Entrevista Especial

Quem perde com
greve é São Paulo

DANIEL LIMA - 05/12/2000

O que o vice-presidente de Recursos Humanos da Volkswagen do Brasil, o festejado negociador trabalhista Fernando Tadeu Perez, tem a dizer sobre a greve dos metalúrgicos que paralisou a produção de montadoras e autopeças paulistas no mês passado e arrancou do Tribunal Regional do Trabalho inesperado reajuste salarial de 10 % e, ainda mais, o não desconto dos dias parados? Um dos profissionais mais requisitados da área, Fernando Tadeu Perez manteve-se distante do noticiário, mas aceitou responder perguntas enviadas via e-mail.


Quem esperava declarações contemporizadoras do executivo que já protagonizou importantes acordos com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC acaba se surpreendendo. Fernando Tadeu Perez é enfático ao criticar a decisão do TRT, não acredita que o movimento grevista será intermitente como em tempos de mercado fechado, elogia a evolução da liderança sindical no Grande ABC e em outras regiões e espeta as alas mais radicais dos trabalhadores instaladas nos chãos de fábrica.


Também chama a atenção para o fato de que há mão-de-obra ociosa no setor automobilístico, desclassifica a lucratividade das matrizes das multinacionais como justificativa às reivindicações e acredita que os sindicatos um dia acabarão envolvidos com mais prementes como temas a reforma tributária.


Não faltou quem tenha se surpreendido com o resultado do julgamento da greve dos metalúrgicos. Como você encarou a decisão do tribunal? Foi uma derrota para as montadoras?


Fernando Tadeu Perez – Encarei com espanto. Todo e qualquer profissional ou mesmo cidadão minimamente informado sobre o setor automobilístico não pode encarar essa decisão de outra forma. Faria uma analogia: decidiu-se enxergando-se apenas a ponta do iceberg. Entendo que não há que se falar em derrota das montadoras. Talvez a maior perda tenha sido para o Estado de São Paulo e para o Grande ABC, pois ações desse tipo cada vez mais afugentam investimentos. E, como todos sabemos, sem investimentos não haverá emprego.


Acreditava-se que o movimento sindical não sairia da retaguarda depois de uma década de grandes transformações no setor automotivo, quando muito da produtividade alcançada pelas montadoras para competir no jogo da globalização se deu através de investimentos tecnológicos e corte de pessoal. Essa greve indica que a temporada de paralisações pode voltar?


Fernando Tadeu Perez – Greve é uma coisa normal nas relações capital e trabalho. É óbvio que esse mecanismo deve ser utilizado com muito cuidado e em momentos adequados, em virtude dos custos decorrentes que provoca. Não creio que, no estágio atual de nossas relações do trabalho, voltaremos a uma onda inconsequente de paralisações.


É catastrofista a equação formulada pelo representante da Anfavea nas negociações, dando conta de que, com a vitória dos metalúrgicos e passados os 90 dias de proteção ao emprego, o que teremos a seguir será o corte de custos com pessoal para manutenção da competitividade das montadoras e autopeças paulistas?


Fernando Tadeu Perez – Não. Faz tempo que alguém, com sabedoria, disse: “Do couro sai a correia”. A equação é de certo modo simples. Hoje, com a economia globalizada, a forma de calcular preços se alterou. No passado as empresas somavam seus custos com matéria-prima, trabalho, impostos, energia etc, adicionavam a margem de retorno necessária e tínhamos o preço final. Hoje, a conta se faz de trás para a frente, ou seja, primeiro se verifica quanto o consumidor paga pelo produto e aí se subtraem os custos e tenta-se obter alguma margem — absolutamente necessária — para gerar investimentos e manter ou criar empregos.


Muita gente afirma que o movimento sindical no Grande ABC apresentou nos últimos anos um salto de qualidade nas relações com as empresas. Entretanto, é notória e pública a existência de camadas de trabalhadores mais recalcitrantes com relação ao capital. Principalmente trabalhadores ligados ideologicamente ao PSTU, reconhecidamente radicais no relacionamento entre capital e trabalho. Você acredita que o Grande ABC corre riscos de retrocesso?


Fernando Tadeu Perez – Não me canso de falar sobre a evolução da liderança sindical do Grande ABC, Vale do Paraíba, Campinas e outras regiões. Saliento sempre, também, a evolução do lado patronal. Quem ganha com isso é a sociedade e o País. Infelizmente, sempre existe o pessoal do contra. O pessoal do quanto pior, melhor… Melhor para eles, pior para o povo. Acredito que todos nós teremos habilidade suficiente para evitar um retrocesso.


Até que ponto as ações de lideranças mais arejadas do ponto de vista ideológico, como é o caso de Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, podem ser contaminadas pelas pressões das alas mais radicais dos trabalhadores?


Fernando Tadeu Perez – Como já salientei, riscos sempre existem, pois esse pessoal joga muito pesado. Entretanto, como sou otimista por natureza, prefiro acreditar que logo essa corrente será bem interpretada pela classe trabalhadora e definitivamente isolada.


Uma das afirmativas de lideranças grevistas para o sucesso do movimento é que as montadoras não têm mais onde cortar pessoal porque já fizeram o enxugamento necessário e perderiam muito em produtividade com demissões, que teriam de ser repostas e treinadas. Esse é o caso da Volkswagen? Há ainda ociosidade na empresa?


Fernando Tadeu Perez – Isso é um grande e perigoso erro de raciocínio. A economia globalizada nunca pára, a dinâmica é muito acentuada. Crises internacionais, desvalorizações de moedas, oscilações de bolsas ao redor do mundo etc, etc. A essência do sistema é a competitividade. Não existe uma concorrência. Existe, sim, verdadeira guerra pela disputa de clientes. O que, convenhamos, é muito salutar. Porém, do outro lado, do lado interno das corporações, a competitividade determina uma contínua e permanente atenção aos custos variáveis e, principalmente, aos custos fixos. Portanto, nunca se pode afirmar que tudo que precisava ser feito já foi feito. Ociosidade existe na Volkswagen como, de resto, em todo o segmento automobilístico do Brasil e do mundo.


Como você observa a afirmativa que dá conta da vitória dos metalúrgicos no TRT porque os juízes desconsideraram os resultados econômicos das montadoras paulistas, optando por análise de resultados globalizados das companhias? Aliás, sobre isso Oswaldo Fernandes da Silva, representante do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas) disse textualmente a um jornal que os trabalhadores sabem que a matriz bate recorde de vendas e lucro no mundo. Esse tipo de comparação é válido do outro lado? Isto é: quanto se produz em média/homem fora e dentro do País?


Fernando Tadeu Perez – Diria o contrário. Estou convencido de que o TRT proferiu a sentença que proferiu porque os juízes foram mal, muito mal assessorados pelos assessores econômicos. O ano de 2000 será um pouco melhor do que o de 1999, considerando produção fora do Estado de São Paulo. Mesmo assim, muito menor do que o ano 1997 e infinitamente menor do que o esperado em relação as novas fábricas implantadas no País. Usar as matrizes como argumento de lucratividade e recordes de vendas não me parece o melhor caminho, pois, como sempre digo, os investimentos são canalizados para as localidades que oferecem as melhores condições de qualidade, competitividade e lucratividade. Esconder-se atrás do lucro de outras unidades seria decretar nossa falência. Nossa produtividade ainda é muito mais baixa comparativamente aos países mais industrializados. Observe: a nossa média é de 18 carros/ano por empregado, contra médias superiores a 35 carros/ano por empregado lá fora.


Qual é a melhor explicação que você encontra para o fato de o movimento sindical centralizar todas as baterias de reivindicações sobre as montadoras e autopeças e não se mexer jamais em torno do fortalecimento de ações que visem, por exemplo, provocar o aceleramento da reforma tributária que tanto penaliza quem produz?


Fernando Tadeu Perez – Tenho esperanças de que, com o processo de melhoria contínua, logo os sindicatos se movimentarão nesta e em outras importantes questões que permeiam as relações do trabalho. A bem da verdade, eles já se movimentaram nesse sentido no passado, como na criação das Câmaras Setoriais, e mais recentemente na tentativa da criação do Programa de Renovação de Frota que não foi em frente, diante de tantos e diversos interesses políticos.


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