Entrevista Especial

Classe média é objetivo a
ser alcançado pela esquerda

DANIEL LIMA - 15/12/2008

O Partido dos Trabalhadores quer e precisa conquistar a classe média que se manifestou arredia nas últimas eleições municipais, numa prévia de dificuldades que se acentuariam em 2010, nas disputas pela Presidência da República e pelos governos de Estado.


A pregação é do sindicalista Carlos Alberto Grana, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, filiada à CUT (Central Única dos Trabalhadores). Militante estudantil em 1980, quando cursava o Senai e se integrou à Joca (Juventude Operária Católica) do Grande ABC, Grana construiu densa carreira sindical.


A facilidade de integrar-se a ambientes distintos já se manifestara há uma década e meia, quando Grana participou ativamente do Fórum da Cidadania, até então inédita conversão de lideranças econômicas e sociais da região.


Do alto da representatividade de uma categoria que reúne dois milhões de trabalhadores no mercado formal, dos quais um milhão sob a bandeira da CNM/CUT, Grana tem responsabilidade e sensibilidade para analisar o quadro regional e nacional. Ele acompanhou atentamente as eleições municipais no Grande ABC neste ano. Por isso discorre sobre as duas disputas mais importantes — a vitória de Luiz Marinho e a derrota de Vanderlei Siraque.


Que tipo de ressonância social e econômica para o Grande ABC terá a administração de Luiz Marinho à frente da Prefeitura de São Bernardo, levando-se em conta que o Clube dos Prefeitos tem a hegemonia numérica de tucanos e aliados? O senhor acredita que o bom senso prevalecerá e que questões matemáticas se subordinarão à realidade econômica e social da região?


Carlos Alberto Grana – Precisamos entender a importância de São Bernardo não só para a região mas para o País. A cidade possui o terceiro orçamento do Estado de São Paulo, concentra as maiores montadoras, sem contar autopeças e outras grandes empresas do ramo metalúrgico. O Índice de Desenvolvimento Humano é elevado em população que já ultrapassou os 800 mil habitantes.


A capacidade do Luiz Marinho é um grande diferencial, por conta do tempo em que esteve nos ministérios e, principalmente, pela facilidade de estabelecer diálogo, propor, ouvir e construir coletivamente alternativas de ação para o enfrentamento de problemas.


Quando propôs a criação do Consórcio Intermunicipal, a intenção do então prefeito Celso Daniel era discutir e pensar a região de forma integrada. Isso continua sendo essencial. Já naquela época, Celso Daniel afirmava que era impossível pensar o desenvolvimento da região de forma individualizada. Para avançar era preciso planejar ações que envolvessem os sete municípios.


Para a globalização não existem fronteiras territoriais, então assim devem ser as ações dos municípios. Quando lidamos com questões ligadas ao combate a enchentes, existem obras grandes que dependem da intervenção do governo do Estado. A ação regional em torno desse tema facilita e muito o processo de intervenção junto ao governo estadual.


Acredito que o bom senso prevalece toda vez que interesses da população são colocados em primeiro plano. Além disso, quando existem pessoas com capacidade política, de gestão e bem articuladas, cria-se ambiente favorável para a construção de propostas que busquem o desenvolvimento econômico e social.


Parte da Imprensa do Grande ABC procurou estigmatizar a candidatura de Luiz Marinho ao, reiteradamente, grafar o adjetivo “ex-sindicalista”, referindo-se ao ex-ministro. Como o senhor analisa a imagem negativa de determinados estratos sociais à atuação sindical, razão pela qual, aliás, se buscou torpedear a candidatura de Luiz Marinho?


Carlos Alberto Grana – Sempre teremos setores da sociedade que apresentarão ou serão avessos à esquerda, ao PT e ao movimento sindical. Hoje há dois projetos completamente antagônicos, com concepções de mundo muito diferentes. Enquanto um investe em questões sociais, aplica medidas e políticas inclusivas de estímulo à geração de renda, que busca ampliar o diálogo social, que propõe programa de aceleração de crescimento envolvendo vários setores econômicos da sociedade, o outro projeto continua defendendo apenas os interesses de quem detém a maior fatia do bolo.


O governo do presidente Lula, que também foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, demonstra na prática o que é possível fazer quando se tem vontade política e compromisso com a população.


Acredito que com o Luiz Marinho não será diferente e que será o melhor governo que São Bernardo já teve. Até porque o que o qualifica para o cargo, entre outras coisas, é o fato de ter sido presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, presidente da Central Única dos Trabalhadores, ministro do Trabalho e ministro da Previdência. O Marinho faz questão de lembrar de sua história e trajetória política e de tudo que já ajudou a construir; isso é opção de vida.


O senhor está particularmente preocupado com uma espécie de diáspora eleitoral no Grande ABC e no Brasil, que trata de afastamento comprometedor do PT da classe média, tendo como contrapartida sensibilidade maior de apoio das classes menos escolarizadas e economicamente mais sofridas? Como conquistar os estratos sociais mais elevados? O mensalão seria a gênese da postura da parcela majoritária da classe média que rejeita o PT? Trata-se de situação circunstancial ou pode se consolidar?


Carlos Alberto Grana – A classe média consome muita informação gerada por conglomerados de comunicação que não simpatizam com o Partido dos Trabalhadores. Sabemos que nem tudo chega às casas das pessoas da forma como realmente é e isso acaba influenciando negativamente. O PT precisa dialogar com essa importante parcela da população.


Com o governo Lula, muitas ações de distribuição de renda e melhoria social se deram por meio de cobrança de tributos. Muitas pessoas preferem pagar caro por uma taxa de condomínio a pagar impostos e contribuir coletivamente para a segurança pública.


O apoio das classes mais baixas é processo que ocorre naturalmente, pois participam diretamente dos programas de distribuição de renda criados pelo PT, ou em projetos como o Territórios da Cidadania, Luz para Todos, ProUni e o Saúde da Família. A médio e longo prazo serão milhões de brasileiros que terão renda para consumir e, como em uma bola de neve, o consumo aumentará as vendas bem como os empregos e, paralelamente a tudo isso, a violência diminuirá. Ou seja, além de gerar empregos em pequenas e médias empresas, a classe média conviverá com muito mais segurança.


Como observador atento das eleições deste ano no Grande ABC, o senhor consegue listar três razões para a surpreendente derrota do candidato petista em Santo André?


Carlos Alberto Grana – No dia 29 de novembro, o Diretório Municipal do PT aprovou um processo para que os militantes e filiados possam participar do balanço eleitoral. Acredito que ao final teremos avaliação mais precisa das razões que nos levaram à derrota.


Para tentar simplificar, arrisco afirmar três momentos decisivos em que ocorreram grandes problemas: primeiro, o processo de escolha interno através das prévias. Segundo, o tratamento das campanhas a vereadores no primeiro turno e, por último, a falta de estratégia e de comando no segundo turno.


Mesmo considerando democrático, através do qual filiados participam diretamente por meio do voto nas prévias, o fato é que o processo de disputa foi muito acirrado. Ao final, a diferença entre o deputado Vanderlei Siraque e a vice-prefeita Ivete Garcia foi inferior a 1%, ou seja, 22 votos em universo de 2.465 votantes. Portanto, praticamente metade do partido saiu descontente, desdobrando em série de conflitos no PT e no governo municipal.


Acompanhei pessoalmente uma série de iniciativas com o objetivo de buscar a unidade política para garantir a vitória eleitoral e dar continuidade ao projeto do partido na cidade. Infelizmente, não foi o que encontramos no grupo vencedor da prévia. Estavam totalmente fechados em sua autoconfiança.


Perdemos a melhor oportunidade de ganhar já no primeiro turno, aproveitando a divisão entre os adversários. Além de contarmos com 10 partidos políticos, estávamos com 236 candidatos a vereadores que foram decisivos para chegar aos 49% no primeiro turno. Entretanto, o que mais se ouviu foram queixas dos candidatos e partidos aliados por acordos não cumpridos.


No segundo turno, aproveitando-se das fragilidades que se acumularam nesse processo, combinado com excesso de confiança matemática, abriu-se um vazio político que, com a ajuda de setores econômicos e até do Palácio dos Bandeirantes, foi ocupado e impôs a vitória da oposição em Santo André.


A perspectiva traçada por especialistas que acompanham atentamente o movimento pós-crise do subprime norte-americano enuncia complicações para o PIB do mundo inteiro, inclusive dos chamados países em desenvolvimento, caso do Brasil. O que está chegando por aí pode contaminar as eleições presidenciais em 2010?


Carlos Alberto Grana – A crise internacional impõe novo cenário para a economia brasileira, porém com reflexos muito diferentes de outros momentos. Não se trata de minimizar os efeitos da crise mas, segundo previsões mais atualizadas, o crescimento do PIB para 2008 se mantém em 5,24% e de 2009 está projetado para 3,0%. É crescimento, não é estagnação e muito menos recessão. Para se ter idéia, de 1990 a 2003 a média de crescimento do PIB foi de 1,9% ao ano.


Outro dado que demonstra cenário positivo para 2009 é que as montadoras apresentaram projeção de crescimento de 5% para o próximo ano. É um bom crescimento; afinal estamos produzindo perto de três milhões de unidades. E isso não é à toa. Temos um cenário interno completamente diferente. Temos reservas internacionais de US$ 206 bilhões, redução da vulnerabilidade externa e sistema financeiro mais regulado, entre outros fatores positivos. Nesses primeiros meses estaremos mais atentos a esses reflexos, mas as medidas que estão sendo aplicadas pelo governo federal possibilitam passar por essa fase mais aguda da crise e também existe espaço no governo para dialogar com atores, como o movimento sindical e empresários sobre as melhores medidas a serem tomadas.


Nossas atenções para 2010 estão voltadas para cinco pontos políticos: estar em sintonia com o presidente Lula, relação do PT e dos partidos de esquerda, relação com os movimentos sociais organizados, possibilidades de alianças e escolha da candidatura que disputará as eleições.


Que paralelo institucional seria possível traçar entre o Grande ABC dos anos 1990 que se mobilizou em várias frentes, inclusive com a criação de instâncias regionais, e o Grande ABC deste início de século? O senhor acredita que perdemos a oportunidade de consolidar um projeto de integração regional ou ainda é possível recuperar o tempo perdido?


Carlos Alberto Grana – É importante dizer que a região possui sociedade civil com alto índice de organização, fruto de longo processo de constituição dos atores que acompanham o processo de industrialização.


Nos anos 1990 a região viveu profundo processo de reestruturação produtiva que afetou o emprego com o fim da estabilização e a fragilização dos vínculos empregatícios, aumentando as taxas de desemprego, queda real do valor dos salários, precarização do trabalho etc. Enquanto o emprego na indústria caía de 60% para 40%, o setor de serviços crescia.


Os estudos apontavam para um quadro pouco animador. É nesse período que surgem espaços como Fórum da Cidadania e Câmara Regional do Grande ABC, que contavam com participação de vários setores da sociedade. A maioria dos governos eleitos são governos democráticos populares que lançam um conjunto de novas experiências de organização e participação da sociedade civil nas decisões relativas à vida local que apontam para a constituição e fortalecimento de um espaço público baseado em novas relações entre o público e o privado.


Pois bem: atualmente vivemos um cenário completamente diferente, o País está crescendo, o índice de desemprego cai, o poder aquisitivo da população cresceu, enfim um outro cenário econômico muito positivo. Por outro lado, o número de administrações democrático-populares na região diminuiu. Temos de admitir que existem várias formas de estimular ou garantir a participação da sociedade civil das decisões sobre o público e esta não é uma prioridade da maioria dos governos que fizeram parte do Consórcio de Prefeitos no último período.


Talvez a sociedade civil não tenha se apropriado dos espaços criados. Quero dizer com isso que não nos fizemos presentes o tanto quanto deveríamos no sentido de consolidar esses espaços públicos de discussão. Parece que só nos reunimos quando estamos em crise. Não estamos sabendo aproveitar esse momento de crescimento para propor ações que beneficiem ainda mais a região.


Com a eleição dos novos prefeitos acredito na possibilidade de retomada da agenda de integração regional.


Estudo produzido pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos em março de 2007 foi metabolizado por LivreMercado e constatou que os metalúrgicos do Grande ABC e também do Vale do Paraíba se dividem claramente em duas categorias, o das montadoras e o das autopeças, com diferença média salarial e de benefícios de 96% no caso do Grande ABC. Em outros pólos automotivos, como Gravataí, Camaçari, o desnível praticamente não existe. Qual é a tendência para os próximos anos? Por que tanta diferença?


Carlos Alberto Grana – Esse é o quadro, infelizmente. E nossa ação tem sido orientada para eliminar diferenças, seja entre os setores da indústria metalúrgica, seja entre regiões do País. Afinal, o custo de uma cesta de produtos e serviços padrão não tem tanta variação entre as diversas regiões brasileiras. Não faz sentido, portanto, que os salários tenham disparidades tão grandes.


As diferenças entre as montadoras e as empresas do setor de autopeças se explicam por vários motivos, em especial a rotatividade na indústria metalúrgica de 32,5%, situação que impede que os salários mantenham crescimento real ou mesmo nominal contínuo. Nas montadoras, onde os trabalhadores conquistaram relações de trabalho mais democráticas, a vigilância contra essa prática resulta em níveis menores de rotatividade, os aumentos conquistados não viram pó e resultam em reflexos positivos sobre a média salarial.


Em outros setores da indústria metalúrgica, como nas autopeças, o movimento é diferenciado. O setor, como é sabido, é bastante heterogêneo, seja nos tipos de produtos fabricados, na origem de capital e no tamanho dos estabelecimentos. Isso imprime diferenças quanto à organização dos trabalhadores, níveis salariais, níveis de rentabilidade.


Outra questão é quando olhamos as diferenças salariais nesses dois setores nas duas regiões citadas: realmente, as diferenças salariais aqui no Estado de São Paulo são maiores do que em outras regiões, como Camaçari e Gravataí. Como os salários dos trabalhadores das montadoras em Camaçari e Gravataí já são mais baixos, como orbitam muito próximos dos pisos salariais, na verdade, os dois são puxados para baixo.


Nossa principal bandeira tem sido a de caminhar para eliminar essas diferenças com o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho, de patamares mínimos de salários e jornada a serem seguidos nacionalmente. Afinal, se o preço é nacional, o salário deve ser igual.


A abertura econômica dos anos 1990, sobretudo no setor automobilístico, foi terrivelmente nociva para a sociedade do Grande ABC. O que faltou para o Grande ABC reagir àquela situação? Por que nos comportamos bovinamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso? Por que não fomos capazes de lotar uma Kombi com membros de instituições do Grande ABC para protestar em Brasília?


Carlos Alberto Grana – O que possivelmente tenha levado alguns setores institucionais no Grande ABC a não reagir frente ao desmonte econômico da região foi ter acreditado no programa e apoiado a política econômica baseada no neoliberalismo que por muito tempo iludiu alguns setores da sociedade brasileira.


Fico imaginando agora se aquele projeto não fosse interrompido com a eleição do presidente Lula em 2002. O que seria do Brasil neste momento? Daria para imaginar se o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal fossem privatizados, se a Petrobrás fosse vendida ao monopólio internacional do petróleo, a promoção da guerra fiscal entre os Estados, os sucessivos déficits da balança comercial pela substituição das importações em detrimento da produção nacional.


Bem, se as crises que ocorreram nos anos 1990 na Ásia, Rússia e México já causaram estrago em nossa economia, imagino a atual, só comparada à crise de 1929, a pior da história.


O movimento social, sobretudo o movimento sindical do Grande ABC, sempre esteve à frente na luta pela manutenção dos empregos no Brasil e na região. Vale lembrar que os metalúrgicos realizaram dezenas de protestos em defesa do emprego com inúmeras assembléias e uma passeata até a Avenida Paulista, com cerca de 10 mil trabalhadores. Também fomos até Brasília na famosa “Marcha dos 100 mil”, protestar contra a política nociva de FHC e, especificamente, no protesto “Brasil cai na real”, em São Bernardo.


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