Banco regional, sim. Com gestão compartilhada entre agentes públicos e privados, não. Haverá conflito de interesses dos acionistas, um em busca exclusiva do bem comum da comunidade, outro de olho em acumular capital para sobreviver. É o que ensina o economista e executivo financeiro do BRP (Banco Ribeirão Preto), Nelson Rocha Augusto, no comando de um dos cinco únicos bancos regionais do País. Sua proposta para o debate sobre o Grande ABC constituir um organismo financeiro de fomento é prática: um ou mais grupos privados locais deveriam assumir a empreitada e dar preferência, não exclusividade, às ações regionais.
Um banco regional tem a virtude de estar próximo das demandas onde atua e decodificá-las com mais agilidade que as grandes corporações, conceitua. Foi assim que surgiu o BRP, há cinco anos, como um dos braços do grupo de distribuição de alimentos, bebidas, higiene e limpeza A.Coselli, há mais de 30 anos na Alta Mogiana. Nos projetos que apoiou até agora, o BRP calcula ter gerado mais de mil empregos diretos em Ribeirão Preto e região, que somam quase três milhões de habitantes e compõem a sexta praça financeira do País. São mais de 200 agências bancárias para apoiar um PIB local de US$ 23 bilhões/ano.
Com passagens pelo Banco Francês e Brasileiro e Banco Votorantim, Nelson Rocha Augusto é uma jóia da coroa que todo Município apreciaria ter, tal a visão e tantos os conhecimentos que acumula sobre regionalidade. Ele aconselha por exemplo que, além de um facilitador de crédito, o Grande ABC deve se empenhar por desenvolver clusters. São por meio desses aglomerados setoriais que as regiões podem destacar suas vocações no mundo globalizado. “Sou fãzérrimo dos clusters. São a forma mais fácil de viabilizar vocações” — incentiva.
Como dirigente de um dos poucos bancos brasileiros de perfil tipicamente local, que importância o senhor atribuiu a instituições de crédito em ações de integração regional?
Nelson Rocha Augusto – A contribuição é enorme, pois instituições regionais conhecem melhor as regiões onde atuam, o que permite decodificações mais rápidas e eficientes dos bons projetos. A intermediação financeira é vital para a integração regional porque expande o crédito, aumenta a velocidade da circulação da riqueza e preserva essa riqueza na própria região. Isso viabiliza o desenvolvimento associado ao crescimento econômico regional.
Poderia citar algumas realizações do Banco Ribeirão Preto nos cinco anos de atividades que tenham contribuído com a comunidade local?
Nelson Rocha – São várias. O BRP colaborou na estruturação financeira de empresas que participaram de licitações para concessão de serviços públicos em infra-estrutura, como são os casos de estrada, aeroporto e estação de tratamento de água e esgoto. Atuamos também na viabilização de um shopping center e, na área de entretenimento, temos colaborado com a vinda de novas empresas para a região no segmento de hotelaria. Temos também trazido para Ribeirão Preto os melhores economistas do País para estimular estudos e debates sobre o ambiente macroeconômico, a economia regional e os diversos ramos que existem aqui. Estamos inclusive constituindo um Núcleo de Pesquisas Econômicas dentro do banco.
Temos proposto ainda políticas de desenvolvimento para os poderes públicos municipais. São estudos e modelos que oferecemos gratuitamente para prefeitos e secretários de Desenvolvimento Econômico a fim de viabilizar projetos na região. Para as empresas, fazemos diariamente planos de negócios. Transformamos idéias em business-plan. Agora mesmo estamos ajudando a trazer para Batatais empresa com 40 anos em seu setor. Nossos clientes geraram mais de mil novos postos de trabalho diretos nos projetos que apoiamos nestes anos.
Como explica o sucesso de um banco regional de pequeno porte num quadro macroeconômico em que a solidez das instituições financeiras está diretamente ligada à massa de atividades relacionada ao gigantismo das corporações?
Nelson Rocha – É justamente a dinâmica de um banco regional, como citei acima, que o diferencia de um banco de âmbito nacional. Grandes bancos, aliás, só se interessam por projetos regionais de grande porte porque, do contrário, não compensa financeiramente.
O modelo do Banco Ribeirão Preto é muito peculiar. Baseia-se no profundo conhecimento das relações econômicas de nossa região e em atendimento ágil e diferenciado. Temos apenas 17 funcionários, estrutura enxuta e de baixo custo, o que nos permite praticar taxas e juros competitivos. Isso não é possível em uma grande corporação, que modulam seus juros conforme o volume dos projetos. A história às vezes é madrasta dessas tendências de gigantismo, embora a experiência em outros países mostre que a convivência dos grandes com os pequenos é salutar, principalmente porque, no nosso caso, vivemos overfocados em nosso nicho.
O Grande ABC debate neste momento a constituição de algo como banco regional público — no sentido de agregar fontes públicas e também privadas, assim como gestores dos dois lados –, mas não com perfil de banco estatal, aquele organismo rigidamente burocrático e à mercê de injunções políticas. O que acha da idéia?
Nelson Rocha – Acho que dificilmente dará certo, pois os interesses dos acionistas serão distintos. Não se pode confundir gestão pública com gestão privada. A pública busca o bem comum e a privada, se não procurar acumular capital, não tem como competir. Haverá sempre conflito de interesses entre os sócios.
A sugestão então é um grupo privado, como fez o A.Coselli, também atuar no mercado financeiro de sua região?
Nelson Rocha – Ou vários grupos se unirem para trabalhar com crédito regional. E com filosofia de a região ser preferencial, não exclusiva. Se de repente surgir excelente oportunidade de apoiar um megaprojeto em Campinas, seria contra-senso o Banco do ABC perder a oportunidade. É aí que entra o conflito de interesses entre o público e o privado.
Discute-se como uma das fontes de lastro de eventual banco no Grande ABC a alta arrecadação do FGTS e do FAT que o governo federal leva da região, que paga altos salários. Esses recursos do trabalhador integram a carteira do BNDES, mas são devolvidos a conta-gotas na forma de alguns financiamentos em infra-estrutura e programas de requalificação profissional. Acha essa discussão viável?
Nelson Rocha – Do Banco ABC público, repito, não. Acho viável e inteligente permitir aos trabalhadores com recursos do FAT e FGTS se tornarem sócios (acionistas) de empresas. Isso estimula o mercado de capitais, reduz o custo de captação para as empresas, aumenta a competitividade e permite ao trabalhador participar da acumulação de capital. O Poder Público poderá estimular isso de maneira regionalizada, fazendo crescer a economia e a própria arrecadação de impostos e viabilizando políticas sociais mais ativas, que são necessárias e urgentes.
Que tipo de olhar regional um banco de fomento deve ter que outros bancos comerciais não têm? O Banco Ribeirão Preto, como foi citado, está montando o Núcleo de Estudos e Pesquisas para assessorar quem queira investir na Alta Mogiana. Isso é suficiente ou é preciso outras formas de sinergia — crédito facilitado, juros mais baixos, alianças com o empresariado e poderes públicos, uma agência de desenvolvimento que trabalhe o marketing regional etc?
Nelson Rocha – Tudo é importante. Estamos na fase da soma, quanto mais coisas houver na área do desenvolvimento, melhor. Tudo é bem vindo e o banco regional, como disse, catalisa essas ações em um universo definido e não disperso como os grandes bancos.
O senhor já se declarou entusiasta dos clusters e chegou a dizer que Ribeirão Preto perdeu sua hora de industrializar-se fortemente. Mas a grande vocação local não é o agribusiness e não seria o caso de fortalecer as cadeias comercial e agrícola em vez de concorrer com outros pólos industriais próximos?
Nelson Rocha – Como eu disse, é preciso fazer muito de tudo. A indústria tem ciclo de produção infinitamente mais ágil e curto, e isso acelera a acumulação do capital e a elevação da renda. O complexo agroindustrial tem a velocidade da natureza em seu processo. Embora as novas tecnologias venham acelerando enormemente o ciclo de produção agropecuário, ainda é um ciclo anual na maioria das vezes, e na indústria não. Acho possível alavancar vários projetos industriais na Alta Mogiana e isso já está acontecendo.
Dois clusters potenciais são na área odontológica e paramédica. Ribeirão tem duas faculdades de medicina e está abrindo a terceira. Em genética somos fortíssimos e temos aqui a JP, uma referência em indústria farmacêutica. Também temos as maiores fabricantes de equipamentos odontológicos, a Dabi e a Guinatos, que montam todos os itens de consultórios dentários e exportam. Quer dizer: existe todo o caldo de cultura. Imagine o que podemos potencializar agregando toda a cadeia produtiva em torno desses setores, e ainda derivando para a área de serviços e incremento à pesquisa?
Pelo que o senhor conhece do ABC Paulista, que tipo de cluster aconselharia à região desenvolver? Haveria outras bandeiras a empunhar numa região que se dedicou de corpo e alma à velha economia da metalurgia pesada e um setor automotivo que ficou durante décadas protegido com altas taxas de importação?
Nelson Rocha – Não sou conhecedor profundo do ABC, mas talvez tenha um ótimo caminho desenvolvendo as áreas de serviços e buscando um salto para frente na nova indústria através de pesquisas para novos materiais e processos, utilizando as tecnologias de fronteira. Ajuda o fato de não ter mais afluxo grande de pessoas em busca de emprego e também por ser uma região já madura economicamente, que precisa e tem se modernizado.
Nestes tempos em que a economia sem fronteiras dá definitivamente o tom dos negócios, a regionalidade sobreviverá com o fenômeno da globalização? Que tipo de união em bloco seria inteligente para operar num mundo com economias interligadas?
Nelson Rocha – Certamente a regionalidade sobreviverá. A regionalidade tem um diferencial que a globalização não tem, que é a decodificação mais amiúde, mais bem feita da localidade. A globalização vai continuar acontecendo, já que não é fato recente. As grandes navegações já mundializavam os negócios. O que muda é a velocidade das mudanças, hoje facilitada pela tecnologia da informação.
Dependendo do produto, a globalização está mais ou menos presente. Em casa não interfere na culinária doméstica: você até come produtos importados, mas a cultura do prato é local. Já a indústria automobilística só pensa globalizado: produz e desloca investimentos para onde a manufatura é mais barata. O que pesa muito a favor da regionalidade é a tradição, é a cultura local. Uma cadeia de fast-food mundial vai usar fornecedores locais, empregar pessoas locais e, até, adaptar o cardápio para alguma iguaria local.
No caso da integração para competir, acho que, em âmbito dos grandes blocos econômicos, a referência é monetária, é a força da moeda. Temos o ien do Japão alavancado pelos asiáticos que são fortemente exportadores, o dólar valorizado violentamente pelos Estados Unidos para atrair capitais (mas que gera um preocupante déficit comercial pela avalanche de importados), o euro que a União Européia inteligentemente criou para competir em conjunto e cuja desvalorização é favorável ao incremento da exportação e, finalmente, um Mercosul ainda indefinido. Pela trajetória das moedas latinas, o real é mais estável que o euro e poderia ser a referência monetária do Mercosul.
No âmbito local, não resta dúvida, a forma inteligente de se destacar é valorizar as vocações. Sou fãzérrimo dos clusters porque são a forma mais fácil de viabilizar vocações. O vinho da Califórnia, nos Estados Unidos, destronou a tradição dos vinhos italianos e franceses porque a região soube investir no setor. E quando falo em investir é chamar todo mundo; não adianta só o Poder Público fazer ou só a iniciativa privada ter vontade. Faz 20 anos que o Parqtec em São Carlos trabalha na direção da pesquisa e da alta tecnologia, fomentando inclusive incubadoras de EBT (Empresas de Base Tecnológica). A recompensa veio agora com o megacomplexo econômico que a Embraer vai fomentar na Região Central do Estado a partir da nova fábrica em Gavião Peixoto. O mesmo acontece com os incentivos às empresas de ponta em Campinas, ao café do Cerrado Mineiro e ao pólo de frutas que emergiu no Nordeste na região do Rio São Francisco.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira