Vêm mudanças por aí na legislação da Região Metropolitana da Grande São Paulo. A sinalização parte de forma comedida e cuidadosa de Maurício Hoffmann, dirigente da Assessoria Técnica da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, cujas atribuições envolvem o desenvolvimento de trabalhos técnicos que fundamentam a criação de regiões, em particular das regiões metropolitanas. Maurício Hoffmann é um dos principais executivos públicos do Estado que tratam de metropolização. Participou diretamente da formulação das regiões metropolitanas da Baixada Santista e da Grande Campinas.
Nesta entrevista por e-mail, Maurício Hoffmann entreabre a porta de novidades sobre transformações que deverão marcar o fim do estado moribundo da RMSP. Entretanto, o dirigente não vai muito além de uma pitada de informações. Só antecipa que a questão será amplamente debatida com o que chama de todos os atores envolvidos no processo.
Informações do secretário de Transportes Metropolitanos à Assembléia Legislativa, Claudio Senna de Frederico, revelam que o governador Mário Covas não encerrará o segundo mandato sem aprovar a reformatação da Região Metropolitana de São Paulo. A ação estaria sendo tratada como choque elétrico na inerte estrutura legal e prática do espaço socioeconômico mais importante da América Latina.
Região Metropolitana é um dos assuntos-base da linha editorial de LivreMercado e de CapitalSocial Online. A importância estratégica de mudanças legais e estruturais na legislação e seus efeitos na economia do Grande ABC vão sendo assimilados pela comunidade. A Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), do presidente Wilson Ambrósio da Silva, está programando encontros para debater o assunto. O Fórum da Cidadania de Fábio Vital também resolveu agir. Embora a proposta de metropolização do Grande ABC tenha sido iniciativa do ex-deputado estadual Clóvis Volpi, o tema só se manteve na pauta regional porque LivreMercado e CapitalSocial Online não o deixaram cair no esquecimento.
Temos afirmado ao longo dos anos que a legislação sobre regiões metropolitanas que atingiu nove Capitais brasileiras e arredores, fruto do regime militar, ficou muito aquém das expectativas. A realidade da baixa qualidade de vida das regiões contempladas pela legislação é maior prova disso. Como você interpreta historicamente esse quadro? A flexibilidade estadual do conceito de região metropolitana, que agora se expande para a Baixada Santista e a Grande Campinas, não é uma prova eloquente de que está na hora de a legislação federal ser profundamente revista?
Maurício Hoffmann – Passados 26 anos da instituição da Região Metropolitana de São Paulo, não há como negar que os resultados deixaram a desejar. Culpar o fracasso por se tratar de uma legislação vinda de um governo militar é reducionismo, ouso dizer, confortável. Escamoteia questões relevantes, como a complexidade dos problemas envolvidos, o noviciado da experiência e, principalmente, a dificuldade de sintonia política para concretizar fundamentos importantes embutidos na lei, em particular a interação sistêmica entre os diversos atores envolvidos.
Sem dúvida alguma, a redemocratização do País permitiu concepção organizacional mais transparente, mais participativa e democrática. Nem tanto, talvez, quanto muitos gostariam. O fundamento da maior parte dos grandes problemas permanece, acrescido de algumas nuances novas decorrentes das transformações econômicas verificadas ao longo dos últimos anos. E, em apoio a minha afirmação, a interação entre os atores ainda é algo problemática e conflituosa, fruto até mesmo da maior liberdade de expressão.
Entendo que a legislação federal merece ser revista, principalmente no que diz respeito à concepção dos mecanismos de decisão, cuja experiência temos vivenciado com a implantação das regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas. Não nos iludamos, porém, que o regimento adotado na concepção das novas regiões seja, por si só, suficiente para resolver os problemas a serem enfrentados, mesmo com a chancela democrática.
O que a legislação estadual, que confere à Baixada Santista a formalidade e à Grande Campinas os conceitos de metropolização, apresenta de diferente em relação à normatização federal da Região Metropolitana da Grande São Paulo? Quais foram os erros que legisladores paulistas, assessorados pelo governo do Estado, evitaram cometer com relação às novas regiões metropolitanas? E quais os pontos que mais avançaram?
Maurício Hoffmann – A legislação estadual incorpora dispositivos das Constituições Federal (1988) e Estadual (1989), inovando no fato de conceituar as novas figuras territoriais, isto é, região metropolitana, aglomerado urbano e microrregião. Também inova na formatação de um Conselho de Desenvolvimento paritário entre Estado e municípios, na proposição de criação de autarquia nas regiões metropolitanas, e na admissão da sociedade civil. Nesse contexto, é mais apropriado falar em expectativa de acertos, já que se passa a um novo modelo. As inadequações, se houver, serão reveladas ao longo do tempo.
Há outras regiões no Estado de São Paulo que comportam configuração legal de regiões metropolitanas? O Vale do Paraíba, a Grande Sorocaba e a Grande Ribeirão Preto, por exemplo, sustentariam estudos nesse sentido ou há outro tipo de alternativa para despertar ações sinérgicas entre Poder Público, agentes econômicos e comunidade?
Maurício Hoffmann – A condição necessária para criação de região metropolitana é preencher os requisitos estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual. Os estudos desenvolvidos pela Secretaria de Economia e Planejamento concluíram pela implantação das regiões metropolitanas da Baixada Santista, Campinas e a adequação da Grande São Paulo. Outros estudos, elaborados conjuntamente com a Fipe/USP e Unicamp, confirmam em grande medida a identificação dessas três áreas metropolitanas. Em termos de estrutura organizacional, as outras figuras constitucionais (aglomerados urbanos e microrregiões) devem também contar com conselhos e fundos de desenvolvimento, excluindo-se apenas a obrigatoriedade da criação de uma autarquia. O necessário para despertar ações sinérgicas e, do mesmo modo, uma verdadeira interação de interesses regionais e solução de problemas comuns. Com uma Secretaria Executiva sendo exercida, por exemplo, pela Secretaria de Economia e Planejamento, facilita-se a integração sistêmica entre os diversos atores envolvidos.
Como se explica o fato de o Grande ABC, decididamente detentor de todas as características físicas e territoriais, culturais e econômicas, continuar fora do regime de metropolização? Até que ponto o fato de estar inserido na Região Metropolitana de São Paulo interfere nas possibilidades de libertação do Grande ABC. A possibilidade de serem criadas espécies de sub-regiões na RMSP existe de fato? E o que isso significaria efetivamente para o Grande ABC? Quais seriam os critérios para essas subdivisões?
Maurício Hoffmann – O ABC não está fora do regime de metropolização, pois é parte integrante desse processo. Não concebemos uma região metropolitana onde o principal elemento do sistema seja excluído, no caso isolar o ABC do Município de São Paulo e de outros a ele conurbados. Porém, dado a complexidade e gigantismo do sistema metropolitano, pois se trata de um dos maiores espaços metropolitanos do mundo, acreditamos que cabem reflexões sobre mecanismos operacionais de discussões e decisões de problemas comuns em base de subsistemas e nunca um isolamento territorial de alguns municípios. Sem dúvida alguma, uma figura desse tipo redundaria em dificuldades de administrar problemas comuns mais amplos. A forma, contornos e mecanismos de gestão ainda estão em estudos no âmbito do governo estadual, devendo ser amplamente debatidos com os atores envolvidos no processo.
Qual sua avaliação histórica sobre a Emplasa (Empresa de Planejamento Metropolitano da Grande São Paulo)? A falta de resultados positivos decorre da legislação federal que não observou as realidades específicas de cada metrópole ou a Emplasa, teoricamente como organização gestora, não teve a necessária competência para fazer acontecer?
Maurício Hoffmann – Como anteriormente ressaltado, entendemos que o problema maior residiu na falta de cultura política que possibilitasse interação efetiva entre os diversos atores envolvidos na solução de problemas extremamente complexos. Lembramos, além do mais, que vivemos em regime de economia de mercado, portanto de planejamento indicativo e não impositivo.
A questão do êxito não é a falta de amparo legal/institucional. Recai basicamente na diversidade de interesses, conflitos de soberania e questões de ordem política. Focar a Emplasa como responsável pelo não funcionamento da gestão é desconhecer a amplitude dos problemas envolvidos. Lembramos a existência do Consulti e do Codegran, conselhos responsáveis pelas decisões de caráter metropolitano e que não apresentaram a eficácia esperada. Ressaltamos que a Emplasa é composta por um corpo técnico de alto nível, cabendo-lhe unicamente as questões de planejamento e não de decisão.
Do ponto de vista político, como a Assembléia Legislativa tem absorvido a determinação do governo estadual de criar novas regiões metropolitanas?
Maurício Hoffmann – A Assembléia Legislativa faz seu papel, elaborando propostas que julgue pertinentes. Ao Poder Executivo, pela legislação, cabe verificar a adequação técnica das propostas de organização territorial. Nesse contexto, são inevitáveis alguns conflitos de entendimento. Ilustrando: na legislatura passada foram apresentados mais de meia centena de projetos de lei complementar criando regiões metropolitanas no Estado de São Paulo. Cabe à Secretaria de Economia e Planejamento, em obediência à legislação, atestar tecnicamente o enquadramento territorial proposto. Por fim, lembramos que a competência da criação de regiões é do Poder Executivo, pois objetiva a racionalização da ação do Estado em um determinado espaço territorial.
Como se dá, de forma efetiva, essa racionalização?
Maurício Hoffmann – O conceito de racionalização no trato das políticas públicas é amplo pela própria característica da ação governamental. Trabalhando com amplo espectro de projetos, atividades e programas, sua racionalização passa pela interação entre os diversos agentes públicos e privados. Busca-se maior eficiência e eficácia na tratativa de problemas comuns e no uso dos recursos, no fomento a parcerias, na criação de sinergia entre as diversas instâncias de governo e na maior transparência na tomada de decisões, entre outras.
Como o senhor analisa o mapa de investimentos anunciados no Estado de São Paulo, que aponta cada vez mais recursos para a área industrial na chamada região metropolitana expandida da Grande São Paulo? As regiões de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba são mesmo os novos endereços do desenvolvimento industrial do maior Estado da Federação? O que isso interferirá nos conceitos de metropolização?
Maurício Hoffmann – O investimento concentra-se em torno de um raio de 160 quilômetros do centro da cidade de São Paulo. A problemática da localização privada de empreendimentos segue, em última instância, a filosofia empresarial. Ao governo cabe induzir a descentralização dos investimentos, propiciando, principalmente, infra-estrutura básica de transportes, comunicação e energia, entre outros.
A desconcentração verificada ocorre de forma concentrada, dentro da dinâmica do próprio setor produtivo. A interdependência setorial entre investimentos implica na criação de fluxos inter-regionais de bens e serviços e na densificação do processo de internalização de renda. Os problemas, nesse contexto, passam a ser supramunicipais, contribuindo na configuração da metropolização ou de outras figuras territoriais de menor porte, como as aglomerações e microrregiões.
Uma das reclamações que mais se ouvem sobre as novas regiões metropolitanas paulistas está relacionada à participação do Estado. Afirma-se que compartilhar decisões com o governo estadual retira a liberdade dos municípios envolvidos. Não parece estranho tal argumento?
Maurício Hoffmann – Os gastos com custeio e investimentos do Estado nos municípios — através de políticas públicas setoriais de educação, saúde, segurança, transportes, entre outras — e a necessidade, muitas vezes, de normatização de legislação de âmbito supramunicipal tornam obrigatória a presença estadual no Conselho de Desenvolvimento. Até há pouco tempo as decisões eram no âmbito estritamente estadual. É inegável reconhecer a pré-disposição do Estado em avançar em mecanismos institucionais que possibilitem a participação dos municípios e da sociedade civil, mesmo que indiretamente, na tomada de decisões.
Como a capacidade de dispêndio do Estado é maior que a do Município, e lembrando ainda a restrição de recursos orçamentários, é natural a existência de alguns conflitos de interesses. Como discuti-los se o Estado for alijado dos Conselhos de Desenvolvimento? Em síntese, seria um retrocesso o isolamento de qualquer esfera de poder nos Conselhos de Desenvolvimento, cuja estrutura obedece a dispositivos constitucionais.
Temos quem entenda, como o prefeito Celso Daniel, de Santo André, que a separação legal do Grande ABC do conjunto da Região Metropolitana de São Paulo provocaria distanciamento do governo do Estado e provocaria rupturas nos estudos e ações conjuntas. O senhor faz parte dessa corrente ou entende que a separação jurídica de uma eventual Região Metropolitana do Grande ABC da Região Metropolitana da Grande São Paulo apenas racionalizaria as ações do ponto de vista de logística operacional, mas com amplos resultados positivos pela capacidade de integração mais racional dos sete municípios?
Maurício Hoffmann – Concordo com a opinião do prefeito Celso Daniel. Estou convicto, porém, que podem ser estudadas formas inovadoras de gestão que não isolem o ABC e contemplem, ao mesmo tempo, subsistemas de gestão. O objetivo a ser buscado é potencializar as individualidades características do ABC no contexto de um espaço metropolitano mais amplo.
Então, do ponto de vista político não haveria dificuldade para amarrar a separação jurídica metropolitana do Grande ABC à lógica da sinergia operacional. Isto é, o governo teria argumentos para convencer o prefeito de Santo André?
Maurício Hoffmann – A Região Metropolitana de São Paulo, da forma como hoje é concebida, é sem dúvida um dos principais e mais complexos espaços metropolitanos do mundo. O grande desafio que se apresenta é como tratar as individualidades sub-regionais sem perder a interação com os demais componentes do mesmo espaço, que certamente compartilham os mesmos problemas do todo metropolitano. O modelo a ser buscado é o de potencializar as vocações e racionalizar o conjunto urbano.
O professor Jeroen Klink, especialista em regionalismo, com experiência internacional, disse na última edição de nossa revista que a metropolização legal do Grande ABC poderia, sim, ser fator importantíssimo na proposta de criação de um banco de fomento para a região, uma réplica do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A explicação é que a RMGABC daria maior consistência às atividades de integração entre os diversos agentes sociais, políticos e econômicos da região e, daí, seria um passo em direção a um organismo financeiro capaz de financiar parte do desenvolvimento regional. O senhor acredita que essa é uma grande saída para a dificuldade que o Grande ABC tem enfrentado com a falta de financiamentos oficiais, decorrente, entre outras razões, da falta de representatividade política?
Maurício Hoffmann – Não obstante a idéia seja interessante, nos parece carecer de factibilidade. Não acredito que haja ambiente propício, política e economicamente falando, para tal iniciativa. Haveria, sem dúvida alguma, reivindicações semelhantes de outras regiões caso isso fosse concretizado. Além do mais, onde os recursos seriam buscados, já que se trataria de financiamentos com recursos públicos, decorrendo daí uma série de implicações? Não acredito na falta de representatividade política, pois a área conta com políticos de expressão na política nacional. O âmago da questão reside na escassez de fontes de recursos, insuficientes para a solução dos inúmeros problemas regionais.
Os recursos seriam originários, entre outras fontes, dos depósitos no FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e de outras fontes envolvendo trabalhadores e empresas do Grande ABC. Essa perspectiva torna a proposta mais factível?
Maurício Hoffmann – Vejo com muita cautela vinculações de receitas ou fontes como fomento ao desenvolvimento de regiões. Experiências anteriores tiveram resultados questionados. Por outro lado, o FGTS é administrado em nível federal e operado pela Caixa Econômica Federal, o que torna difícil qualquer espaço para negociação. O que seria factível é a criação de um Fundo de Desenvolvimento gerenciado pelo Estado e municípios, cujos recursos teriam como fonte os orçamentos próprios e outros captados em organismos de fomento.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira