O deputado estadual Orlando Morando é espécie de sinônimo regional do trecho sul do Rodoanel. Nenhum outro parlamentar ou Executivo do Grande ABC se empenhou tanto na interlocução com o governo estadual para acompanhar as obras dessa serpentina viária que promete dar uma sacolejada logística na Grande São Paulo. Nesta Entrevista Especial de CapitalSocial, Orlando Morando concorda com condicionantes ao sucesso do empreendimento cantado em verso e prosa como suprassumo de nova revolução econômica do Grande ABC. “Só com a chegada do trecho sul não existe ferramentas para fazer a reversão da perda de Valor Adicionado na nossa região” — respondeu Orlando Morando. O discurso de entusiasmo que o parlamentar costuma propagar ganha tons de comedimento quando se coloca o paradoxo de que o traçado sul tanto pode favorecer como prejudicar o fluxo de investimentos econômicos de produção no Grande ABC. Orlando Morando respondeu às perguntas por email.
O senhor é um entusiasta do trecho sul do Rodoanel. Mais que entusiasta, é o político que, na prática, mais se preocupa com a evolução e o destino do traçado. O senhor não teme que vantagens logísticas sejam apenas uma parte do enredo, voltadas para aspectos de mobilidade urbana, e que supostas vantagens de desenvolvimento econômico acabem por sacramentar o que levantamos há alguns anos e que especialistas confirmaram como correto, ou seja, que o trecho sul seja via de mão dupla e que tanto pode trazer como pode levar riquezas daqui?
Orlando Morando – Não pode se descaracterizar que a chegada do trecho sul do Rodoanel ao Grande ABC é de vital importância para o desenvolvimento econômico. Também não quero acobertar os riscos. Agora, a responsabilidade dos riscos não recaem sobre o benefício da obra e sim sobre a falta de agilidade ou a inoperância das administrações municipais que seguramente terão que ousar para que o Rodoanel não se torne uma via de duas mãos quanto levar as riquezas do Grande ABC. Resumindo, o Rodoanel é sim o grande passaporte do desenvolvimento econômico das últimas décadas do Grande ABC, porém se não tivermos administrações ousadas, com coragem de discutir carga tributária, adequação logística interna dos municípios, plantas de produção à altura do ABC, seguramente poderemos perder para outras cidades, inclusive do Interior que, também com o Rodoanel, passarão a estar perto do Grande ABC. Acima de tudo destaco o Rodoanel como obra fundamental e de vital importância para o crescimento econômico.
Como o senhor analisa o fato de o Grande ABC não se ter preparado economicamente para receber o Rodoanel? Explicamos: uma obra dessa envergadura, com tamanho potencial de atratividade (e também de dispersividade) de investimentos, não mereceria ter sido contemplada com grupo de estudos que atendesse às projeções de ganhos regionais?
Orlando Morando – A obra do Rodoanel surgiu com a velocidade que não era esperada pelo Grande ABC, que tinha pré-projeto mas em verdade não tinha a certeza de que viria. A chegada do governador José Serra que priorizou o Grande ABC, especialmente essa obra que envolve um custo de quase R$ 5 bilhões, é possível que tenha surpreendido algumas administrações da região. Insisto que ainda há tempo para discutir e se adequar a essa importante obra. Agora não se pode perder tempo como se vem perdendo especialmente no Grande ABC e, por que não dizer, na própria São Bernardo, primeira cidade para quem vem de São Paulo pelo Rodoanel. Não existe plano discutido no Município para integração como o Rodoanel.
Já mostramos com material exclusivo que o Grande ABC perdeu terreno econômico, em Valor Adicionado, para a chamada Grande Osasco, contabilizando-se números num determinado período pré-durante-pós construção do trecho oeste do Rodoanel. Os dados são preocupantes. O senhor acredita que reverteremos a situação quando da chegada do trecho sul ou há outros fatores que pesam nessa equação?
Orlando Morando – Só com a chegada do trecho sul não existe ferramentas para fazer a reversão de perda de Valor Adicionado na nossa região. Temos tendência natural de ampliar o parque logístico; agora não podemos perder nem devemos perder produção de manufaturados que agregam muito mais valores do que o setor logístico. Nossos governantes locais não estão se pautando nisso.
Fala-se muito em especulação imobiliária nas áreas mais próximas de acesso ao trecho sul do Rodoanel no Grande ABC. Não seria esse um resultado da falta de planejamento estratégico para receber o Rodoanel ou o senhor entende que capitalismo é assim mesmo, que não tem freios?
Orlando Morando – Primeiro, não existe especulação imobiliária no entorno do Rodoanel, até porque o traçado passa quase que totalmente na área de proteção aos mananciais, aonde não é permitida a verticalização. A especulação imobiliária existe nas chamadas áreas logísticas e também na planta de novas indústrias. Essa especulação é relativamente natural, é um benefício grande, uma obra que vem por si própria trazer infra-estrutura, uma ligação próxima ao porto de Santos e das principais rodovias da Grande São Paulo. Essa questão não é o cerne do problema. O cerne do problema, insisto, é a questão tributária e a falta dos arranjos produtivos.
Há armadilha preparada no trecho sul do Rodoanel, mais propriamente no acesso a Mauá. Esperam-se obras complementares para evitar caos no trânsito. Levando-se em conta que falta tão pouco tempo para a inauguração do trecho sul, não teria passado a hora de equacionar o problema?
Orlando Morando – Realmente existe não uma armadilha, mas um gargalo na chegada em Mauá. A Papa João XXIII já está em obra. A Jacú-Pêssego, que vai dar acesso do Grande ABC à Zona Leste, também estará em obra. É natural que teremos essas obras concluídas até a inauguração do trecho sul do Rodoanel. Caso isso não venha a ocorrer teríamos sim um problema. Mas não acredito que virá a ocorrer. Ambas as obras estarão inauguradas junto com o trecho sul do Rodoanel.
Que vantagem terá o empresário do Grande ABC que estiver longe das três alças de acesso do trecho sul do Rodoanel? É sobre esse tipo de situação que surgem possibilidades de deslocamento de negócios para outros municípios, fora do Grande ABC, porque, em muitos casos, ficará mais fácil acessar o trecho sul. O tráfego interno do Grande ABC é uma bomba-relógio que está sendo subestimada na produtividade esperada com o Rodoanel?
Orlando Morando – O Rodoanel é o maior benefício. Agora, os municípios têm de fazer urgentemente as adequações em vias internas com a maior brevidade possível. Em São Bernardo, por exemplo, a atual administração precisa rapidamente acelerar as vias que dão acesso tanto à Imigrantes quanto à Anchieta. Vou dar um outro exemplo. Não ouvi ninguém discutindo até o presente momento uma nova ligação com a Rodovia Imigrantes pela Estrada dos Alvarengas, artéria para desafogar parte da produção das imediações. Outro grande exemplo: a via chamada Samuel Aizemberg é um grande gargalo que dá acesso à Rodovia dos Imigrantes. Uma das obrigações do Município é fazer essas adequações.
O senhor acha que o trecho sul do Rodoanel será suficientemente positivo para provocar retomada do setor automotivo, inclusive com o retorno de empresas de autopeças que em massa deixaram o Grande ABC e optaram pelas regiões da Grande Campinas, da Grande Sorocaba e da Grande São José dos Campos?
Orlando Morando – O Rodoanel é uma obra de infra-estrutura muito importante, porém não podemos confundir o traçado nem com Deus nem com uma vara de condão mágica. A retomada do setor automotivo e do setor de autopeças não depende do Rodoanel e sim de estruturas que não são apenas obras, mas de ousadia dos atuais governantes, especialmente dos prefeitos. E também do Consórcio de Municípios, aonde não tenho visto esse assunto ser debatido com a importância que deveria.
O senhor não teme que haja tanta simplificação de terceiros interessados em vender o trecho sul do Rodoanel como obra-prima de engenharia viária que no fundo, no fundo, se esqueçam de contraditórios que sugerem dificuldades inerentes de um mundo que se globaliza cada vez mais e que por isso mesmo aperta mais e mais o parafuso da competitividade?
Orlando Morando – Não, não entendo que exista interesse de vender essa obra e não acho que aí temos o cerne dessa temática.
O trecho sul do Rodoanel não deveria integrar um dos grupos temáticos do Clube dos Prefeitos? Temário específico, exclusivo, dada a dimensão da obra e as consequências sociais e econômicas? Uma obra de exceção não merece tratamento de exceção?
Orlando Morando – Sem a menor dúvida. Insisto que o benefício que o Rodoanel traz à região não está sendo valorizado à altura e à envergadura dos novos investimentos que poderíamos e em alguns casos já estamos recebendo com a obra.
Há uma disputa político-partidária pelo maior crédito às obras do trecho sul do Rodoanel envolvendo o governo estadual e o governo federal. O senhor conseguiria analisar a questão sem que a resposta o carimbasse como representante do governo estadual no Grande ABC ou acredita que há informações suficientes para explicações que fujam completamente de contaminações partidárias?
Orlando Morando – Com certeza, até porque essa obra não tem que ser tratada sob cunho político-partidário. A obra está sendo executada pelo governo do Estado que tem à frente o governador Serra, mas em nenhum momento se negou a participação mesmo que menor do que poderia ser do governo Federal. É uma obra em que Estado e União estão juntos. O governo Federal está entrando com um terço e o governo do Estado com um pouco mais de dois terços do valor acrescido. Em nenhum momento pairaram dúvidas sobre a reprocidade e do interesse tanto do governo Federal como do governo do Estado para que essa obra pudesse ser concluída. O mais importante não é o pai da criança e sim o bom filho que pode nascer.
Há outros deputados do Grande ABC que se preocupam tanto com o trecho sul como o senhor?
Orlando Morando – Não me sinto à vontade em avaliar. Prefiro que a população do Grande ABC faça essa avaliação.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira