Ribeirão Pires é uma cidade em movimento. Depois da transformação oficial em estância turística em 1999, o Município caminha para a conversão econômica que vai definir seu futuro. A atividade industrial sai do papel principal e passa a ser coadjuvante dos empreendimentos de lazer e entretenimento. Com 100% do território em áreas de mananciais e muito verde, o Município está aberto, mas não pronto, para a nova realidade.
No comando da aprazível cidade com ares de serra, a única prefeita do Grande ABC, amante declarada de mar e praia, estima em 15 anos o tempo necessário para a transformação. A professora Maria Inês Soares, que há quatro anos conhecia a cidade apenas sob a ótica do cidadão comum, não fala apenas sob a ótica e a intuição feminina. Ela credita a seu governo do PT a largada do processo de transição. Presente que chega sob medida para o Município de 100.335 habitantes, de acordo com o censo de 1996 que acabou de completar 46 anos e passou mais de três décadas engessado pela Lei de Proteção aos Mananciais.
Mesmo com endividamento sob controle, situação que poderia causar inveja aos principais municípios do Brasil, Ribeirão amarga perto de R$ 10 milhões de perda em arrecadação nos últimos quatro anos. A capacidade de investimento é baixa, mas o potencial natural do Município, que conseguiu manter-se livre do crescimento desordenado, desponta como grande trunfo. Não fosse assim, Maria Inês Soares talvez não demonstrasse tanta disposição de concorrer à reeleição.
A prefeita de Ribeirão Pires, 44 anos, assídua nas discussões regionais e ex-coordenadora da Câmara Regional, recebeu a reportagem para uma conversa de mais de três horas. Entre as revelações de que detesta cozinhar e sonha conhecer a Europa, Maria Inês falou de expectativas, realizações, participação e até de erros de seu governo.
A professora Maria Inês que assumiu a Prefeitura de Ribeirão em 1997 surpreendeu-se com o que encontrou nos bastidores do Executivo?
Maria Inês Soares – Havíamos preparado as propostas de campanha sob a ótica do cidadão comum. As informações eram limitadas e não conseguimos obter dados precisos nem durante o governo de transição, logo após ganharmos as eleições. Aparentemente os números não nos foram negados, mas como eram incompletos, dificultaram o trabalho.
Além da falta de dados, o grau de dificuldade também estava relacionado a problemas financeiros?
Maria Inês – As finanças não eram a pior parte. A ausência de dados socioeconômicos e até informações básicas sobre equipamentos públicos e funcionalismo atrasou a implantação das primeiras propostas. Não havia como planejar as ações e tivemos de partir atrás da informação. Faltava até mapa atualizado da cidade, por isso fizemos levantamento aerofotométrico para radiografar a cidade.
A exemplo de outras cidades do Grande ABC, a dívida da Prefeitura de Ribeirão estava subestimada?
Maria Inês – Só levantamos os números da dívida depois de assumir o governo. Apenas o débito com precatórios era equivalente a 1,5 orçamento da época. Havia ainda dívida referente a obras negociada com a Caixa Econômica Federal em 10 anos. Recentemente, com base na lei federal, renegociamos o prazo para 30 anos, o que aumentou nosso fôlego.
Qual é o endividamento do Município?
Maria Inês – Só de precatórios ultrapassa R$ 27 milhões. É quantia considerável se comparada ao orçamento deste ano, de R$ 39 milhões. Hoje temos um precatório negociado e pagamos muitas dívidas com encargos trabalhistas, aqueles débitos que devem ser quitados em dia para que o Município não fique inadimplente. Ribeirão Pires é um Município apto a buscar linha de crédito. Cerca de 10% de nossa receita anual está comprometida com o pagamento de dívida. Herdamos a Prefeitura com R$ 49 milhões de débitos, ou seja 149% da receita arrecadada em 1996. Hoje devemos R$ 58 milhões ou 145% da receita de 1999, mas os débitos estão equacionados.
O governo Maria Inês Soares vai terminar sem dívida?
Maria Inês – Não, mas vamos terminar sem dívidas do nosso governo. Todos os débitos, inclusive precatórios, estarão equacionados até o final do ano. É uma situação que me dá orgulho. A negociação da dívida com a Sabesp foi saída interessante. A Prefeitura entregou para a Sabesp cerca de 50 quilômetros de redes de esgoto construídas com recursos municipais e avaliadas em R$ 2,3 milhões para pagar o débito com a estatal. Para zerar de vez a dívida, falta negociar apenas alguns detalhes. O que devemos hoje para a Sabesp não ultrapassa R$ 200 mil. Com a Eletropaulo só não fechamos ainda o acordo por conta da discordância de valores. Até agora a Eletropaulo não apresentou documentos oficiais que comprovem o valor da dívida.
O conforto da situação financeira é extensivo à capacidade de investimentos?
Maria Inês – Bem que eu queria pagar a dívida e ainda ter capacidade de investir. Mas optamos por trabalhar de maneira responsável, dentro da capacidade que temos de arrecadar. Hoje temos uma das melhores condições financeiras entre as prefeituras do Brasil. O déficit foi reduzido e devemos fechar 1999 com apenas 1,5%, e isso evitará problemas se realmente a Lei de Responsabilidade Fiscal for aprovada. Por outro lado, temos a menor receita per capita da região. Só não perdemos para Rio Grande da Serra. Sobra muito pouco para investir, mas é com esse mínimo que estamos trabalhando.
A baixa capacidade de investimento está também relacionada à perda de arrecadação?
Maria Inês – Temos perdido de duas formas. Primeiro, porque o bolo do ICMS do Estado tem diminuído e naturalmente a parte que nos cabe também decresce. Em quatro anos de governo a perda na transferência de ICMS deve atingir R$ 5 milhões, 30% no período. É muito dinheiro para um Município do tamanho de Ribeirão Pires.
A evasão industrial é a segunda responsável pela queda na arrecadação?
Maria Inês – Perdemos indústrias importantes. A Constanta, do Grupo Philips, tradicional na cidade, não foi totalmente fechada mas teve as atividades drasticamente reduzidas. A Brosol foi comprada pela Dana Albarus e transferida para Diadema. Recentemente perdemos também a Polarfix para Mauá. A empresa trabalhava em galpão alugado, comprou área no Pólo de Sertãozinho e se transferiu. Pela projeção do Valor Adicionado do ICMS, as perdas na arrecadação devem continuar ainda por uns dois anos, na melhor das hipóteses.
Como a Prefeitura se posiciona diante das especulações de que a Indústria de Móveis Bartira, do Grupo Casas Bahia e uma das principais contribuintes do ICMS de Ribeirão, possa ir para São Caetano?
Maria Inês – Temos de acreditar na palavra da empresa. Conversei pessoalmente com diretores da Bartira e obtive a informação de que a fábrica vai continuar em Ribeirão. A Prefeitura está à disposição para discutir, mas infelizmente a decisão não é nossa. Até prova em contrário, acredito na palavra que a empresa me deu.
A Prefeitura pensa em oferecer algum tipo de benefício fiscal para conter a evasão industrial?
Maria Inês – Não. Tenho um acordo com a região e costumo cumprir minha palavra. A hipótese não me passa pela cabeça, principalmente porque defendo a Lei de Incentivos Seletivos que estabelece percentual determinado de benefícios para quem se instala ou amplia. A lei, acordada na Câmara Regional do Grande ABC e que deve ser votada pelas Câmaras Municipais, permite a cada Município oferecer as vantagens que julgar mais convenientes. Pode ser em áreas, em redução de impostos ou em infra-estrutura, desde que o valor seja o mesmo em todas as cidades.
Ao mesmo tempo que Ribeirão perde atividade industrial, tenta buscar o desenvolvimento sustentado na área de turismo. Já existem investimentos no setor?
Maria Inês – Conseguimos avançar mais do que tínhamos proposto. Criamos o Centro de Informação Turística, o Serviço de Atendimento ao Empresário e fomos atrás de linhas de crédito do Fungetur, do BNDES e da Caixa Econômica Federal para os investidores.
O empresário interessado em investir na cidade tem algum tipo de atenção especial da Prefeitura?
Maria Inês – Além do serviço de abertura de empresa em 24 horas, oferecemos assessoria por meio do serviço aerofotogramétrico. É uma ferramenta que nos permite monitorar várias vertentes do desenvolvimento econômico. Por exemplo, a distância geográfica entre estabelecimentos comerciais similares, o sistema viário e os principais acessos.
Existem empreendimentos concretos no setor turístico?
Maria Inês – É um trabalho de médio prazo. Todos os empresários da cidade envolvidos com o setor aprenderam a discutir com a Prefeitura. O Sítio Nardelli, tradicional na cidade, até pouco tempo só era alugado para festas. Agora está sendo ampliado com construção de restaurante e de chalés. Também o Hotel Estância Pilar investiu recentemente na abertura de trilha ecológica para oferecer mais opções aos hóspedes. Recentemente a Prefeitura foi procurada por casal de médicos interessado em montar spa no bairro de Ouro Fino. Os interesses são manifestados de todos os lados, mas a situação econômica do País ainda retarda as decisões.
Há algum estudo para incentivar o turismo de pequenos negócios com atividades comerciais específicas, a exemplo dos bordados de Ibitinga, das malhas de Campos do Jordão e dos móveis coloniais de Embu?
Maria Inês – Já temos a linha de souvenir, que não pode faltar em nenhuma cidade turística. Em Ribeirão Pires não existe tipo de comércio que expresse a cultura da cidade. Para dar certo, esse tipo de atividade precisa ser autêntico. Por meio de pesquisa detectamos que em outras épocas a cidade teve a tradição da cerâmica figurativa. Mas o trabalho não teve continuidade e só conseguimos encontrar uma pessoa que ainda se dedica à arte.
O turismo tende a ser a principal atividade econômica de Ribeirão Pires, que ainda tem na indústria a maior fonte arrecadadora. Quanto tempo a senhora estima para a conversão?
Maria Inês — Acredito que a grande contribuição deste governo para o Município é sedimentar a transição para o futuro. A indústria ainda será por bom tempo nossa principal fonte de arrecadação. Imagino que o turismo só vai ocupar esse lugar daqui a 15 anos, tempo necessário para a cidade ser conhecida e ter infra-estrutura. Não é um trabalho apenas para o Poder Público. A iniciativa privada será o principal agente da mudança. A Prefeitura entra apenas com o suporte. É importante também que a população seja educada.
Ribeirão Pires é considerada conservadora. A prefeita Maria Inês avaliza esse conceito? Como é a participação popular em Ribeirão Pires?
Maria Inês – Ribeirão não exibe o contraste socioeconômico das outras cidades da região. O Município não tem histórias de movimento popular como as outras cidades do Grande ABC onde se registrou explosão demográfica. E o movimento popular é originário das populações menos favorecidas. Por outro lado, também nunca foram representativas as organizações de empresários e comerciantes. Aqui a participação popular também é maior onde existem mais problemas. Em alguns bairros problemáticos já chegamos a reunir 300 pessoas, enquanto no Centro da cidade apareceram quatro.
Pode-se concluir que Ribeirão Pires ainda não pode ser considerada uma cidade politizada?
Maria Inês – Acho que uma cidade só é politizada quando o movimento popular continua ativo quando muda o governo e se perdem conquistas anteriores. Não vejo isso na região. O Orçamento Participativo foi canal aberto pelo meu governo e não uma reivindicação da população. Ribeirão só será politizada se ao término do meu governo a população continuar a exigir participação, independentemente de quem seja o sucessor. Desconfio que as pessoas ainda não se apropriaram devidamente desse canal.
É fácil enfrentar reuniões com moradores descontentes?
Maria Inês – Durante a campanha eleitoral não fiz promessas; assumi compromissos. Costumamos fazer duas rodadas de plenárias nos bairros. Geralmente nos períodos que antecedem a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e o orçamento. Quem vota são os conselheiros, mas todos que participam da reunião podem indicar melhorias. O legal é que, muitas vezes, conselheiros de um bairro votam em obras que favorecem outros bairros porque conseguem ter a dimensão do grau de importância e de prioridade.
Pelos investimentos da Sabesp no Município, que já somam quase R$ 1 milhão, dá para concluir que seu governo tem bom relacionamento com o Palácio dos Bandeirantes?
Maria Inês – Temos relação muito boa com o governo estadual. Chega a ser mais fácil falar com o governador Mário Covas do que com alguns secretários. Os investimentos da Sabesp na cidade são muito importantes. Para se ter idéia, Ribeirão Pires não tinha rede de esgoto no Centro.
E os esgotos da área central eram lançados onde?
Maria Inês – Estavam ligados diretamente à rede de drenagem de águas pluviais. Eram dois problemas. Quando fazia sol, o cheiro ficava insuportável, e quando tinha enchente, o esgoto emergia pelas ruas. Nosso relacionamento com a Sabesp está sedimentado em parceria, em muita conversa, e hoje conseguimos falar da cidade como um todo. O recente acordo do coletor-tronco assinado na Câmara Regional também vai beneficiar muito Ribeirão Pires.
Como a senhora avalia a integração regional com base no período em que coordenou a Câmara do Grande ABC?
Maria Inês – Subimos um degrau na qualidade do trabalho. É natural avançarmos nos acordos políticos nos pontos em que o governo do Estado já estava predisposto, naquilo que já estava nos planos. Isso não desmerece de forma alguma todas as conquistas. Demos saltos em pontos, como na definição da região que queremos no futuro. Assim, temos noção de onde buscar os recursos necessários para viabilizar os principais projetos, mas temos sobretudo a clareza de que nem tudo precisa vir do governo do Estado. Há outros caminhos que podem ser percorridos.
Na verdade, o governo não nos deu nada. Nós conquistamos tudo e mostramos capacidade de articulação que nenhuma outra região do Brasil possui. A participação ainda não é a ideal. O setor automotivo não caminhou muito na Câmara Regional porque as montadoras preferem falar diretamente com o governo federal. As empresas acreditam que o ganho é mais rápido.
A Câmara Regional tentou cooptar também o governo federal?
Maria Inês – Fizemos algumas tentativas de envolver o governo federal, mas não fomos felizes. Da mesma forma, ainda não conseguimos envolver toda a sociedade, todo o empresariado. O peso que se jogou na instituição não foi homogêneo. Mesmo assim, o caminho aponta para o aperfeiçoamento, sem o vínculo com o prefeito ou governo que esteja eleito. O grau de mobilização hoje existente no Grande ABC quebra a resistência de qualquer governador do Estado que não tenha a predisposição de conversar com a região.
O envolvimento na Câmara é mesmo com as questões da região? Não existem casos de participantes que resolveram seus problemas domésticos e depois foram para a casa?
Maria Inês – Nenhum parceiro ficou até resolver seu problema e caiu fora. O que pode acontecer é que alguns municípios ainda não acreditam na utilidade da Câmara e, consequentemente, não enxergam vantagens no trabalho regional. Acreditam que é melhor resolver seus problemas individualmente e, mesmo que não consigam, não será a Câmara que vai facilitar. Mesmo os municípios que jogam peso no trabalho regional não descuidam daquilo que é específico. Ribeirão, por exemplo, joga peso no Grupo Regional de Turismo.
Depois do estágio alcançado pela Câmara Regional, ainda seria necessário transformar o Grande ABC numa Região Metropolitana, como já se tentou articular diversas vezes?
Maria Inês – Mais importante que a institucionalização é as pessoas ganharem consciência da integração. O Eixo Estruturante 6 — Da Identidade Regional e Estruturas Institucionais — toca no assunto, mas ainda é preciso amadurecer a discussão.
A Maria Inês candidata à reeleição vai concorrer com os mesmos adversários que derrotou na última eleição?
Maria Inês – Meu nome já está aprovado pelo partido. Eu diria que os concorrentes podem mudar de nome, mas as idéias devem continuar as mesmas. Há uma diferença. Dessa vez sou mais conhecida, mas meus potenciais concorrentes também são nomes conhecidos na cidade. Pelo menos saímos em pé de igualdade.
O relacionamento Maria Inês Soares e funcionalismo está pacífico, depois do corte de vários benefícios?
Maria Inês – Vou pagar o preço da minha inexperiência até o fim do governo. O prefeito anterior me preparou uma cama de gato e eu caí. No último mês de seu mandato ele concedeu 12,5% de reajuste, cesta básica, plano de saúde para todos os funcionários e familiares, além de vale-transporte até para quem não precisava. Ele deu o reajuste no papel, mas não pagou. Como decidi não entrar na Justiça para evitar confronto com os servidores, o custeio da máquina pulou de 35% para 70% por conta das melhorias. Aí não teve jeito. Tive de reduzir os benefícios e, o que é pior, não consegui dar nenhum reajuste de salário. Hoje a voz corrente é de que o governo da Maria Inês não deu nenhum aumento, apesar de ter pago os 12,5% de reajuste. A fama ficou com o governo anterior.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira