O democrata Raimundo Salles não contemporiza: está decepcionado com a administração municipal de Santo André. Derrotado por Aidan Ravin no primeiro turno por margem de pouco mais de um ponto percentual, numa disputa que poderia levá-lo ao Paço Municipal, Raimundo Salles não poupa críticas ao vencedor. Se para o deputado estadual Vanderlei Siraque, superado por Aidan Ravin no segundo turno, a gestão atual é uma página em branco, como declarou em entrevista a este site, para Raimundo Salles não passa de “muito do mesmo”, uma sacada que atinge tanto o atual governo municipal como o PT, que administrou Santo André durante três mandados consecutivos. Salles também faz duras críticas a parte da Imprensa.
CapitalSocial — Passados 10 meses, qual é a avaliação da administração Aidan Ravin no campo administrativo-gerencial?
Raimundo Salles — Sinto que pouca coisa mudou. A estrutura pesada e arcaica da Prefeitura de Santo André foi mantida. O fato é que todos que trabalham com política e na Administração Pública sabem que mudanças estruturais devem ser implementadas quando o governo recém eleito está coberto de legitimidade. O ato de propor virar a página na campanha tinha aspecto psicológico forte e demandava medidas de impacto logo no inicio do governo. Acredito que esse governo pode estar perdendo o momento para realizar mudanças; assim teremos quatro anos de muito do mesmo.
CapitalSocial — E no campo da governabilidade, da institucionalidade?
Raimundo Salles — O prefeito Aidan mistura estabilidade administrativa com governabilidade. Conseguir a maioria na Câmara Municipal pode não ser tão difícil em um País no qual o fisiologismo é a marca das administrações municipais. Ocorre que governabilidade é mais do que aprovar projetos na Câmara, é conseguir trazer para o seu campo após as eleições agentes políticos adversários na campanha. Nesse aspecto, Aidan fracassou. Objetivamente não tem no governo ou apoiando seu governo personagens importantes da política local. A sustentação de governo se dá no dia-dia, nas ruas, nos clubes de serviço, nos campos da várzea; enfim, no conjunto da sociedade. Dessa forma, após 10 meses, Aidan fracassou no sentido de conseguir governabilidade.
CapitalSocial — E no aspecto político, de relacionamento com a base de sustentação e com a oposição?
Raimundo Salles — Não há respeito aos agentes políticos da cidade. A visão de bom moço, médico carinhoso que caminhava na campanha de branco e com estetoscópio no pescoço não existe mais. Deu lugar a um homem vaidoso que quer impor a todo o momento o modo de pensar, desautorizando qualquer assessor ou auxiliar. Nesse aspecto, o prefeito não cultiva aliados; deseja serviçais.
CapitalSocial — Santo André perdeu na vitória oposicionista quando se compara o que Aidan Ravin vem realizando e o que o senhor poderia realizar?
Raimundo Salles — Vou mencionar apenas um item: teria implantado o bilhete único e o transporte totalmente integrado em Santo André. A ideia de mudança já estava plantada no coração dos andreenses. A vitória do Aidan é mais um fenômeno eleitoral do que um fato sociologicamente lógico. Antes da campanha ele sinalizou por várias vezes apoiar e compor com o PT, não o fazendo por razões que desconheço.
CapitalSocial — O que mais pesou à vitória de Aidan Ravin em Santo André e por que esse peso não o favoreceu?
Raimundo Salles — Falando no primeiro turno. Em primeiro lugar, o desejo de mudança que encontrava solo fértil para candidaturas oposicionistas. Em segundo lugar, o eleitorado conservador do médico Newton Brandão. Ao identificar que ele não tinha mais possibilidades de sucesso, o eleitorado migrou para o médico Aidan. Em terceiro lugar, o então candidato Aidan não apresentou nenhuma proposta concreta, não se comprometendo com setores da sociedade bem como, por não ter propostas, também não incomodou nenhum setor da sociedade, ficando o embate Siraque versus Salles. O quarto fator, e o que acredito mais importante, a brutal perseguição da imprensa em relação à minha candidatura, inviabilizando a disputa para o segundo turno.
CapitalSocial — Num Grande ABC que não tem mídia de massa, o senhor conseguiria estabelecer até que ponto jornais, emissoras de rádio, revistas, sites e emissoras fechadas de TV influenciam uma disputa?
Raimundo Salles — No que se refere à mídia não acredito que rádio, sites e emissoras de TV tenham influenciado a disputa eleitoral. Entendo que o trabalho sujo de tirar minha candidatura do segundo turno ficou por conta dos jornais e revistas. No primeiro momento, vendendo de forma despudorada a idéia de que o candidato petista Siraque seria o vencedor das eleições no primeiro turno. Posteriormente, trabalhando desesperadamente para tirar minha candidatura do segundo turno, com manipulação descarada e vergonhosa de pesquisas eleitorais.
CapitalSocial — O senhor, então, foi prejudicado nas últimas eleições por conta da atuação da mídia?
Raimundo Salles — Sem dúvida, fui prejudicado pela imprensa escrita, comprometida com projetos empresariais e receosa de mudanças mais substanciais na administração andreense. Por isso, optou no primeiro momento pela manutenção do PT no poder e, ao verificar que poderia ter mais benefícios com Aidan, optou por apoiar projeto político que não tinha propostas concretas e poderia ser moldado de acordo com interesses empresariais desses grupos.
Posso citar diversas passagens no decorrer da campanha eleitoral. Entretanto, a mais notória foi a publicação de pesquisas no inicio de agosto, quando a candidatura Aidan não tinha força mas as pesquisas o apontavam em segundo lugar porque órgãos de imprensa propositalmente pesquisaram com o nome Raimundo ou Raimundo Salles. Nunca registrei a variável Raimundo ou Raimundo Salles no Tribunal Eleitoral Regional. Por ser conhecido como Salles, minha candidatura foi registrada com esse nome.
Dessa forma, especialmente no inicio da campanha, quando não tinha trabalho de divulgação com o nome completo as pesquisas prejudicaram o meu desempenho. Outro fato relevante é que no sábado que antecedeu à eleição o Diário do Grande ABC divulgou uma pesquisa, com farta distribuição gratuita de exemplares, informando que Aidan estava oito pontos percentuais na minha frente. Ao final, verificou-se que a diferença ficou na casa de um ponto percentual. Dessa forma, a onda anti PT identificou em Aidan a possibilidade de mudança e promoveu voto útil em seu favor.
CapitalSocial — Com experiência na Secretaria de Comunicação de São Bernardo durante a administração de William Dib, como avalia o nível de independência da mídia no Grande ABC? Seria diferente no Brasil como um todo?
Raimundo Salles — Não é diferente. Se você tem poder e dinheiro, a possibilidade de estar com você é grande. Mas quando mistura outros projetos com mídia, como interesse no lixo da cidade, no transporte em licitações, aí o que pesa é quem se curva mais ou cede a esses interesses.
CapitalSocial — O senhor e seus correligionários têm participação na administração Aidan Ravin?
Raimundo Salles — Não, e desautorizo qualquer pessoa a negociar em meu nome. Os democratas iniciaram uma conversa com o prefeito Aidan; entretanto, verificamos que não tínhamos condições de apoiar o seu governo. Temos orientação do presidente estadual do partido, Gilberto Kassab, para manter essa posição.
CapitalSocial — O senhor entende que nas próximas eleições em Santo André caberá uma nova alternativa oposicionista que não seja o Partido dos Trabalhadores ou reconheceria que a sua situação, como terceira força do eleitorado, sofreu desgaste com o resultado do ano passado e a viabilidade eleitoral tornou-se mais incômoda?
Raimundo Salles — Acredito que seja totalmente viável um novo projeto político para Santo André. O que está ai representa apenas interesses empresariais de quem vem mandando há anos na cidade. Entendo que saí fortalecido desse processo eleitoral.
CapitalSocial — Se o senhor tivesse a possibilidade de voltar no tempo e alterar uma decisão importante que tomou na disputa pela Prefeitura de Santo André, o que teria feito?
Raimundo Salles — Teria entrado com medida judicial impedindo a vergonhosa publicação da pesquisa eleitoral que apontava Aidan com oito pontos na frente no sábado que antecedeu as eleições. Isso ocasionou a formação do chamado voto útil em favor do então candidato mais viável para derrotar o PT. O resultado final provou que a diferença foi ridícula entre mim e Aidan, provocada pela distribuição gratuita de milhares de jornais e reprodução desse jornal com a manchete “Pesquisa aponta Aidan no segundo turno com Siraque”.
CapitalSocial — Dos prefeitos eleitos no Grande ABC, quem o senhor destacaria?
Raimundo Salles — Sem dúvida, o prefeito de Rio Grande da Serra, Kiko Texeira, um dos poucos políticos da região que tem palavra e revolucionou positivamente a forma de administrar sua cidade.
CapitalSocial — E dos que estavam no cargo e foram reeleitos, há novidades administrativas relevantes?
Raimundo Salles — De fato não vejo nada de novo.
CapitalSocial — Independentemente do desempenho que possa ter durante os quatro anos de mandato, o senhor acredita que a reeleição de Luiz Marinho em São Bernardo passará pelo resultado da eleição presidencial? Se José Serra vencer, as possibilidades de Luiz Marinho serão menores?
Raimundo Salles — Acredito que Luiz Marinho terá tempo para implementar plano de governo; entretanto, não vejo na sua administração o apoio popular e da sociedade civil que Dib teve. Quanto à candidatura Serra à presidência, não vejo nenhuma interferência no processo eleitoral de São Bernardo, caso seja eleito.
CapitalSocial — O que o senhor está esperando para definir candidatura às eleições proporcionais do ano que vem?
Raimundo Salles — Espero a definição do partido.
CapitalSocial — O senhor é favorável ou contrário ao voto distrital misto? Seria melhor para o Grande ABC contar com colégio eleitoral?
Raimundo Salles — Acredito que só a consciência do eleitorado da região poderá fazer com que possamos eleger uma bancada de deputados federais maior. Não acredito que uma legislação possa impor ao eleitor candidaturas, restringindo opções de escolha por regiões. O fato é que toda propaganda eleitoral gratuita não é gerada na região, e isso deveria ser modificado. Sou contra o voto distrital misto.
CapitalSocial — O que a possível candidatura de Ciro Gomes poderá alterar a disputa eleitoral do ano que vem?
Raimundo Salles — Acredito que em nada. O Ciro Gomes tem um discurso de contestação, mas hoje faz o jogo da situação. Perdeu conteúdo e o tempo vai mostrar que ele não sustenta os números apresentados.
CapitalSocial — Qual sua avaliação histórica do Clube dos Prefeitos?
Raimundo Salles — Acredito que avançou pouco. De fato, muitos prefeitos não acreditam na instituição. Não criaram sinergia entre os municípios para resolver os problemas comuns. O interesse local e as vaidades falam mais alto, além de sistema fechado, com pouca participação da sociedade civil.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira