O deputado estadual Vanderlei Siraque sacou do coldre do marketing político um mote com o qual pretende produzir nos próximos anos os mesmos efeitos que o então candidato a prefeito Aidan Ravin alcançou em 2008 em Santo André, no segundo turno da disputa pela Prefeitura. Se os assessores de Aidan Ravin consumaram uma sentença desclassificatória da gestão petista, na forma de “Página virada”, Vanderlei Siraque pretende estremecer a mandíbula da administração municipal ao definir a gestão petebista de “Página em branco”.
Nesta “Entrevista Especial” ao site CapitalSocial, Vanderlei Siraque vai muito além da definição sumária da gestão de Aidan Ravin, segundo a ótica oposicionista do Partido dos Trabalhadores.
Ao sair da toca da discrição um ano depois da surpreendente derrota e 10 meses após a posse de Aidan Ravin, Siraque é cortante nas críticas. Candidato a deputado federal na próxima temporada, ano que vem, Vanderlei Siraque é um dos fortes concorrentes do PT à Prefeitura de Santo André em 2012, assunto sobre o qual prefere não se estender.
CapitalSocial — O senhor já digeriu a derrota em outubro do ano passado para Aidan Ravin? Que sensação é possível reproduzir daquele resultado?
Vanderlei Siraque - É lógico que fiquei triste por não poder implementar plano de governo inspirado no Celso Daniel. Porém, o derrotado não fui eu e sim o povo de Santo André que não merece um prefeito sem projetos. A página foi virada mesmo, mas para o lado que estava em branco, vazia, sem nada a oferecer ao desenvolvimento econômico, social, à educação, à saúde, à segurança pública, além de ter excluído, de forma autoritária, os cidadãos das decisões do Poder Público ao acabar com o planejamento e o orçamento participativos.
CapitalSocial — Quando foi que percebeu que poderia perder?
Vanderlei Siraque - Sempre acreditei que poderia vencer em decorrência da falta de projeto do adversário e pelas 713 propostas que apresentei aos eleitores de Santo André, em especial quando obtive 49% dos votos no final do primeiro turno, mesmo enfrentando quatro adversários. Portanto, minha não-eleição foi a surpresa ainda não explicada. Acho que Santo André ficou triste. Não houve sequer comemoração do outro lado.
CapitalSocial — Muito se fala que o resultado das prévias contaminou a disputa para valer, numa reprodução do que ocorreu em 1992. O senhor colocaria essa questão como base de definição da derrota?
Vanderlei Siraque - Não. As prévias fazem parte do processo democrático do Partido dos Trabalhadores. Como houve mais de uma candidatura disputando o mesmo cargo, a forma democrática foi os filiados decidirem o candidato. Em Mauá, tivemos prévia e o PT venceu. Em Guarulhos, tivemos prévia e o PT também venceu. E afinal, todos os grupos do PT e mais 10 partidos me apoiaram pra valer.
CapitalSocial — A leitura de que o PT estadual e nacional não teria arregaçado as mangas para fortalecê-lo no segundo turno corresponde à realidade?
Vanderlei Siraque - O PT estadual e nacional acreditou na nossa capacidade de revolver a parada, mas não fizemos articulação suficiente para mostrar a importância do apoio dessas instâncias para a vitória.
CapitalSocial — Como vê o gerenciamento de políticas públicas da administração Aidan?
Vanderlei Siraque - O atual prefeito sequer entende o conceito e o significado da expressão políticas públicas e, de fato, é difícil mesmo entender para alguém sem projeto, que visa apenas o poder a qualquer custo. Para gerenciar algo é preciso saber o que é esse algo, qual o objeto a ser administrado e governado. Ele não sabe a complexidade de uma administração pública. Não trabalha com propostas matriciais, com interfaces e transversalidade. Não visa a transformação e a igualdade entre as pessoas. Não sabe o que é espírito republicano e também não tem equipe que conheça a realidade de Santo André.
CapitalSocial — E a governança, que consiste nas relações com o Legislativo e os próprios integrantes do Executivo?
Vanderlei Siraque - A relação com o Legislativo não se dá em cima de projeto político e de políticas públicas, até porque as tais políticas públicas não existem nesse governo. O que existe é apenas um projeto autoritário de poder. A grande maioria dos vereadores (13 dos 21) se elegeu em aliança com a minha candidatura. Então, parte-se do pressuposto de que eles apoiaram as 713 propostas que defendi durante as eleições. Portanto, penso que a atual governança se dá com fisiologismo político, de troca de cargos, não em cima de propostas para a sociedade andreense.
CapitalSocial — E a governabilidade, que envolve a sociedade como um todo?
Vanderlei Siraque - Os primeiros sinais de descontentamento começam a aparecer. O povo está percebendo que foi enganado com o tal de virar a página, que agora está em branco. Por exemplo, na saúde com a falta de médicos e remédios, pagamento de aluguéis absurdos, desmonte da saúde mental, desmonte do projeto de combate à dengue, aos ratos e demais pragas urbanas, aumento do número de cachorros nas ruas e praças e aplicação dos recursos no mercado financeiro; nos transportes coletivos com problemas e tarifas altas, ônibus superlotados, de diminuição do número de ônibus nas linhas, de gastos desnecessários com troca da cor dos veículos, atrasos, não ligação entre os bairros; o fim o Orçamento Participativo; o não pagamento dos 25% aos servidores, conforme promessa de campanha; a perseguição aos servidores em especial nas áreas de educação e de saúde; aumento de multas de veículos; aumento de multas ao comércio; falta de fiscalização de produtos perigosos, caso de explosivos; não implementação das obras do PAC; falta de prestação de contas; não fiscalização da venda de produtos irregulares, os chamados piratas.
CapitalSocial — Como se ganha uma eleição em Santo André? Basta a maioria dos votos das regiões mais populares ou é indispensável equilibrar ou perder de pouco o jogo nas áreas centrais mais conservadoras?
Vanderlei Siraque - Olha, sempre trabalhei para toda a cidade. Apresentei um projeto a todas as camadas sociais para melhorar o desenvolvimento, a auto-estima, o orgulho e a felicidade dos andreenses. Talvez tenhamos falhado na comunicação. Talvez as pessoas não conheçam minhas virtudes e propostas. Portanto, para ganhar qualquer eleição, além de projeto é preciso campanha de comunicação que alcance corações e mentes das pessoas.
CapitalSocial — Se for candidato a prefeito em 2012, faria esforços para ter um vice-prefeito que representasse a classe média?
Vanderlei Siraque - Agora estou organizando candidatura a deputado federal em 2010, porque tenho propostas e Santo André não conta com representante no Congresso Nacional. Depois, o meu partido vai discutir 2012 com todos os setores de Santo André e, inclusive, com a classe média da qual também faço parte.
CapitalSocial — Qual será o grau de influência da eleição presidencial do ano que vem nas eleições municipais de 2012? Será possível o PT recuperar a cidadela de Santo André com uma presidência que não seja da coalizão petista?
Vanderlei Siraque - A influência da campanha presidencial será positiva à minha candidatura a deputado federal em 2010, pois construímos um novo Brasil, ou seja, desenvolvimento econômico com inclusão social, auto-estima com a Copa e as Olimpíadas, respeito internacional, o pré-sal, Universidade Federal do ABC, Prouni. Assim, elegeremos a Dilma presidente e, sem dúvida, retomaremos a administração de Santo André. A página em branco será preenchida com todas as cores, num verdadeiro arco-íris de políticas públicas para garantir a dignidade e a vida de todos os andreenses.
CapitalSocial — Os números da criminalidade no Grande ABC melhoraram acentuadamente desde o começo dos anos 2000, depois da substituição de uma filosofia dita de respeito aos Direitos Humanos por ações da chamada linha dura. O senhor aprova essa mudança?
Vanderlei Siraque - Minha tese de doutorado na Faculdade de Direito da PUC é justamente o “Direito Fundamental à Segurança Pública”. Assim, considero segurança pública um dos Direitos Humanos fundamentais. Todos têm direito à vida, à integridade física, o direito de ir e vir, permanecer com segurança, de não ser roubado, sequestrado. Portanto, o Estado deve ser rigoroso, na forma da lei, com as pessoas que violam os direitos fundamentais dos semelhantes. Mas não se faz segurança sem políticas públicas adequadas, como investimento em inteligência policial, investimento em novas tecnologias, em recursos humanos e em equipamentos, investimento em corregedoria, em gestão integrada entre diversos agentes e às três esferas de governo.
CapitalSocial — Quando se transforma o Grande ABC em megamunicípio sem barreiras territoriais, ocupamos as últimas colocações em criminalidade entre os municípios de grande e de médio porte. Como melhorar, de imediato, essa situação?
Vanderlei Siraque - Devemos fortalecer a Câmara Regional, a Agência e o Consórcio do Grande ABC, transformando-o numa grande autarquia, com participação de vereadores, deputados, empresários, trabalhadores e profissionais liberais. Precisamos de planejamento estratégico para estabelecer plano de metas de curto, médio e longo prazos visando projeto de desenvolvimento econômico, social (segurança, saúde, educação, habitação, emprego), drenagem, transporte, trânsito, cultura, lazer, esporte. Devemos chamar os governos do Estado e o Federal a participarem das instituições regionais.
CapitalSocial — Quais são as principais demandas na área criminal do Grande ABC?
Vanderlei Siraque - 1 – Comando único na área da segurança pública – “Chefe Regional de Polícia” ou Gabinete de Gestão Integrada de Segurança da Região (envolvendo as polícias civil, militar, guardas municipais, secretários da área, juízes criminais, Ministério Público e prefeitos) 2 – Vídeomonitoramento integrado para as sete cidades; 3 – Acabar com os desmanches clandestinos de veículos; 4 – Não permitir a venda de produtos irregulares; 5 – Oferecer tratamento aos usuários de drogas; 6 – Política prisional única para toda a região; 7 – Política para os adolescentes infratores, inclusive para restrição de liberdade; 8 – Assistência às famílias dos presos e política para os egressos do sistema prisional; 9 – Não permitir condenados de outras regiões em nossos presídios, 10 – Acabar com as áreas degradadas; 11 – Política de desarmamento, 12- Melhorar a iluminação pública; 13 – Limpeza dos terrenos baldios; 14 – Dar finalidade aos galpões vazios.
CapitalSocial — Recentemente, um especialista em criminalidade afirmou que o sistema prisional tem de apresentar condições piores do que se encontra de pior para quem vive em sociedade, principalmente como instrumento de dissuasão de ilícitos penais. O senhor concorda com isso?
Vanderlei Siraque - Os especialistas dizem o contrário. Cito, como exemplo o italiano Massimo Pavarini, autor de diversas obras e pesquisas sobre a questão. Ele afirma que a degradação dos presídios é um dos fatores importantes para a criação de organizações criminosas, além de afirmar que o medo da prisão não surte efeito suficiente para reduzir a criminalidade. Se assim fosse, São Paulo e o Brasil como um todo recuperariam a maioria dos apenados, já que os nossos presídios estão entre os piores do planeta. O número de presos (170 mil) no Estado dobrou em apenas 15 anos, mas a sensação de insegurança e a criminalidade só pioraram, inclusive indo para o Interior com a política de descentralização inadequada dos presídios. O problema é que as pessoas que cometem delitos acreditam na impunidade, acham que não serão pegos, pois “os de baixo” no geral agem drogados e “os de cima” acreditam que podem comprar as autoridades, e muitos compram. Ainda a proporção entre o número de presos e de delitos necessariamente não existe, até porque, depois do celular e da corrupção de agentes públicos, muitos cometem crimes de dentro das cadeias mesmo. Acredito em Políticas Públicas para garantir alguma forma de punição às pessoas que cometem delitos. Que as penas sejam conforme o tipo de infração e que seu cumprimento seja individualizado. Que a execução da pena não precisa ser necessariamente com a restrição da liberdade, a não ser para criminosos que colocam em risco outras pessoas. Preso precisa trabalhar, produzir, estudar para garantir ressocialização, não ficar na ociosidade, só pensando em fugir, em fazer rebelião.
CapitalSocial – Alertamos em muitas oportunidades sobre a dualidade do trecho sul do Rodoanel, que tanto pode favorecer como pode atrapalhar ainda mais os investimentos no Grande ABC, por conta da logística interna, que não ganhou nenhum reforço de investimentos nos últimos anos. O senhor faz parte da turma que acha o Rodoanel a salvação da lavoura ou também está preocupado como a trombose viária interna?
Vanderlei Siraque - O Rodoanel é fundamental para toda a Região Metropolitana de São Paulo e o trecho Sul é essencial para o Grande ABC, mas precisa de obras complementares em parceria das prefeituras com o Estado. Na parte viária, como exemplo, a conclusão da Jacu-Pêssego, o viaduto sobre a estação ferroviária de Capuava, a ligação da Avenida dos Estados até a Papa João XXIII, em Mauá e a construção da via que liga o viaduto Cassaquera até Sertãozinho. A região precisa de um grande centro de convenções, a meu ver em Santo André/Mauá, construído em parceria Poder Público/iniciativa privada. Todas essas questões devem ser conduzidas pelo Consórcio de Prefeitos, o qual deve estabelecer plano de metas para garantir essas obras complementares ao lado do Plano de Desenvolvimento Econômico Regional que garanta a permanência de nossas cadeias produtivas, além de novos investimentos, como a criação do Centro de Tecnologia do Plástico, em parceria Poder Público/universidade/iniciativa privada.
CapitalSocial — Que espera de nova frente parlamentarista de vereadores do Grande ABC, depois de ter lançado a experiência quando atuava na Câmara de Santo André? Há perspectivas de consolidação de alianças extra-municipais?
Vanderlei Siraque - Penso que os vereadores devem atuar em consonância com o Consórcio, a Câmara Regional e a Agência de Desenvolvimento, inclusive conquistando espaços nessas instituições para garantir alianças regionais juntamente com prefeitos, deputados, empresários, trabalhadores e universidades. Mas é preciso aperfeiçoamento em políticas públicas para dar certo.
CapitalSocial — Deveria haver espaço para representações dos Legislativos do Grande ABC no Clube dos Prefeitos?
Vanderlei Siraque - Sim, conforme os argumentos já apresentados para defesa de nossas cadeias produtivas, a sintonia das emendas orçamentárias conforme os interesses da região, a adequação da legislação e para garantir as alianças regionais.
CapitalSocial — E para os deputados estaduais e deputados federais do Grande ABC?
Vanderlei Siraque - Os deputados são fundamentais para ajudar a trazer os governos estadual e federal à defesa das nossas cadeias produtivas, à sintonia das emendas orçamentárias conforme os interesses da região e à adequação da legislação para garantir alianças da região com as demais esferas de governo.
CapitalSocial — Como avalia a chamada Bancada do ABC, algo que parece já não existir mais como teoria, depois de pífios resultados na prática?
Vanderlei Siraque - Há três legislaturas a “Bancada do ABC” funcionou muito bem em sintonia com o Consórcio e Câmara Regional. Era o efeito Celso Daniel. Acredito que a idéia foi entrando em colapso em decorrência de interesses mesquinhos. Hoje praticamente acabou. Mas precisa ser reconstruída. A atuação parlamentar em conjunto é fundamental para a região.
CapitalSocial — Fala-se muito em voto distrital na reforma eleitoral. Na prática já não se tem o voto distrital na Assembléia Legislativa, por exemplo?
Vanderlei Siraque - Em termos sim, pois a maioria dos votos dos deputados encontra-se em suas cidades ou regiões. Entretanto, o voto distrital poderia exigir mais compromisso dos eleitos com os distritos eleitorais e a prestação de contas seria praticamente uma necessidade. Outro fator importante seria o aumento da representatividade dos deputados. O Executivo estadual não poderia ter um deputado de situação e de oposição ao mesmo tempo numa mesma região. Logo, o governo teria que ouvir todos os deputados não somente para ter maioria na Assembléia, mas para não perder as bases de determinada região. Portanto, o deputado teria mais sintonia com todos os setores da sociedade ao ser majoritário em determinado distrito, além de o distrito precisar mais do deputado para levar adiante as demandas.
CapitalSocial — Qual é o maior político da história do Grande ABC?
Vanderlei Siraque - Celso Augusto Daniel, por ter pensado a governança da região como um todo, pela construção de políticas públicas para o Grande ABC por meio do consenso progressivo, por ter a capacidade de olhar além do umbigo bairrista, por ter transformado Santo André e região em laboratório de políticas públicas, por ter sido a minha inspiração na construção do Programa de Governo que apresentei à sociedade andreense.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira