Entrevista Especial

Guru de Celso Daniel vê tímido
avanço na agenda metropolitana

DANIEL LIMA - 22/03/2010

A agenda metropolitana viveu uma década perdida no País nos anos 1990 e avançou timidamente nos anos Lula da Silva. A conclusão é de um especialista no assunto, o homem que reforçou com conhecimento internacional o senso regional do então prefeito Celso Daniel, em Santo André. Jeroen Klink é professor da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC), onde ocupa o cargo de coordenador do chamado Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade.


Jeroen Klink teve papel de destaque no governo de Celso Daniel. Foi secretário de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional da Prefeitura de Santo André. Assessorou o prefeito para relações internacionais e, antes, prestou assessoria para órgãos públicos e privados. No início dos anos 1990 foi professor associado do Institute for Housing and Urban Development Studies, ligado à Universidade de Erasmus, na Holanda, sua terra natal.


Nesta Entrevista Especial a CapitalSocial, Jeroen Klink anuncia que a UFABC está criando um novo programa para aprovação do Ministério de Educação e Cultura ainda este ano e cujo temário tem tudo a ver com as mudanças de que o Grande ABC precisa, no caso gestão urbana e regional, incluindo a problemática metropolitana.


Defendemos que, nas regiões metropolitanas oficiais ou de fato, o bom gerenciador público não pode mirar apenas os limites do próprio território. Entendemos que até mesmo a expressão “prefeito municipal” está desatualizada, frente à realidade, e que o mais adequado é considerá-lo gestor metropolitano. Há exagero?


Jeroen Klink – De fato, um conjunto de serviços de interesse comum, como transporte e mobilidade, saneamento ambiental integrado, uso e ocupação do solo e o próprio desenvolvimento econômico, transbordam para fora dos limites de um ou outro Município e requerem abordagem articulada entre os gestores municipais. A agenda municipal ficou mais complexa e exige cada vez mais dos prefeitos visão estratégica e integrada, que lhes permita negociar conflitos e pactuar interesses divergentes em prol da eficiência coletiva do território regional metropolitano.


A agenda do governo federal e a agenda do governo do Estado de São Paulo não comportam o disciplinamento e o planejamento de regiões metropolitanas. Não há políticas específicas que ofereçam respaldo a medidas que influenciem sinergicamente os municípios. Qual é a saída para sensibilizar as autoridades mais graduadas?


Jeroen Klink – Dificilmente o problema metropolitano será resolvido exclusivamente a partir de ações advindas unicamente da escala local-metropolitana. Nos anos 90 do século passado, a esfera federal recuou e deixou um vácuo na agenda metropolitana, enquanto, com poucas exceções, os estados tampouco avançaram na criação de arcabouço institucional para melhorar a gestão e a organização das áreas metropolitanas. As regiões metropolitanas ficaram órfãs no meio de um cenário de turbulências socioeconômicas associadas à abertura econômica do País. Considerando escala e complexidade dos problemas metropolitanos e seu entrelaçamento com o projeto de desenvolvimento para o País, é urgente a construção de um programa nacional para as regiões metropolitanas, definindo macrodiretrizes, instrumentos e incentivos (financeiros-institucionais etc.) seletivos. Um programa com esse perfil abriria também perspectivas concretas para a esfera estadual efetivamente cumprir a promessa de induzir pactos territoriais metropolitanos por meio de programas e investimentos em macro-infra-estruturas, negociadas entre diversos entes federativos.


Muito se fala sobre o Consórcio de Prefeitos do Grande ABC, mas o tempo tem provado que as resoluções estão aquém das demandas econômicas e sociais. Há algum exemplo nacional de instituição metropolitana que de fato tem um conjunto de obras em que as demais possam dirigir os olhos?


Jeroen Klink – Há várias experiências em andamento, mas seria prematuro afirmar que se configuraram melhores práticas aqui ou ali. Na região de Belo Horizonte, criou-se uma agência metropolitana com participação do Estado e dos municípios, enquanto em Recife articulou-se o primeiro consórcio público de transporte com a participação do governo do Estado e dos vários municípios da região metropolitana. Entretanto, precisamos admitir que a lei dos consórcios, que poderá ainda se transformar num instrumento útil de governança colaborativa, até recentemente não foi utilizada pelos entes federativos. E, curiosamente, as experiências recentemente articuladas pelos governos estaduais seguem ainda o modelo organizacional dos anos 70, com pouca participação das entidades da sociedade civil.


O modelo funcional do Consórcio de Prefeitos do Grande ABC, no qual prevalece a rotatividade presidencial, favorece o afrouxamento dos demais chefes de Executivo que exercem apenas cargo de expectativa? A experiência do Grande ABC mostra o presidente de plantão atuando com vigor, mas os demais prefeitos longe do mesmo ritmo. Não seria mais prático que os prefeitos compusessem espécie de Conselho de Administração e os cargos executivos fossem entregues a especialistas em regionalidade e em metropolização?


Jeroen Klink – No arranjo institucional atual do Consórcio, o presidente se sobrepõe, enquanto os demais prefeitos tendem a ficar mais à margem no processo de gestão. Existe também número relativamente pequeno de cargos públicos para a execução das tarefas. Na prática, cada presidente traz uma equipe municipal de comissionados para dinamizar a gestão, desencadeando certa descontinuidade com a indicação do novo presidente após um ano. O modelo do consórcio público separa a elaboração do pacto territorial, que fica a cargo do colegiado dos prefeitos, e a execução dos serviços de interesse comum, por meio de uma autarquia regional que tem atribuição dos cargos profissionais especificamente concursados para esse objetivo.


Especialistas em metropolização defendem a definição de alguns pontos prioritários para aplicação de ações estratégicas de modo que as respostas não sejam demoradas e, a partir daí, abririam espaço à inclusão de novas medidas. Como é possível conscientizar o gestor público sobre a lógica de que prioridades demais significam não haver prioridade alguma?


Jeroen Klink – Na essência, essa abordagem da chamada “geografia variável” foi a lógica da Câmara Regional do Grande ABC: pactuar uma agenda concentrada, com temas e atores diferenciados, abordando primeiramente aqueles eixos que aglutinassem e mobilizassem um número maior de protagonistas. Por consequência, os primeiros sucessos desencadeariam um novo ciclo de aprendizagem e aprofundamento da articulação regional. Infelizmente, na sua trajetória posterior, a agenda da Câmara ficou também dispersa, e, à luz de certa frouxidão dos acordos regionais, talvez um pouco voluntarista.


Entre os pontos prioritários de metropolização, há temáticas pré-definidas que precisariam ser atacadas sob pena de os resultados não atingirem a representatividade necessária ou cada Município ou região deve ser analisado para definição da pauta de medidas?


Jeroen Klink – Evidentemente, existem pontos nevrálgicos que podem limitar o sucesso de determinado pacto metropolitano, como a ausência de um plano diretor metropolitano, a ameaça às bacias hidrográficas pelo uso e ocupação do solo desordenado, o histórico descaso dos gestores nas diversas escalas de poder da Federação com os setores populares obrigados a produzir a sua própria moradia à margem do mercado formal, e o neolocalismo competitivo dos atores que influem no planejamento e organização do território metropolitano. Entretanto, é difícil eleger uma prioridade, pois fazem parte de um elenco transversal de dimensões que se costuma chamar de planejamento e gestão do território metropolitano.


É exagero afirmar que qualquer plano de atuação para colocar ordem numa região metropolitana tem de contar com o marco zero de um banco de dados múltiplos igualmente metropolitano?


Jeroen Klink – É importante ter uma base de informações para avançar com o planejamento metropolitano. Agora, nem sempre é necessário criar dados novos, mas melhorar a troca e o compartilhamento das informações já existentes entre os atores que atuam na escala metropolitana (governos, empresas, sindicatos, organizações da sociedade civil etc.), e que possuem agendas conflitantes. Ademais, a construção de um sistema de informações deveria nortear a intervenção concreta no território: muitas das entidades metropolitanas estaduais, esvaziadas ao longo do tempo, produziram diagnósticos interessantes mas que não influíram sobre o planejamento e gestão das regiões metropolitanas.


Faltam especialistas em metropolização no Brasil? As escolas de Administração Pública têm pedagogia metropolitana?


Jeroen Klink – Isso parece ser mesmo um paradoxo: enquanto uma parcela grande dos problemas e potencialidades do País concentra-se nas áreas metropolitanas, tanto a práxis quanto a academia se preocupam marginalmente com o tema. Por isso, a UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) está criando um novo programa de pós-graduação em planejamento e gestão do território, a ser enviado para aprovação junto ao MEC ainda este ano. Referido programa destaca temas como a gestão urbana e regional, incluindo a problemática metropolitana.


Projetos preparados para uma determinada região metropolitana, ou para um Município incrustado numa determinada região metropolitana, podem ser replicados em outros endereços?


Jeroen Klink – Considerando o tamanho e a disparidade socioeconômica e espacial do território brasileiro, isso seria um risco. Esse foi o modelo adotado pelo regime militar nos anos 70 do século passado, que buscou equacionar a problemática metropolitana a partir de fórmula única, replicável às demais regiões. O desafio atual é garantir equilíbrio fino entre a estruturação de um programa nacional de sustentabilidade socioambiental para as áreas metropolitanas, de um lado, e o processo diferenciado de pactos entre atores e interesses nos diversos territórios metropolitanos, de outro.


Você também considera Celso Daniel a maior expressão histórica deste País como exemplo de inquietação metropolitana?


Jeroen Klink – Considero. Juntou conhecimento técnico e capacidade política ao articular uma resposta integrada da região ao desafio da abertura descontrolada da economia nacional. Buscou, a partir da articulação regional, uma “reinvenção” da economia, caracterizada pela presença do terciário avançado, pelos sistemas de inovação e pelos sucessivos ciclos virtuosos de aumento de produtividade, do crescimento salarial e da qualidade de vida.


Estamos estáticos ou recuamos depois da morte de Celso Daniel? O Brasil perdeu a embocadura à metropolização?


Jeroen Klink – Existem avanços. Para exemplificar, no período 2003-2004, o governo federal coordenou um conjunto de estudos que gerou diagnóstico apurado sobre o estado das artes nas regiões metropolitanas. Isso mobilizou a sociedade em torno da discussão e da aprovação da lei dos consórcios públicos, que permitiu o fortalecimento institucional, a modernização e a profissionalização dos consórcios intermunicipais. Entretanto, estamos ainda longe da estruturação de um amplo programa nacional para as regiões metropolitanas, com instrumentos de fomento financeiro, institucional e gerencial à governança cooperativa nos territórios metropolitanos.


Se fosse possível estabelecer grau de diferença entre o que se aplica de fato sob o conceito de metropolização no Brasil e o que outras praças internacionais oferecem, em que estágio estaríamos?


Jeroen Klink – Em função da globalização existe em vários países uma busca da readequação das estruturas de gestão e organização das áreas metropolitanas. Em Toronto e Montreal, no Canadá, houve um processo polêmico de fusão forçada dos municípios metropolitanos, o que gerou protestos. Em Madrid, a hegemonia da chamada comunidade autônoma na gestão metropolitana é contestada pelo prefeito da cidade central de Madrid. No cenário pós-apartheid, na África do Sul, já ocorreram três mudanças no estatuto dos governos locais, culminando na mais recente consolidação das estruturas municipais, anteriormente fragmentadas, em cidades metropolitanas. Em comparação, no Brasil, no que se refere ao tema metropolitano, podemos dizer que os anos 90 representaram uma década perdida. Somente recentemente, e ainda de forma tímida, o governo Lula retoma a agenda metropolitana.


Há um modelo de academia internacional que deveria servir de farol para quem leva a sério questões metropolitanas?


Jeroen Klink – A Universidade de Amsterdã, na Holanda, oferece um programa interdisciplinar de estudos metropolitanos que prepara profissionais para carreiras em organizações internacionais, no setor público ou privado, ou, alternativamente, para aprofundar estudos sobre temas como globalização e dinâmica metropolitana. Além desse exemplo específico, a maioria das grandes escolas de planejamento urbano e regional destaca o tema metropolitano dentro da estrutura curricular.


Há vários modelos aplicáveis à integração de medidas metropolitanas, como a possibilidade de aproximar apenas os municípios diretamente relacionados às intervenções que precisam ser realizadas ou expandir o número de acordo com a abrangência dos problemas. Observar a metropolização sob o ângulo da fragmentação seletiva quebra o espírito associativista geral?


Jeroen Klink – Particularmente, em casos com pouca experiência de governança colaborativa, pode ser interessante inicialmente induzir maior cultura de cooperação por meio de acordos e programas setoriais específicos. Esta tem sido a abordagem pragmática das regiões metropolitanas norte-americanas, onde existem poucas agências metropolitanas integradas, mas muitos mecanismos de cooperação setorial (para estradas, sistemas de transporte, parques, escolas, hospitais etc.). Como percebemos, no atual cenário das grandes metrópoles nos Estados Unidos, esse modelo alcança o seu limite na medida em que o crescimento excessivo de agências setoriais gera um problema de coordenação territorial na região como um todo.


Fosse consultado sobre as vantagens e os riscos de um Município ou região depender de uma determinada atividade econômica como carro-chefe do desenvolvimento econômico e social, qual seria a sua resposta?


Jeroen Klink – É sempre mais interessante diversificar a estrutura econômica. Este tem sido o dilema de cidades como Detroit, até hoje excessivamente dependente da matriz automotiva.


Estaremos mais preparados e amadurecidos para entender o significado de gestão metropolitana quando a mídia registrar com certa abundância essa expressão em vez de centrar fogo em ações municipalistas?


Jeroen Klink – De fato, uma mídia crítica e participativa, que cobra dos prefeitos agenda de ações para o planejamento e gestão dos serviços de interesse comum, desempenha papel fundamental no processo de fortalecimento da gestão regional-metropolitana. Infelizmente, e com poucas exceções, não é isso que acontece no ABC Paulista. A imprensa ainda não valoriza o tema regional.


Você também faz parte do exército de críticos da mídia que lamentam que o noticiário seja muito mais caudaloso tendo Brasília como base de operações em vez das áreas metropolitanas?


Jeroen Klink – Sim. Curiosamente, a mídia não parece perceber que os problemas e potencialidades das áreas metropolitanas se entrelaçam com a agenda nacional pautada em Brasília.


Agrada-lhe a idéia, proposta por um especialista em finanças públicas, de criar-se algo como o Estado da Grande São Paulo como forma de administrar um dos maiores conglomerados humanos do planeta?


Jeroen Klink – Mesmo considerando que será difícil viabilizar politicamente, não tenho certeza se essa proposta resolve um dos principais dilemas da Grande São Paulo, que é a dificuldade de organizar, gerenciar e financiar um território fragmentado por um número grande de municípios, com intensas e históricas disparidades socioespaciais e econômicas. Ao invés de criar uma nova estrutura estadual, talvez seja mais interessante trabalhar esse desafio diretamente, por exemplo, por meio de mudanças na estrutura de financiamento das regiões metropolitanas, ou por um programa de incentivos específicos. Aliás, analisando a trajetória federativa brasileira dos últimos anos, é exatamente a esfera estadual que mais se esvaziou.


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