
Esses desvios aos quais você se referiu anteriormente, em créditos e débitos distorcidos, não têm conotação político-partidária?
Silvio Minciotti – Não, não. Acho que ainda é inexperiência. Aliás, voltando ao assunto, diria que é bobagem esse tipo de distorção porque quanto mais se mostrar o que o governo do Estado fez, mais se ressaltará a competência da Câmara Regional e de seus membros locais. É tolo imaginar que ao omitir o mérito do governo do Estado está-se beneficiando alguém. Num primeiro instante, numa visão superficial, pode-se achar que sim. O bom governo, na verdade, é aquele que consegue o atendimento de seus pleitos junto às autoridades superiores.
Conseguimos encaminhar ao deputado federal Luiz Carlos da Silva, e há perspectiva de que a bancada do Grande ABC no Congresso Nacional apresente projeto de lei nesse sentido, sugestão de aproveitar a experiência da Câmara Regional para reformular a legislação sobre Regiões Metropolitanas, implantada pelo Regime Militar e que jamais funcionou. Nossa proposta é que a Câmara Regional seja aproveitada em nível nacional como modelo a ser aperfeiçoado.
Silvio Minciotti – Entendo que o modelo de Câmara Regional será mais eficaz à medida que mais espontâneo for, porque isso caracterizaria grau de maturidade dos agentes envolvidos. Não adianta obrigar uma região que não se bica e que não se entende a compor uma Câmara, porque vai virar um local de brigas, de dissensões, de fofocas, de intrigas. Não acho que a compulsoriedade…
Mas essa compulsoriedade não estaria embutida no projeto de lei. Na verdade, teríamos parâmetros para o funcionamento do sistema. Afinal, o grande erro da legislação que está aí desde os anos 70 é que houve imposição de um modelo, resultado direto do regime ditatorial que vivíamos.
Silvio Minciotti – Lei para mim é a consolidação daquilo que o povo sugeriu. É aquilo que o jardineiro público faz. Ele grama tudo e deixa o povo andar. Depois que o povo fez a picada, ele vai lá e faz o caminho. Por isso acho que se deve deixar correr um pouco para que esse processo de Câmara Regional seja aperfeiçoado. Começam a pintar aqui, lá e acolá algumas regiões com suas Câmaras que podem aprimorar o processo.
Talvez seja precipitado achar que encontramos o melhor modelo. Aliás, acho que não encontramos o melhor modelo. Acho que a legislação é importante sim, mas não sei como evitar que a normatização incentive o oportunismo político e se constituam Câmaras Regionais pelo Brasil afora apenas para captação de recursos financeiros regulamentares. Por isso acho que o processo pode caminhar devagar.
Mas a legislação que venha a ser proposta com base na Câmara do Grande ABC é bem melhor do que está aí…
Silvio Minciotti – Eu acho particularmente, mas entendo que o presidente do Consórcio Intermunicipal não deveria ser o coordenador-geral da Câmara Regional.
Você acha que a Câmara torna o Consórcio desnecessário?
Silvio Minciotti – Talvez sim. Principalmente se a Câmara resolver os problemas. O Consórcio surgiu para resolver um problema específico, que era o lixo na Represa Billings. De repente, temos reunião de prefeitos do Consórcio e em seguida eles vão para reunião da Câmara Regional.
Como você observa o futuro do Grande ABC diante das dificuldades que vivemos de complicações imensas por causa da globalização e da abertura dos portos? Nossa matriz produtiva está envelhecida. Não estamos no mapa das inovações. Contamos com uma indústria automotiva que se descentralizou pelo Brasil afora, nossa indústria petroquímica também está superada pela química fina. Não temos indústria de tecnologia de ponta de informática, de biotecnologia, de robótica. Perdemos o poder de atração de grandes investimentos. No setor de comércio estamos estrangulados pelos grandes investimentos que sufocam os pequenos porque faltou aos administradores públicos o mínimo de salvaguarda ao equilíbrio socioeconômico. Como ficamos?
Silvio Minciotti – O quadro real não está longe do que você está colocando, mas há um ponto importante: temos condições mínimas de superar os problemas. Quais são essas condições? Primeiro: consciência dos problemas. Sabemos que não somos aquela maravilha que fomos durante muito tempo. Segundo: o movimento sindical é maduro. Está se dispondo a ser um bom parceiro. Defensor sempre dos trabalhadores, mas sem aquela coisa de radicalismo, disposto ao diálogo, a buscar soluções melhor negociadas e que não matem a galinha dos ovos de ouro. Nossos líderes sindicais hoje são muito melhor preparados. Terceiro: fala-se e pratica-se planejamento estratégico. Ainda que o plano estratégico vigente não seja o melhor, o planejamento é um exercício que se aprimora a cada ano. Quando uma região resolve parar para pensar estrategicamente, começa a trilhar excelente caminho. Por mais que critiquem o plano estratégico desenvolvido para o Grande ABC, e falo isso à vontade porque não participei dos trabalhos, trata-se de instrumento importante.
Com certeza, a indústria automobilística nunca mais será solução para o Grande ABC. Esqueçam, porque tende a contribuir cada vez com menos. Temos de buscar alternativas que passam pela estimulação de planos de médio e longo prazo. E isso é a única coisa que me preocupa de fato, porque no Brasil se dá muito valor ao imediato.
No dia em que a Imprensa parar de noticiar o lançamento de pedra fundamental para noticiar concretamente a abertura de negócio que efetivamente vai funcionar, esse quadro será alterado. No dia em que a Imprensa der valor, por exemplo, a quem está planejando e não a quem está prometendo bobagens, talvez tudo se altere. Esse imediatismo é que me preocupa.
É preciso que alguém pare e tome iniciativas cujos resultados vão acontecer daqui a 12 anos, que significam três mandatos de prefeito. É preciso que alguém tenha a dignidade de fazer isso e seja reconhecido por isso. A realidade é que a sociedade também não reconhece. Às vezes o homem público faz coisas interessantes e é esquecido.
São Caetano, por exemplo, precisa prestigiar a tecnologia de ponta, que é uma indústria vertical compatível com a pouca disponibilidade de área física. Precisa também prestigiar a universidade, transformando-se numa grande cidade universitária de modo a dar suporte ao parque industrial ao seu redor. São Caetano tem se preocupado com a qualidade de vida e isso é muito importante para o futuro. Na área de segurança, por exemplo, o Município tem oferecido série de suporte à Polícia. Nada mais lógico, porque quando uma empresa resolve ficar no Município, e na região, um dos fatores que mais pesam é a qualidade de vida em forma de segurança, da educação dos filhos, moradia de boa qualidade, transporte público.
Não acho que o Grande ABC terá melhorias no curto prazo. No curto prazo vai melhorar sim, espontaneamente. Vai melhorar com base na mão invisível da economia, porque as relações de mercado fazem com que tudo se ajuste. Mas é preciso que se pense no médio prazo. E no médio prazo isso decorre de nossas soluções.
Não lhe preocupa essa disparidade de forças no setor comercial, área em que os pequenos negócios estão sendo massacrados pelos grandes conglomerados nacionais e internacionais?
Silvio Minciotti – Preocupa. Preocupa, mas o caminho seria a preparação do indivíduo como empreendedor. Nesse ponto observo o papel importante do Sebrae. O Imes também está pensando nisso. Há condições para que o pequeno possa sobreviver e ser feliz. Ninguém precisa ser grande para ser feliz.
Temos notado que há uma euforia dos administradores públicos com a chegada de grandes negócios, que significarão maiores receitas tributárias, mas esquecem o ônus social de uma competição desigual com os pequenos.
Silvio Minciotti – No mundo todo vamos encontrar três ou quatro cadeias mandando no varejo do País…
Mas há em muitos países a preocupação com o impacto dessa competição desigual e a aprovação de medidas de salvaguarda.
Silvio Minciotti – Sem dúvida, sem dúvida. O que precisamos é ter essa questão devidamente planejada e, já na negociação para a chegada do grande investimento, estabelecer mix de atividades que determinem áreas que vão ficar por conta do pequeno varejo, além do quanto o grande conglomerado vai contribuir para o preparo do pequeno negócio.
Nenhum administrador público fez algo semelhante no Grande ABC e provavelmente no País até agora.
Silvio Minciotti – A solução é receber o grande negócio, mas deixar claro que a empresa precisa ajudar a não criar o caos em torno de seu investimento. Só isso. Não é solução impedir a chegada do investimento. Não podemos é ficar inertes. Pode-se criar, por exemplo, cooperativas de compras que possibilitem ao pequeno comerciante comprar tão bem quanto o maior.
O que é uma cooperativa de compras? Não é nada. É um escritório onde se concentram pedidos pequenos que viram pedidões e se negociam com fornecedores as melhores condições de preço e prazo. Com o crescimento da Internet, vira uma coisa virtual. Não tem mistério. Pode-se criar também cooperativa contábil com o suporte de informações que mantenha o sigilo da empresa, sem drama.
É possível ter um pequeno comprando tão bem quanto um médio. O varejo depende muito do poder de compra, porque na venda vai pesar o poder de serviço que se oferece. Na hora da venda não tem jeito: o comerciante vai ter de se diferenciar. Vai ter de ser bom vizinho. O bom vizinho que o grande não consegue ser. A relação de afetividade é questão mercadológica que pesa na fidelidade. Sinto que em algumas prefeituras da região já tem gente preocupada com as dificuldades do pequeno negócio nesse quadro de grandes investimentos no varejo.
Até janeiro de 1997, quando os novos prefeitos assumiram, não tínhamos qualquer Secretaria de Desenvolvimento Econômico nos Municípios da região. Entretanto, consideramos que as secretarias ainda estão aquém das necessidades estruturais. Como você observa essa avaliação?
Silvio Minciotti – Acho que espaço se conquista, limite se rompe. Cabe aos secretários municipais expandir suas pastas. É algo semelhante ao que se faz numa empresa privada, que exige planejamento, metas, essas coisas.
O que conforta, até porque essa foi uma luta da revista, é que estamos bem avançados em relação há três anos. E também porque até a avaliação e a execução de atividades voltadas para o setor econômico multiplicaram-se nos últimos anos. Antes, o desenvolvimento econômico do Grande ABC não constava da pauta dos administradores públicos. Agora virou prioridade.
Silvio Minciotti – É preciso entender que nos últimos cinco anos, um pouco menos talvez, não involuímos em nada. O máximo que aconteceu foi que estabilizamos. Entretanto, adquirimos consciência, fizemos coisas e isso é ponto positivo. Tivemos nesse período o que chamo de estagnação da deterioração, o que já é uma vantagem. Aliás, grande vantagem, enorme vantagem. Agora a tendência é de que os resultados surgirão. Esse esforço anunciado por Santo André de tentar revitalizar a indústria têxtil é um trabalho bonito. Pode não ser o grande salto à distância, não vai ganhar a medalha olímpica, mas é um passo.
Pode até não atender as necessidades tecnológicas de que tanto sofremos…
Silvio Minciotti – Um dia, alguém pensou em construir a muralha na China para gerar mão-de-obra. Tinha de botar o povo para trabalhar. Como se sabe, temos o desemprego estrutural e o desemprego conjuntural. O desemprego conjuntural é fácil de resolver, com uma medida aqui, uma correção ali. O desemprego estrutural é complicado. Acho que todo mundo vai ter de trabalhar menos e ganhar menos para que todo mundo possa trabalhar. Enfim, são soluções que vamos ter de encontrar porque não dá mais.
De um lado temos tecnologia que prescinde cada vez mais da mão-de-obra. De outro lado há crescimento vegetativo da mão-de-obra que, felizmente, não cresceu no ritmo previsto. Nesse ponto estamos falando de problemas nacionais. Nesse ponto não dá para separar o regional do nacional. Algumas políticas públicas nacionais da Federação têm de acontecer. Não dá para colocar uma redoma em volta. Não adianta falar que São Caetano é cidade maravilhosa se do outro lado do rio tem uma favela que, Deus me livre! O cara atravessa o rio e vem assaltar aqui.
O que o político Silvio Minciotti, que foi candidato a deputado federal pelo PSDB em 1994 e, mesmo sem dinheiro, conseguiu 24 mil votos, pensa de tudo isso?
Silvio Minciotti – Não me afastei do processo político; apenas me adaptei às minhas possibilidades. Não me candidatei nas eleições passadas porque não tinha condições financeiras. Sei que, com meus amigos, poderia chegar a 30 mil votos, um pouco acima dos 24 mil alcançados em 1994. Mas a partir dessa margem de votos precisaria de uma carga de recursos muito grande para poder complementar o necessário. Não tive tempo de arregimentar isso.
E tem mais também: não existe a figura do eu quero ser candidato. Candidato legítimo e bom é aquele que um grupo de pessoas convida: você precisa ser candidato. Muito francamente falando, isso não aconteceu nas eleições passadas, porque se tivesse acontecido talvez tivesse resolvido meu problema de recursos. Só que não percebi também o chamado clamor das ruas, entre aspas.
Estar ativo politicamente não significa ser candidato. Exatamente o que estou fazendo hoje. Sou um militante a serviço do governo do Estado, porque tenho consciência de que preciso ajudar meu partido. Estou mais ativo inclusive no próprio diretório municipal em São Caetano porque houve reconhecimento de alguns erros cometidos. Faço parte da executiva do PSDB, embora rompido com algumas pessoas com as quais continuo não comungando do pensamento. O contraditório faz parte da democracia. Provavelmente poderia voltar algum dia a pensar em me candidatar, menos para prefeito, porque não estou pronto nem preparado. Quem sabe esteja pronto a concorrer à Câmara Federal em 2002?
Nas eleições de 1998 para deputado federal, o Emerson Kapaz, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Estado e um dos responsáveis pela criação da Câmara Regional, teve 2.597 votos em todo o Grande ABC. Enquanto isso, o Celso Russomanno, profissional de mídia eletrônica que raramente aparecia na região, teve no mesmo pleito, para o mesmo posto, 14.799 votos. Será que o morador do Grande ABC é politizado?
Silvio Minciotti – Acho isso muito normal. Quantas pessoas lêem jornal. Esse número deve estar ao redor de 18% na região. Quem sabe o que é a Câmara Regional? Só quem lê jornal. E jornal regional. Se for jornal de fora da região, também não sabe. É preciso que a gente tenha consciência de que todo esse esforço é percebido por uma parcela pequena da população. O que está faltando é que esses formadores de opinião resolvam assumir o papel de formadores de opinião.
Mas temos outros dados que contrabalançam a goleada do Russomanno em cima do Kapaz, relativa ao mesmo cargo durante o mesmo pleito, isto é, a comparação não está distorcida. Trata-se do fato de que também temos uma camada da sociedade regional de nível mais elevado, de capacidade crítica mais forte. O Aluizio Mercadante, por exemplo, teve 49.346 votos, o José Genoíno 30.405, o Delfim Netto 10.451 e o Michel Temer, 20.044. Temos aí uma camada de formadores de opinião, que esses votos pressupõem, com preocupação mais macropolítica do que regional.
Silvio Minciotti – Quem expõe a Câmara Regional é a mídia local. Só. Os quatro deputados citados atuam num outro espectro, de mídia nacional. Além disso, temos também a militância bastante forte do PT na região. Em São Caetano, por exemplo, faça sol ou chova canivete, o PT vai ter 14% dos votos. Seja quem seja o candidato.
Isso quer dizer que o Jair Meneguelli não tem a menor possibilidade de superar o Luiz Tortorello?
Silvio Minciotti – Acho que não. Poderá ter mais do que 14% dos votos dependendo do quadro de candidatos. Se estiverem só ele e o candidato da situação, pode ser que ele ultrapasse 14%. Se tiver ele, o candidato da situação e uma outra alternativa, aí já não sei se Meneguelli consegue passar dos 14%. Emerson Kapaz só teve exposição na região em função da Câmara, que foi um trabalho importante, mas a votação que alcançou foi exatamente o que lhe cabia.
Até que ponto esse enclausuramento de potencial de votos do Grande ABC não preocuparia o candidato Silvio Minciotti?
Silvio Minciotti – Não preocupa porque acredito que qualquer candidato que se apresente à sociedade com plano de ação vai conseguir o suficiente para se eleger. Mesmo sem recursos financeiros, faltaram poucos mil votos para me eleger em 1994. Tive 18 mil dos 24 mil votos no Grande ABC. Não era conhecido, saí para a primeira experiência de urnas, todo ingênuo. O segredo foi que montei uma ação para levar ao eleitor informações a respeito do que pensava. Só que não ficava atirando o material na casa dos eleitores. Telefonava antes e pedia licença para a entrega do material. Depois de o eleitor receber o material, convidava-o para conversar comigo. Fiz uma ação qualitativa, adequada para eleição proporcional.
Muitos dos votos que Aluizio Mercadante, Michel Temer, José Genoíno e Delfim Netto andaram recebendo nas últimas eleições aqui na região certamente foram direcionados a você em 1994. Você deixou uma grande orfandade aqui?
Silvio Minciotti – Acredito que sim.
A renovação política no Grande ABC torna-se muito difícil devido à falta de mídia eletrônica de massa?
Silvio Minciotti – Muito, muito difícil. É nessa hora que se coloca o holofote em cima do candidato e se vê o que ele tem para falar. Tivemos casos de pessoas que ficaram 14 anos como vereador, sem nunca ter ido até a tribuna, e virar prefeito. Só que depois se candidata a deputado estadual e não tem voto. Por que não tem voto? Porque acredito num novo eleitor disposto a votar bem. Muitos candidatos insistem em velhas fórmulas de buscar votos e gastam mais do que o necessário.
Como se consegue eleger-se? Ou se tem uma militância que acredita nas propostas do candidato e do partido ou então se tem muito dinheiro. Acredito que existe um eleitor com nova postura e que busca o bom candidato. Democracia dá trabalho, tem de ser construída. Quem fica em casa não tem direito de reclamar. Por vezes me decepcionei com eleitores que pediam favores em troca de voto. Sem contar que perdi muito tempo para entender que parte da população não entende a função de um deputado federal, confundindo-a com a de vereador ou deputado estadual.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira