Entrevista Especial

Grande São Paulo
atrapalha o Estado

DANIEL LIMA - 05/11/2000

Responda já: quanto a Grande São Paulo perdeu no IPC (Índice de Potencial de Consumo) em relação ao Brasil? Nada de números modestos, comedidos, porque você pode ser acusado de acreditar em Papai Noel. Quem dá a resposta é um especialista no assunto, o pesquisador Marcos Pazzini, diretor da paulistana Target, empresa de consultoria que se dedica ao assunto como ferramenta confiável para investimentos empresariais no País. A Grande São Paulo, que sofreu nas duas últimas décadas duros golpes com a descentralização industrial em direção ao Interior e outras unidades da Federação, é responsável pelo Estado ter perdido um IPC do tamanho de Goiás. Sim, os paulistas perderam uma Goiás inteira, ou outros vários Estados brasileiros somados, no período de 10 anos.


Marcos Pazzini ameniza o refluxo paulista, mas a realidade é que os números são preocupantes porque estratificam um coquetel de indicadores socioeconômicos. Nesta entrevista por e-mail, o diretor da Target explica também a diferença entre Índice de Potencial de Consumo per capita e absoluto.


Como observa o fato de o Estado de São Paulo ter perdido participação no Índice de Potencial de Consumo relativamente ao Brasil? Em 1991, conforme dados de sua consultoria, São Paulo detinha 34,33% do IPC Nacional e nesta virada de século terá 31,48%. Esses resultados refletem a descentralização industrial com a guerra fiscal que se instalou no País?


Marcos Pazzini – Em primeiro lugar, gostaria de explicar o que é o Índice Target de Potencial de Consumo — IPC Target. O sistema mede a participação proporcional de cada localidade no total do consumo do País. Ou seja, de cada US$ 100 gastos no País, o quanto é gasto em cada localidade. Nesta década observamos a perda de participação do Estado de São Paulo, com certeza influenciada pela descentralização do mercado de consumo no País.


Apesar disso, o que deve ser levado em consideração numa análise mais abrangente é que essa descentralização do mercado de consumo é benéfica para o País e também para São Paulo, pois diminui o fluxo de migrantes de outras regiões para cá. Com possibilidades de trabalho e de sustento nas regiões de origem, deve ser menor a migração. Todos sabemos os resultados decorrentes da migração desenfreada: crescimento desordenado com aumento do número de favelas, diminuição da segurança, aumento de indigentes e sem-teto etc.


A diminuição proporcional do mercado consumidor do Estado de São Paulo em relação ao total do Brasil não significa diminuição do tamanho do mercado em termos absolutos. Em 1991, o mercado consumidor do Estado de São Paulo era de US$ 111 bilhões; em 2000 é de US$ 134 bilhões. A economia de consumo do País cresceu 36% nesta década, enquanto a economia paulista cresceu pouco mais de 20%. São Paulo não teve retrocesso no desenvolvimento. O que houve é que outras regiões apresentaram resultados relativos superiores.


Aparentemente o Estado de São Paulo não teve perda significativa quando se comparam os números absolutos de participação no bolo nacional do IPC. Afinal, desceu de 34,33% para 31,48%, o que significa menos 2,85%. Mas essa interpretação esconde uma armadilha, porque a perda relativa dos paulistas alcança 9% no período, resultado que se obtém dividindo-se a participação de 1991 pela de 2000, não é verdade? Além disso, mesmo considerando-se o quociente absoluto, isto é, os 2,85%, trata-se de um tamanho e tanto porque equivale praticamente ao IPC de todo o Estado de Goiás. Como agravante, a perda relativa da Grande São Paulo é muito maior. E é na Grande São Paulo que vivemos um quadro de exclusão gerador de violência assustadora. Foi o Interior do Estado que minimizou as perdas paulistas.


Marcos Pazzini – O tamanho do mercado consumidor do Estado de São Paulo em 2000 está estimado em pouco menos de US$ 134 bilhões. Se a participação percentual de 1991 tivesse sido mantida em 2000, esse mercado consumidor seria da ordem de US$ 146 bilhões, o que significa uma diferença de US$ 12 bilhões, ou seja o total dos Estados de Tocantins, Acre, Amapá, Rondônia, Sergipe e Piauí somados, ou o total do Estado de Goiás, como foi mencionado na pergunta. Destes 2,85 de perda, a Região Metropolitana de São Paulo foi responsável por 2,34, o que evidencia a evasão de consumo para outras regiões, tanto dentro do próprio Estado como para cidades de outros Estados.


O cenário geral de segurança e de condições de vida na Região Metropolitana de São Paulo com certeza ajudou na confecção desse quadro de perdas. Com relação ao Interior do Estado, 40% das Regiões Administrativas de Governo tiveram ganho de participação no IPC. As 60% restantes tiveram perdas. E em 2000 cada ponto percentual perdido significa mais de US$ 4 bilhões de transferência para outras localidades.


Pelos números do IPC, quais os Estados da Federação que alcançaram os melhores resultados em termos absolutos e também em termos relativos nestes últimos 10 anos?


Marcos Pazzini – Em termos estaduais, o maior beneficiado foi o Paraná, que ganhou um ponto percentual de participação no total do potencial do consumo nacional nesta década, apesar de ocupar a quinta colocação no ranking estadual, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O segundo maior beneficiado foi o Estado de Minas Gerais, com ganho de 0,52, seguido pelo Rio Grande do Sul, com alta de 0,48. Esses três Estados fizeram um grande trabalho de prospecção de empresas para implantação de unidades industriais. Na quarta colocação temos um Estado do Nordeste, Ceará, que teve ganho de 0,3. Além da implantação de novas indústrias, apresentou expansão no setor de serviços, principalmente em atividades ligadas ao turismo.


No outro extremo, as maiores perdas ocorreram no Estado de São Paulo, com menos 2,85 pontos percentuais, e Rio de Janeiro, com perda de 0,3. Coincidência ou não, esses dois Estados apresentam peculiaridades em termos de falta de segurança, avanço dos níveis de criminalidade e retrocesso das condições gerais de vida. Em termos relativos, o Estado que mais ganhou participação foi Amapá, com ganhou de 31,1%, seguido por outro Estado da Região Norte, Tocantins, com 24,2% de alta. Em terceiro lugar aparece o Paraná, com ganho de 16,4%, seguido por outros dois Estados da Região Norte: Roraima, com ganho de 16,2% e Acre, com mais 13,2%. Na sexta colocação vem o Ceará, na Região Nordeste, com 12,7% de ganho. No outro extremo do ranking, observamos as maiores perdas percentuais em Rondônia, com IPC 23,2% menor do que em 1991, São Paulo, com perda de 8,29%, e Distrito Federal, com perda de 6,7%.


Em termos de regiões administrativas do Estado de São Paulo, houve especificamente alguma área que tenha resistido às perdas paulistas em relação ao País?


Marcos Pazzini – Das 15 regiões administrativas do Estado, seis tiveram ganho no IPC Target em relação ao total do Brasil. A que teve melhor performance foi São José do Rio Preto, com ganho de 0,03% nesta década. Em seguida aparecem Marília e Sorocaba, com alta de 0,02% cada uma. Num terceiro patamar temos Franca e Araçatuba, que ganharam 0,01%. Na sexta colocação temos Presidente Prudente, com IPC estagnado nesta década. Das nove regiões administrativas que perderam participação nesta década, a maior perdedora é São Paulo, que engloba o ABC Paulista, com 2,3% de baixa. A segunda região administrativa que mais perdeu participação nesta década foi Campinas, com 0,2%. Num terceiro patamar, com menos 0,1%, aparecem São José dos Campos, Santos e Ribeirão Preto.


A Região Metropolitana de São Paulo sofreu duras perdas no Índice de Potencial de Consumo tanto em relação ao Estado de São Paulo como no confronto com demais Estados. O que a realidade dos números evoca em termos econômicos e sociais que eventualmente os estudiosos ainda não perceberam?


Marcos Pazzini – A Região Metropolitana de São Paulo é um conjunto de 39 municípios que abrigam quase 18 milhões de habitantes e mais de 700 mil empresas dos mais diversos setores da economia. É responsável por mais de 17% de tudo o que é consumido no País. O que temos observado nos últimos anos é que outras regiões do País começaram a ganhar força na economia nacional graças à globalização e ao desenvolvimento de tecnologias, principalmente no setor de telecomunicações e informática. Especificamente no setor de telecomunicações, tivemos um boom de consumo após a privatização. Esse impulso demandou mão-de-obra para infra-estrutura, assistência técnica, vendas etc, criando condições para desenvolvimento do mercado consumidor dentro do Município. Em outros anos, o que se observava é que o crescimento do País estava fortemente vinculado ao crescimento do Estado de São Paulo. Nesta década essa dependência ficou menor, criando condições de desenvolvimento em outros mercados regionais.


Quanto vai ser consumido este ano no Brasil?


Marcos Pazzini – O total do potencial de consumo brasileiro em 2000 será de pouco mais de US$ 425 bilhões. A população residente na área urbana das cidades será responsável pela quase totalidade desse valor — US$ 396 bilhões. O restante será consumido nas áreas rurais das cidades brasileiras. No Estado de São Paulo o consumo total será de pouco menos de US$ 134 bilhões, com 97% desse valor sendo gasto pelas pessoas residentes na área urbana.


Sua empresa dá suporte a investimentos comerciais, de serviços e industriais com base no detalhamento analítico do Índice de Potencial de Consumo. Isso quer dizer que tem a possibilidade de influir decisivamente na rota dos investimentos. Para onde estão indo os investimentos no Estado de São Paulo?


Marcos Pazzini – Em nossa pesquisa mostramos dados demográficos e o potencial de consumo de cada uma das 5.507 cidades brasileiras. O potencial de consumo de cada cidade é detalhado, ainda, por categoria de produtos e por classe econômica. O IPC tem servido para inúmeras empresas trabalharem o planejamento de produtos e serviços, seja em termos logísticos, seja em termos de comunicação. Para apostar numa determinada região preciso, antes de tudo, conhecer o máximo de detalhes.


Por exemplo: se preciso fazer a expansão do meu negócio para outros mercados, preciso fazer um ranking das principais cidades brasileiras em termos de tamanho do mercado de consumo para meu produto e quantidade de consumidores. Esse ranking pode ainda ser detalhado em termos de classes econômicas, de acordo com o poder aquisitivo da população consumidora do meu produto. A partir desse planejamento inicial, esse trabalho de expansão tende a sofrer menos com as diferenças sociais e econômicas de cada cidade brasileira.


Mas para onde estão indo os investimentos? As empresas têm preferência por municípios isoladamente ou consideram decisivo o crescimento regional?


Marcos Pazzini – Analisando-se o comportamento do consumo nas 50 maiores cidades brasileiras, percebemos que Diadema, 48ª colocada em 1991, e São Vicente, 50ª colocada em 1991, ambas localizadas no Estado de São Paulo, saíram do ranking das 50 maiores em 2000. As cidades incluídas neste ano são Maringá, no Paraná, e Vila Velha no Espírito Santo. As cidades que ganharam participação, além de Maringá e Vila Velha, foram: Curitiba e Londrina, no Estado do Paraná; Maceió, em Alagoas; Fortaleza, no Estado do Ceará; Uberlândia e Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais; João Pessoa, na Paraíba; Recife e Jaboatão, em Pernambuco; Teresina, no Piauí; Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro; Caxias do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul; Joinville, em Santa Catarina e, finalizando a lista, Guarulhos e Mauá, no Estado de São Paulo. Numa análise preliminar, a avaliação de desempenho dos municípios é um ótimo indicador. Após essa definição, parte-se para a análise regional, abordando os municípios localizados na área de influência dos principais mercados.


O morador em São Caetano, no ABC Paulista, não se conforma com o fato de a cidade ter perdido a liderança no ranking de potencial de consumo per capita neste 10 anos. Há estudos da própria Target que dão conta de possíveis novas quedas. Como se explica a situação de São Caetano? O que vale mais, de fato, para os investidores: renda per capita ou potencial de consumo absoluto?


Marcos Pazzini – São dois indicadores distintos, apesar de saírem de nosso estudo de potencial de consumo. O consumo per capita é uma medida qualitativa de potencial de consumo. Traduz maior concentração de domicílios com faixa de rendimento mais elevada numa determinada localidade. Esse indicativo é importante para empresas com estratégia voltada a produtos elitizados, direcionados a consumidores com alto poder aquisitivo.


O IPC é uma medida quantitativa: traduz diretamente o tamanho do potencial consumidor de determinada localidade em relação ao total do País. O IPC é o indicador mais utilizado pelas empresas no trabalho de planejamento porque é muito comum encontrar municípios com consumo per capita elevado e IPC baixo. Na lista das 10 maiores cidades brasileiras em termos de consumo per capita, a sexta colocação cabe a Águas de São Pedro, no Estado de São Paulo. No ranking do IPC, Águas de São Pedro aparece na 3388ª colocação, com IPC de 0,00218%.


Para eventuais céticos com relação à metodologia aplicada para definição do IPC, como você traduziria o sistema de cruzamentos de dados que forma o ranking? Do ponto de vista de segurança de dados, o IPC é mais sustentável que, por exemplo, os valores arrecadados pelo ICMS?


Marcos Pazzini – O IPC Target traduz a importância de cada Município no contexto do consumo nacional, agregando todas as categorias de produtos de todas as classes econômicas. Com o IPC Target é possível determinar, ainda, o tamanho do mercado consumidor de cada cidade brasileira. Uma das vantagens do nosso estudo é que se tem a medida efetiva do consumo de toda a população, seja empregada no mercado formal, informal, subemprego etc.


Os valores arrecadados pelo ICMS refletem a economia oficial, englobando empresas e produtos que pagam impostos em dia, através da emissão de notas fiscais. Além disso, os valores arrecadados de ICMS podem trazer distorções em termos de análise de mercados, quando um produto é fabricado em uma região e posteriormente comercializado em outra. A análise fica ainda mais complicada se na ponta do consumidor final o produto é comercializado sem nota fiscal.


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