Preferido de Celso Daniel para a sucessão eleitoral abortada em janeiro de 2002, quando o prefeito petista foi assassinado, o arquiteto e gestor público Klinger Sousa analisa de forma completamente antagônica a Administração Luiz Marinho, em São Bernardo, e a Administração Aidan Ravin, em Santo André. Petista crítico do vazio gerencial que Santo André viveu desde a morte de Celso Daniel, Klinger Sousa discorre com contundência nesta Entrevista Especial.
Com um misto de causticidade e sarcasmo, Klinger Sousa define a Administração Aidan Ravin de uma maneira nada preocupada com o politicamente correto: “O carro-chefe dessa Administração parece mesmo ser a recolha de agasalhos. Nunca ouvi se falar tanto nisso. Nos últimos três anos passa-se metade do ano divulgando a campanha de recolhimento de agasalhos e depois se prestando contas e agradecendo os números alcançados” — disse Klinger Sousa.
Já sobre o governo Luiz Marinho, emite juízo de valor completamente distinto: “Mesmo os adversários políticos mais críticos reconhecem que a cidade nunca teve em sua história um volume de intervenções tão grande em áreas tão variadas, ocorrendo todas em uníssono. Na tentativa de mitigar o feito, ressaltam os investimentos do governo federal na cidade e justificam pela ligação do prefeito com o presidente Lula e suas articulações com o governo federal, uma vez que lá esteve como ministro em duas pastas.
A Entrevista Especial completa com Klinger Sousa:
Com o PT unido em Santo André, inserido no projeto macronacional de compor maiorias para chegar às prefeituras, podemos afirmar que o tempo está-se esgotando para o governo Aidan Ravin?
Klinger Sousa – Penso que o esforço empreendido pelo deputado estadual Carlos Grana e pelo presidente do PT em Santo André, Luis Turco, para garantir a unidade nas várias correntes em que se fragmentou o partido após a desastrada disputa interna em que se envolveu seguida de uma inexorável derrota eleitoral, conferiu ao PT condição de disputa da eleição municipal no ano que vem bastante favorável. Isso, no entanto, não pode ser confundido com vantagem eleitoral. Ao prefeito em exercício e sua aliança partidária no exercício do governo sempre caberá favoritismo.
Há um quadro bastante favorável ao PT, interpretado por analistas políticos, que aponta para o fato de que de qualquer maneira o partido se dará bem nas próximas eleições nacionais. Se o governo Dilma Rousseff escorregar, a saudade de Lula da Silva aumentará; e se o governo de Dilma Rousseff seguir com índice de aprovação bastante satisfatório retroalimentará os níveis de saudade do ex-presidente, seu principal fiador. O senhor enxerga outra possibilidade a neutralizar esse desenho eleitoral?
Klinger Sousa – Costumo acompanhar as análises da conjuntura política feita pelos “experts” com muito ceticismo, haja vista que o mesmo analista que em uma dada conjuntura faz análise catastrófica prevendo o caos político no governo federal, em outra, logo em seguida, prevê (e fundamenta com bons argumentos) períodos de paz e tranquilidade com grande progresso para o País.
Veja o que ocorreu mais recentemente com a presidenta Dilma. Na esteira das várias denúncias levantadas pela imprensa contra ministros, não foram poucos os analistas influentes (articulistas em jornais de grande prestígio nacional e mesmo na imprensa televisiva) que vaticinaram o fim precoce das condições de governabilidade do mandato da presidenta Dilma e a derrocada para o fisiologismo aberto nas relações com a base aliada.
Pois bem: bastou sair uma pesquisa nacional de opinião pública mostrando a melhora na avaliação do governo e da imagem pessoal da presidenta que as avaliações mudaram radicalmente, feitas pelos mesmos “experts”. Esses jornalistas pecam pela necessidade de ter opinião sobre tudo o tempo todo. É praticamente impossível ser preciso e rigoroso se tiver que fazer análise o tempo todo a partir de informações pouco trabalhadas e contextos nada refletidos.
As análises, embora ganhem na opinião pública o status de informação especializada e, portanto, crível, não passam de mera opinião, com quase nenhuma cientificidade e, logo, sem nenhuma credibilidade. Infelizmente a opinião pública ainda é muito pouco crítica e se move ao sabor da emoção provocada pelo espetáculo que os grandes escândalos proporcionam em um enredo que a Imprensa sabe operar com maestria.
Acredita que o vácuo de macroplanejamento na administração pública de Santo André desde a morte de Celso Daniel poderia ser interrompido com eventual administração Carlos Grana?
Klinger Sousa – Pessoalmente confio muito na capacidade política do deputado Carlos Grana. Acredito que ele tenha todas as condições de, uma vez declarado candidato pelo PT, contribuir para aglutinar aliados e fazer uma campanha baseada em propostas concretas que possam resgatar um modelo de gestão fortemente identificado com o Celso Daniel de trabalhar mediante prévio planejamento, com os olhos voltados para o futuro.
A propósito dessa questão, é preciso lembrar a todos aqueles que procuram encontrar um político que se assemelhe a um clone do Celso Daniel que, nem mesmo o Celso se manteve preso a dogmas e princípios de gestão por ele formulados. Aos observadores atentos deve ressaltar que a principal característica dos governos dele foi a inovação em cada uma de suas gestões. Tivemos um projeto particular que exigiu inclusive mudanças na estrutura de gestão administrativa que, muitas vezes, contraditavam ideias e projetos colocados anteriormente pelo próprio Celso Daniel.
É o caso da Empresa Pública de Transporte, uma das marcas da gestão de 1989-1992, e que se consolidou como empresa pública operadora, mas que no seu segundo mandato, de 1997-2000, deixou de operar o sistema de transporte, passando a ser apenas gestora dos serviços de transportes. Essa aparente contradição representa a perspectiva inovadora do Celso Daniel de compreender e atuar mediante uma visão estratégica situacional, coisa que, infelizmente os demais políticos da cidade estão longe de conseguir alcançar.
O PT faz projeção de ganhar o jogo eleitoral na Província do Grande ABC de 6 a 1. Apenas São Caetano ficaria à parte do controle dos municípios da região após as eleições do ano que vem. Essa perspectiva é otimista demais?
Klinger Sousa – Acredito que há otimismo exacerbado nessa projeção. Não vejo dessa forma. Por mais que seja otimista, entendo que o PT em Ribeirão Pires e em Rio Grande da Serra está muito fragilizado e sem projeto consistente capaz de amalgamar a sociedade.
Qual o significado do ex-presidente Lula da Silva pegar o candidato do PT pelo braço e sair por aí, principalmente na periferia, anunciando que quer vê-lo na Prefeitura?
Klinger Sousa – Em qualquer cidade do País em que o Lula decidir pegar um candidato do PT e carregar durante as eleições fará uma enorme diferença. Isso aqui no ABC se tornará exponencial por razões óbvias. A questão é que hoje o Lula tem um papel para o PT, para o País, que o impossibilita de fazer isso, ainda que eventualmente esse seja seu desejo. Penso que ele será decisivo nas eleições municipais do próximo ano no País, particularmente em alguns colégios eleitorais importantes para o Projeto Nacional do PT, como a cidade de São Paulo, mas não apenas fazendo campanha de rua e sim articulando politicamente nomes, alianças, estratégias; enfim fazendo aquilo que ele faz de melhor, que é a Grande Política.
O modelo de coalizão partidária que moldou as candidaturas vitoriosas de Lula da Silva, principalmente a segunda à presidência da República e a vitória de Dilma Rousseff, é o núcleo das ações do partido agora em territórios municipais e estaduais. Essa á a fórmula do sucesso?Isso não representaria perda da identidade da sigla?
Klinger Sousa – Entendo a questão e penso a propósito disso. Se o PT ou qualquer outro partido quiser manter uma identidade forte, baseada em princípios muito rígidos e doutrinas muito claras e segmentadas, representará uma parcela minoritária da sociedade brasileira. Somos uma sociedade multicultural, de inúmeras classes sociais, com enormes diferenças educacionais e com visões de mundo muito diferenciadas. Nenhum partido com identidade segmentada conseguirá representar a maior parte de uma sociedade. Assim, é preciso ter princípios gerais e se abrir a alianças que considerem essas diferenças.
O PT conserva a sua identidade ao se afirmar como partido que se volta aos mais pobres, que trabalha pela formulação e implementação de políticas de distribuição de renda, que aposta em um modelo de desenvolvimento inclusivo que rompe com a lógica de primeiro aumentar o bolo para depois dividi-lo, apostando em uma lógica diversa que leva ao crescimento com aumento da renda da base da pirâmide social.
O governo do presidente Lula mostrou isso na prática ao se diferenciar radicalmente em termos de resultados do governo de seu antecessor, ainda que ambos tenham tido praticamente a mesma base de sustentação política na sociedade.
Como minimizar os danos eleitorais da classe média tradicional de Santo André que, mesmo com Celso Daniel à frente, sempre devotou restrições ao PT?
Klinger Sousa – Não diria mais que existe restrições da classe média de Santo André ao PT. Isso foi uma realidade no final da década de 1980. Os governos do Celso Daniel muito contribuíram para lançar pontes de aproximação e de confiança recíproca entre o partido e vários segmentos dos setores médios da sociedade andreense.
É claro que esses setores não estão dispostos a dar um aval a qualquer governo ou a qualquer proposta petista para a cidade. É preciso recuperar as condições objetivas de propor e de levar adiante um projeto factível que empolgue esse segmento. Acredito que, se conseguir elaborar um projeto que seja inovador e ao mesmo tempo viável, se demonstrar ter condições de implementá-lo, não terá dificuldade em conseguir apoio em amplos segmentos dos setores médios que já aprenderam a confiar no PT e em seu governo, atuando lado a lado com o Celso Daniel e sua equipe em inúmeros projetos do interesse da cidade.
Um bom governo de Dilma Rousseff e a aproximação funcional da presidente com o governo tucano de São Paulo, entre outros, contribuiria para reduzir a carga de antipatia dessa porção da classe média?
Klinger Sousa – É minha convicção que hoje já não existe um pré-conceito das classes médias da cidade em relação ao PT. Penso que, se tivermos um bom projeto, será avaliado à luz de factibilidade e credibilidade e julgado frente aos demais, sendo escolhido caso se mostre condizente com as possibilidades e os anseios da cidade.
Se tivesse que filtrar dentro da classe média tradicional mais avessa ao PT um nicho historicamente mais resistente ainda, quem seriam seus representantes?
Klinger Sousa – É claro que existem núcleos de resistência ao PT encastelados nos setores mais tradicionais da cidade, no grupo de antigas oligarquias que consideravam a cidade uma espécie de feudo à mercê de interesses privados e conluios cartoriais, gente que só explorou a cidade, que nunca se preocupou com o seu povo e as condições de vida dos que aqui habitam.
Não mencionarei nomes, mas posso dizer que todas as pessoas que, antes, hoje e no futuro consideram um absurdo que os mais pobres tenham acesso à universidade, favorecidos por alguma política afirmativa, que entendem que programas de suplementação de renda associada com políticas de permanência de crianças na escola no estilo do Bolsa Família representam políticas absurdas, têm forte tendência a estar inseridas em um grupo de pensamento tradicional resistente ao PT.
O governo Celso Daniel formou secretariado de primeira linha porque havia sobra de cabeças para mão-de-obra no PT, algo que parece ter-se esgotado com a ocupação de mais espaços na administração pública a partir do governo federal. Carlos Grana teria dificuldades para acertar o quadro de colaboradores?
Klinger Sousa – Não penso como você. Ao contrário, parto sempre da premissa de que o melhor quadro técnico ou político é aquele que ainda não conhecemos. No grupo de pessoas que estão fora do nosso universo de conhecidos a chance de existirem perfis extremamente competentes é maior do que no grupo que conhecemos. Boa parte da equipe do Celso Daniel reconhecida junto com ele pelo trabalho realizado não era formada por pessoas de seu círculo de relacionamento, nem do grupo do PT da cidade. Ao contrário, a maior parte ele recrutou em concurso público realizado na cidade nos anos de 1989, 1990 e 1991 (eu mesmo vim conhecer o Celso Daniel já como funcionário de carreira concursado na Prefeitura de Santo André).
Digo isso para afirmar que a questão não são as pessoas e sim o projeto político e o líder que o conduz. São as escolhas do Carlos Grana e sua capacidade de liderar e dar autonomia à equipe, identificando os bons quadros e potencializando competências, que vão garantir a formação de uma excelente equipe de trabalho.
Penso que o Grana, uma vez escolhido prefeito, não precisará desalojar nenhum quadro político de suas tarefas para vir ajudá-lo em Santo André. Aqui ele encontrará pessoas competentes e dedicadas ansiando por uma oportunidade de estar ao lado de um político jovem, inteligente, honesto e capaz para realizar excelente projeto pela cidade.
Tanto a Cidade Pirelli como o Eixo Tamanduatehy foram projetos abandonados desde a morte de Celso Daniel. É possível retomá-los?
Klinger Sousa – Acredito que sim. Ambos poderiam ser retomados. Entretanto, exigiriam uma profunda revisão de parâmetros, principalmente no modelo de financiamento para implementação.
Diferentemente do que o senhor imaginava no início deste século, antes da morte de Celso Daniel, Santo André não conseguiu recompor os limites de Município que sofreu forte desindustrialização com serviços de tecnologia de ponta. Perdeu a cidade o trem da modernização econômica?
Klinger Sousa – O que pensava antes ainda anima minhas convicções no presente. Entendo que o eixo da inovação representa a maior oportunidade de recuperação da virtuosidade industrial que a região do ABC já teve e que poderia ser recuperado no presente. Para tanto seria fundamental articular um projeto de desenvolvimento sustentado por uma cadeia produtiva de serviços ligados à alta tecnologia. Entendia na oportunidade que a Administração Municipal poderia funcionar como animadora de instituições diversas, vinculadas à pesquisa e desenvolvimento, e constituir um polo de tecnologias de ponta atuando na perspectiva de constituição de um cluster de inovação.
Esta é ainda uma aposta que faço para o futuro próximo. Ocorre que o que vimos na virada do século com a prematura morte do prefeito Celso Daniel foi um conjunto de ações desarticuladas das gestões que o sucederam, que não apenas deixaram de impulsionar esse projeto como funcionaram como grande desestímulo a iniciativas esparsas que tivessem essa direção.
Vou dar um exemplo pequeno mas extremamente paradigmático. A implantação da Universidade Federal do ABC. Durante muitos anos essa foi uma bandeira de luta de Santo André, de certa maneira assumida pela região. Queríamos uma Universidade Federal aqui, mas poucos tinham clareza quanto ao Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI) que deveria animar uma instituição de ensino, pesquisa e extensão pública na região do ABC. Celso Daniel e alguns membros de seu governo tinham clareza quanto a isso. Porém, quis o destino que a implementação da Universidade se desse após a sua morte.
Nas negociações para a implantação da Universidade que envolveram entre outras coisas a cessão de área para instalação do campus, não se cogitou discutir esse PDI com o Ministério da Educação. Ao contrário, os representantes do Executivo municipal contentavam-se com as notícias de que a UFABC teria um PDI inovador e seria pautada em um currículo novo, base para um novo plano curricular de todo o sistema federal de Educação Superior.
Não se obteve nenhum compromisso no PDI da UFABC com a realidade regional, nem tampouco com as necessidades e anseios dos vários setores sociais (produtivo, cultural, comunidade, etc.).
Estamos acompanhando o resultado. Não quero tecer críticas à UFABC. Entendo que o projeto curricular é de fato inovador e um avanço para a região; porém é inegável que essa mesma universidade aqui, no Recôncavo Baiano ou no Triângulo Mineiro seria a mesma coisa, ou seja, não é possível ver na Universidade a identidade do Grande ABC.
Isso é uma lástima. Perdemos uma oportunidade de ouro de ganhar potência e grande capacidade no que diz respeito à inovação e à pesquisa articulada com o setor produtivo e cultural, só para citar dois dos setores que considero mais prejudicados pelo modelo de Instituição de Educação Superior — IES que recebemos.
A ausência de um braço de acesso do Rodoanel Sul em Santo André implica em desvantagens logísticas insuperáveis?
Klinger Sousa – Implica sim em desvantagem logística, porém não entendo que sejam insuperáveis. É preciso considerar uma série de melhorias na Avenida dos Estados e sua necessária extensão em Mauá para potencializar a força desse importante eixo de desenvolvimento de Santo André com o Rodoanel.
Entretanto, o que estamos acompanhando com a inauguração do trecho Sul do Rodoanel? Exatamente o contrário. A Avenida dos Estados está totalmente sucateada. Hoje é uma via que retoma o estigma do passado, de avenida destruída, insegura e sem fluidez. Em nome de um projeto privado — embora importante para manter a competitividade do polo petroquímico — permitiu-se a destruição desordenada da avenida sem um mínimo de gestão e acompanhamento público. As obras de implementação das adutoras de água de reuso são feitas sem supervisão e sem exigências mínimas de padrão de qualidade e de garantia de fluidez e segurança para o tráfego. Tudo em nome de uma maior rentabilidade do negócio de captação e oferta dessa água. Mais uma grande oportunidade desperdiçada por falta de visão de futuro e por desídia dos gestores públicos de plantão.
Por falar em Rodoanel Sul, como analisa a obra do governo do Estado que também contou com recursos federais? A logística interna da Província do Grande ABC é um nó insuperável? O monitoramento econômico de vantagens e desvantagens potenciais e reais da obra não deveria merecer atenção dos administradores públicos? Não é um desperdício de massa de informação tratar o Rodoanel Sul apenas como elemento viário, como transposição física do espaço geográfico?
Klinger Sousa – Na questão anterior, tratava exatamente desse tema. A falta de visão estratégica dos gestores públicos dos últimos anos impediu que se mobilizassem para discutir com a sociedade do ABC as possibilidades de médio e longo prazo abertas com a efetiva conclusão do Rodoanel Sul. Quando da escolha do traçado, o centro do debate estava no impacto ambiental da obra. Diversas atividades foram promovidas. Todas polarizadas pela questão ambiental, tendo em vista a grande extensão do percurso na área de proteção aos mananciais e o impacto direto das várias obras de arte na Represa Billings. Os outros temas ficavam totalmente relegados a um segundo plano.
No entanto, uma vez definido o traçado, elaborados e aprovados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), e iniciada a obra, caberia à sociedade dar um passo adiante e discutir as potencialidades logísticas abertas pelo Rodoanel e as necessidades, tendo melhor aproveitamento da infraestrutura para a região. Caberiam aos administradores municipais animar esse debate e trazer o governo do Estado para discutir o tema, tomando providências de sorte a potencializar os ganhos e mitigar os eventuais prejuízos. Entretanto, isso não aconteceu, o que representou mais uma grande perda de oportunidade de desenvolvimento regional, principalmente para Santo André, Mauá e São Bernardo.
Como o senhor se sente hoje ao observar que a quase totalidade de médios e grandes municípios brasileiros adotou medidas de trânsito dentro de parâmetros que nortearam a ação que desencadeou em Santo André no final dos anos 90 e que causaram reações estridentes, principalmente da classe média? A chamada indústria de multas morreu ou jamais existiu?
Klinger Sousa – Esse é mais um dos pontos que mostram que conceber, formular e implementar políticas públicas requer mais do que simplesmente ficar preso às platitudes. Naquela oportunidade a política pública que optamos por implementar em relação ao trânsito estava pautada na necessidade de se atuar em uma mudança de cultura com os olhos voltados à redução do número e da gravidade dos acidentes.
Tínhamos plena consciência da dificuldade a ser enfrentada e do potencial de grande antipatia dessa política junto à classe média formadora de opinião, mas estávamos também convencidos de que essa era a coisa certa a fazer e que isso estava à frente do nosso tempo. Seria a tônica a ser seguida dali adiante, levando à efetiva mudança de cultura e posterior aceitação dos resistentes.
Enfrentamos todas as críticas, mostramos os resultados alcançados e fomos reconhecidos nacional e internacionalmente pelo êxito da política que logo começou a ser seguida por outras importantes cidades do País e da região.
A chamada “Indústria das Multas” nunca existiu. O que houve foi um aumento significativo das campanhas educativas de trânsito, seguidas de um necessário aumento no rigor da fiscalização seguido do aumento no número de infrações convertido imediatamente na redução dos índices e da gravidade dos acidentes na cidade.
Foi triste constatar o afrouxamento dessa política e o enorme retrocesso de resultados. A face mais sórdida está na perda de vidas de jovens, na maioria filhos dessa mesma classe média que conspirou contra a política de trânsito em Santo André no período de 1997 a 2001.
Se tivesse que apontar três virtudes da administração Aidan Ravin, quais escolheria?
Klinger Sousa – Desculpe, mas não consigo pensar em nenhuma. Com muito boa vontade poderia citar as ações de maior visibilidade do governo Aidan até o presente, mas jamais as poderia denominar de virtuosas. Para não parecer má vontade, vou explicitar as ações que entendo tenham tido maior visibilidade.
O carro-chefe dessa Administração parece mesmo ser a recolha de agasalhos. Nunca ouvi tanto sobre isso. Nos últimos três anos passa-se metade do ano divulgando a campanha de recolhimento de agasalhos e depois se prestando contas e agradecendo os números alcançados. É claro que é útil mobilizar a sociedade para exercitar o altruísmo e fazer um esforço individual em nome da solidariedade, porém esse não pode ser um projeto de cidade. Um governo não pode estar mobilizado e pautado por isso, mesmo que isso seja a coisa mais importante colocada a cargo da primeira dama do Município. Paciência! Se a primeira dama é poderosa o bastante para mobilizar o governo nos projetos a que se dedica, então que aproveitemos essa força em projetos mais nobres da estatura de Santo André.
Outra iniciativa bastante festejada pela Administração no segundo ano e agora no terceiro diz respeito à entrega de uniformes e material escolar aos estudantes da rede municipal de educação. Em que pese a validade da iniciativa, não há novidade nisso. Trata-se de uma política pública em curso mantida pela atual gestão que no primeiro ano se atrapalhou toda e só conseguiu entregar os uniformes ao final do ano letivo e que parece ter ficado muito satisfeita em ter conseguido entregá-los com pouco atraso no segundo ano e, finalmente sem nenhum atraso no terceiro.
Se nos contentarmos com isso e com a pintura dos prédios escolares e tomarmos isso por melhoria da qualidade na Educação, tudo bem! Porém, infelizmente para Santo André, isso é muito pouco. É preciso investir em qualidade na Educação, estabelecer metas de melhoria no desempenho dos alunos da rede municipal, estabelecer metas para a formação dos docentes, democratizar a gestão das escolas e flexibilizar o currículo com o emprego de novas tecnologias de comunicação integradas ao currículo e não apenas segregadas na presença caricata dos laboratórios de informática.
Recentemente o governo Aidan passou a efetuar reformas em praças e a comemorar muito os resultados ao implantar novos mobiliários de ginástica, ao ativar chafarizes e iluminar fontes de água. Iniciativa meritória de qualificação do espaço urbano com apelo no entorno das áreas beneficiadas, mas que tem pouquíssimo impacto no conjunto da cidade, exceto pela propaganda oficial bastante disseminada nos outdoors espalhados pela cidade.
E se tivesse que apontar três grandes deficiências?
Klinger Sousa – A principal, e que está na raiz de todas as demais, é o fato desse governo não ter um projeto para Santo André. Não apresentou nada no processo eleitoral que pudesse ser digno desse nome. Fez uma campanha na base da negação ao projeto situacionista, mas não se posicionou claramente quanto a nenhum tema e política pública em curso na cidade. Dessa maneira, criou-se uma situação estranha: não tendo sobre o que cobrar especificamente, a comunidade andreense fica anestesiada diante do governo, incapaz de se empolgar mas também sem grandes arroubos contestatórios.
Com isso, a cidade retrocede. Deixa de aproveitar oportunidades de desenvolvimento em um momento muito bom para a economia do País e de extrema competitividade entre as cidades pelo protagonismo de determinados eventos e investimentos captados no mercado internacional. Recursos que haviam sido negociados na gestão anterior e disponibilizados no orçamento da União para áreas importantes como saúde e habitação foram devolvidos por ausência do cumprimento dos prazos.
Novos recursos que foram captados com muita competência pela Prefeitura de São Bernardo deixaram de ser disputados por Santo André. Novas oportunidades vinculadas ao Pré-Sal, por exemplo, fortemente trabalhadas por São Bernardo, sequer mobilizam o debate no Paço Municipal de Santo André.
O governo se amesquinhou e se contenta em fazer (mal) a manutenção da cidade. O prefeito vestiu a carapuça de síndico da cidade, abrindo mão do papel de gestor. Não há nenhuma política pública inovadora em curso ou que represente diferencial na prestação de serviços e no desenvolvimento do Município.
Outra deficiência significativa é quanto à manutenção da infraestrutura urbana. Não estou falando aqui dos serviços urbanos superficiais mais facilmente reconhecidos pela população, como coleta de lixo e limpeza urbana, ou serviços de tapa-buraco. Refiro-me à infraestrutura de porte como, por exemplo, a de macrodrenagem.
Todas as grandes obras realizadas ao longo dos dois últimos mandatos do prefeito Celso Daniel com vistas a acabar com as enchentes crônicas no Centro, Bairro Casa Branca, Bairro Jardim e Vila Pires deixaram de funcionar no curso desse mandato e trouxeram de volta ao cenário urbano da cidade a triste lembrança das enchentes na Avenida Industrial com o Shopping Grand Plaza e o acesso à Estação de Trem e Terminal Urbano de ônibus e Trólebus interditados. Enchentes na Rua Elisa Flaquer, na Monte Casseiros e na Bernardino de Campos. Enchentes nas ruas da Vila Pires, enchentes na Vila América. Tudo isso com chuvas que sequer chegaram próximas ao pico do início da década. Faltou manutenção nas grandes galerias. Faltou revisar o projeto de macrodrenagem com adaptações previstas.
A mesma coisa podemos dizer quanto à iluminação pública. Nos últimos dois mandatos do prefeito Celso Daniel foram substituídas todas, eu disse todas, as mais de 60 mil lâmpadas de mercúrio por lâmpadas de vapor de sódio, de maior eficiência energética (maior nível de iluminação com menor consumo de energia). A cidade se destacou em meio à vizinhança escura, Santo André tinha as ruas mais iluminadas e bem mais seguras.
Ocorre que essa inovação requer plano de manutenção preventiva. As lâmpadas não duram para sempre. Uma das características das lâmpadas de vapor de sódio é que não se apagam de uma vez ao fim da vida útil, como as antigas lâmpadas de mercúrio: vão diminuindo lentamente o nível de iluminamento e demoram muito para se apagarem de vez. Por isso são eficientes quando há plano de manutenção preventiva, de substituição na medida em que reduzam a eficácia. O que vemos, no entanto, é que por inação as lâmpadas estão definhando, a cidade está escura novamente e só se pensa em trocar as lâmpadas que se apagam, ou seja, depois de meses, talvez anos, de funcionamento precário e ineficiente.
Por fim, apenas para cumprir à risca a indicação das três maiores deficiências, escolho de uma lista imensa de outros itens que poderia arrolar a circunstância nada alvissareira de a cidade ser representada pela figura de um prefeito que passa a imagem de bonachão, boa praça, brincalhão, piadista, mas sem consistência técnica, conceitual, teórica, que desanima inserção e convites dos organizadores de eventos e atividades que pudessem projetar Santo André para fora dos muros do ABC.
Santo André já viveu tempos em que se apresentava no Plenário da ONU como convidada a apresentar políticas no Banco Mundial, em que ganhava prêmios por práticas públicas na Europa, mas hoje sequer é mencionada nos eventos de cunho estadual. Isso, além de ser muito triste, também é uma perda de oportunidades para o desenvolvimento da cidade e de sua comunidade.
Como o senhor avalia o fato de a Administração Aidan Ravin não ter executado nenhuma ação significativa de cunho econômico para retirar Santo André de um quadro de paralisia de investimentos produtivos após passar mais de três décadas sofrendo duros golpes, principalmente por conta da guerra fiscal?
Klinger Sousa – As oportunidades desperdiçadas não ficam aguardando melhor momento para serem aproveitadas porque são imediatamente capturadas por outros administradores públicos. Vivemos um momento de intensa competição entre projetos de cidade. As oportunidades desse momento histórico são únicas.
Se tivesse que defender uma tese doutrinada ao chamamento de investimentos produtivos em Santo André, em quais teclas bateria com confiança?
Klinger Sousa – Bateria na necessidade de articular vários agentes do setor produtivo, educacional e sindical para se mobilizarem em torno de projetos que ampliem a capacidade inovadora de nosso parque produtivo e de serviços em todas as cadeias econômicas existentes. Procuraria reforçar um eixo de regionalidade pautada no desenvolvimento sustentável, com olhos voltados aos investimentos do Pré-Sal. Pegaria carona na genial sacada do governo de São Bernardo, que enxergou na indústria aeronáutica de defesa uma oportunidade de revolucionar o parque tecnológico. Investiria pesadamente na Indústria Cultural e na atração de serviços de hospedagem e turismo, apostando no esgotamento da oferta em São Paulo e na necessária ampliação dentro da região metropolitana.
Responsável pela escolha e adequação física da sede do Clube dos Prefeitos, local onde funciona também a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, acredita que o imóvel é muito maior que os resultados das instituições ali instaladas?
Klinger Sousa – O vazio deixado pelo Celso Daniel está longe de ser preenchido. Não se faz absolutamente nada pelo fortalecimento dos laços regionais no Grande ABC desde sua morte. A responsabilidade não cabe apenas aos prefeitos de plantão. Toda a sociedade regional entrou em coma com a perda prematura do Celso. Parece que nenhuma instituição se anima em dar passos na direção de retomar um ciclo virtuoso de articulação regional.
Há cerca de três anos estive em um Congresso Internacional de Cidades em Porto Alegre e fiquei espantado com o grande número de experiências exitosas de gestão regional em curso no País, valendo-se da Lei de Consórcios Públicos aprovada em 2005 sob inspiração direta e confessa do vanguardismo alcançado no ABC na década de 1990, com as instituições de articulação regional que aqui foram criadas. Fiquei pensando como fomos colocados para trás, uma vez que não avançamos em nada o modelo criado no final da década de 1990 e que não se modernizou sequer à luz do novo marco legal potencializado pela Lei de Consórcios Públicos.
Hoje a tão festejada experiência de articulação regional do Grande ABC é apenas um fato de registro na história da gestão pública do País, não tendo mais qualquer protagonismo no cenário nacional. Isso também é lamentável e implica perda de oportunidades.
Conhecendo Celso Daniel como poucos, o que acredita que ele diria sobre a regionalidade do Grande ABC?
Klinger Sousa – Acredito que ele estaria profundamente decepcionado em verificar que não conseguiu assegurar a autonomia dessas instituições. É bom que se registre que esses quadros não foram preparados nem dentro do PT.
Especialistas em União Européia que não pertencem ao time dos mais otimistas dizem que a tentativa de dar sistematicidade e organicidade política, monetária e administrativa àquele território tão díspare em culturas não passa de embromação. O senhor entende que algo semelhante se daria com a regionalidade da Província do Grande ABC?
Klinger Sousa – São circunstâncias completamente diferentes. Note que uma das principais dificuldades vivenciadas no âmbito das instituições criadas para gerir a Comunidade Europeia é quanto à cultura dos vários países, que, desde a língua, passando pela história, moeda e costumes, conspiram contra a integração regional.
Nada disso está presente no Grande ABC. Falamos a mesma língua, compartilhamos da mesma história, os municípios que aqui existem resultam de desmembramentos mútuos, ou seja, um saiu de dentro do outro, temos os mesmos costumes, mais interesses comuns que interesses divergentes. Tudo conspira a favor de uma maior articulação e integração regional em favor de todas as partes implicadas.
Por falar em Província do Grande ABC, o senhor entende que exageramos nessa denominação por conta das frustrações que vivemos ao longo de duas décadas ou temos, apesar de tudo, motivos para fugir desse rótulo?
Klinger Sousa – Não me sinto confortável em tratar a região assim. Gosto mais do ufanismo da expressão Grande ABC, na medida em que estende aos demais municípios a pujança industrial que notabilizou Santo André, São Bernardo e São Caetano na esteira da cadeia produtiva do automóvel. Entendo que a região ainda conserva atributos que autorizam uma autoestima mais positiva, mas também compreendo que, uma pessoa que tenha lutado tanto pela afirmação da regionalidade no ABC, após ver tantos absurdos, se sinta suficientemente desanimado a ponto de cunhar e fundamentar tal termo.
Qual sua avaliação sobre a administração Luiz Marinho, em São Bernardo? Se tivesse que apontar os pontos positivos e negativos, quais seriam as principais abordagens?
Klinger Sousa – Entendo que Luiz Marinho está fazendo excelente trabalho à frente da Administração de São Bernardo. Conseguiu organizar a máquina pública para conceber, formular e implementar um conjunto de políticas que não tem precedente na história do ABC. Veja que não estou falando em comparar os últimos três anos de São Bernardo com gestões anteriores. Estou comparando com todas as gestões que tenho acompanhado no ABC nos últimos 20 anos, inclusive Santo André.
A gestão de 1997 a 2000 foi sem dúvida alguma a mais profícua que Santo André já teve. Naqueles quatro anos desenvolvemos políticas públicas que bastaram para serem implementadas nos dois mandatos seguintes e que até hoje repercutem na cidade. Abrimos muitas frentes simultâneas, tivemos muitas intervenções. Tais feitos foram potencializados pela genialidade pessoal do Celso Daniel, mas também pela experiência que adquiriu na gestão da cidade no período de 1989 a 1992, e ainda pelo fato de a estrutura administrativa construída naquele período não foi destruída pela administração que o sucedeu de 1993 a 1996. De sorte que, ao chegar ao governo em 1997, encontramos uma máquina que se azeitou muito rapidamente, com alguns poucos ajustes muito facilitados por uma Câmara Municipal dócil, cordata e de extensa maioria governista.
Ao lembrar isso fico ainda mais impressionado com os resultados obtidos pelo prefeito Luiz Marinho. Não tenho nenhum constrangimento em fazer a comparação. O Marinho conseguiu em três anos com uma situação extremamente desfavorável tanto do ponto de vista político (em São Bernardo a oposição é forte, articulada e muito competente), quanto do ponto de vista administrativo (a máquina pública na cidade estava totalmente despreparada para condução de um projeto com a envergadura que ele havia proposto) colocar em curso um conjunto de intervenções espantoso em inúmeras áreas.
Mesmo os adversários políticos mais críticos reconhecem que a cidade nunca teve em sua história um volume de intervenções tão grande em áreas tão variadas, ocorrendo todas em uníssono. Na tentativa de mitigar o feito, ressaltam os investimentos do governo federal e justificam pela ligação do prefeito com o presidente Lula e suas articulações com o governo federal, uma vez que lá esteve como ministro em duas pastas.
Porém, para aqueles que já estiveram na Administração Pública como eu, essa não é uma explicação que retira o mérito da eficácia de gestão. Ao contrário, já que gestores públicos sabem que captar recursos junto aos programas do governo federal não depende apenas, ou ainda, exclusivamente, de apadrinhamento político. Muito pelo contrário. É necessário desenvolver projetos consistentes, em linha com os programas federais, aprová-los, oferecer contrapartida, demonstrar e efetivar capacidade de gestão, assegurar possibilidade de endividamento, cumprir metas fiscais; enfim, é preciso muita competência em cada uma das áreas que se deseje garimpar os recursos.
O governo Luiz Marinho conseguiu um feito notável em tempo recorde, com uma equipe muito reduzida, sem a necessária conivência de uma burocracia local ainda muito rebelde e aparelhada politicamente pelo grupo que administrou a cidade por quase duas décadas. Ele redirecionou o orçamento municipal com programas de alcance nacional do governo federal em várias áreas. Com isso atraiu volume considerável de recursos que permitiu trazer grandes empresas que mobilizaram estruturas ao deslocar toda uma cadeia de parceiros comerciais que amplificaram ainda mais os investimentos e geraram um círculo virtuoso de progresso que se percebe ao caminhar pelas ruas de São Bernardo. Em praticamente todos os bairros não há um recanto em que a Prefeitura deixe de estar presente com obras ou prestando serviços, dialogando com a cidade, abrindo oportunidades de interação com a comunidade e fomentando o desenvolvimento.
Não há precedentes na história do ABC de um pacote de investimentos tão grande concentrado em uma única cidade em tempo tão curto. Isso sem contar que o governo não desperdiça uma única oportunidade de trazer para São Bernardo o protagonismo na discussão dos grandes temas do desenvolvimento nacional, como a questão do Pré-Sal, ou mesmo do Polo Tecnológico ligado à indústria da defesa.
O senhor entende que é indispensável a Luiz Marinho passar pelo batismo de dirigir o Clube dos Prefeitos para eventualmente, no futuro, lançar-se candidato ao governo do Estado, como tanto se propala?
Klinger Sousa – Não entendo que seja indispensável, mas compreendo que seja inevitável que o prefeito Luiz Marinho passe também por esse desafio. Acredito que nessa oportunidade ele levará ao Consórcio e demais instituições de gestão regional o mesmo dinamismo empregado na gestão de São Bernardo.
Como o senhor avaliaria sua vida antes, durante e depois de Celso Daniel?
Klinger Sousa – Essa é uma pergunta com viés ontológico que dá azo a divagações de natureza filosófica. Porém, conhecendo seu pragmatismo, resistirei à tentação de fazer digressões para ir direto ao ponto que não está explícito na questão mas, quero crer, anima sua curiosidade.
Vim a Santo André em 1989 para trabalhar como concursado na Prefeitura. Antes de tomar posse no início de agosto daquele ano só tinha estado aqui uma vez, para prestar o concurso. Até minha inscrição foi feita por um irmão de um amigo residente em Taubaté, que iria fazer a prova em outra área. As informações davam conta da possibilidade de realizar um belo trabalho em uma cidade com recursos e que tinha à frente um prefeito jovem, empreendedor e de convicções progressistas, focado na inversão de prioridades na aplicação de recursos públicos. Para um jovem arquiteto, especializando-se em urbanismo e convivendo com profissionais que faziam a apologia do planejamento urbano participativo, isso representava excelente oportunidade.
Vim porque quis, vi, gostei, mergulhei de cabeça no projeto do Celso Daniel, vivi com ele os melhores momentos de minha vida, aprendi demais, fui seu aluno na especialização em gestão pública na Fundação Santo André, em um curso idealizado por ele e realizado por professores da FGV- SP. Fui levado ao mestrado na Fundação Getúlio Vargas – EAESP-SP, onde tive a oportunidade de ser aluno e orientando seu. Fundamos juntos o Instituto de Cidadania do Grande ABC — Escola de Governo –, fizemos a campanha para deputado federal, fui incorporado à equipe de Coordenação do seu Programa de Governo, fui seu secretário municipal, compartilhando do restrito grupo de pessoas com quem ele dividia as estratégias de condução do governo e do seu futuro político.
Em estreita articulação com ele, decidimos pela candidatura de vereador (algo para mim absolutamente impensável), fiz campanha nas ruas, aprendi ainda mais sobre a política andreense e seus meandros, me elegi vereador com a maior votação da história do ABC até aquele momento. Tenho um enorme orgulho de tudo que fizemos juntos aqui na cidade e no PT.
Porém, quis o destino que tudo isso desmoronasse com a morte do Celso e que uma densa nuvem de suspeição recaísse sobre todos os seus amigos e aqueles que com ele conviveram mais proximamente nesse período tão fértil de sua vida. Passei por aquele turbilhão com a cabeça erguida. Nunca tive dúvidas de que aquilo mudaria a minha vida para sempre. Minha família sofreu demais, eu sofri demais, mas sobrevivemos!
Hoje, passados quase 10 anos desde o sequestro e assassinato do Celso Daniel, ainda percebo nas pessoas o olhar de desconfiança, a cisma quanto à minha idoneidade e desinformação quanto às circunstâncias reais dos fatos ocorridos. A confusão de informações levadas à grande mídia naquela oportunidade e a mistura propositalmente encaminhada entre as circunstâncias do crime e posterior devassa administrativa nas duas gestões do Celso Daniel, que resultaram em dezenas de processos, deixaram um saldo que jamais conseguirei resgatar.
Nunca mais tirarei de meus ombros esse peso. Passarei o resto de minha vida me defendendo e, mesmo quando ninguém mais lembrar de nada, se vivo estiver, ainda estarei às voltas com as consequências de algum processo perdido em alguma instância judicial conduzido morosamente pelos escaninhos da nossa Justiça.
Essa é a história da minha vida. Tive de mudar radicalmente de área para conseguir sobreviver no mercado. Desde 2002, quando sai da Prefeitura, percebi rapidamente que as amizades construídas na política e na gestão pública não seriam suficientes para me abrir portas como gestor público, muito menos como político.
Para sustentar minha família, precisaria depender exclusivamente de minha possibilidade de oferecer resultados; eu, mais que qualquer outro, precisaria ser competente, uma vez que me ter ao lado representaria ônus para qualquer empresário que só suportaria tal incômodo se isso lhe fosse assaz compensador.
Aproveitei os dois anos e meio de mandato como vereador que me restavam na Câmara Municipal para mergulhar nos estudos e fazer doutorado na área de educação. Tinha a meu favor o fato de ser especialista e mestre em gestão pública. Naquela oportunidade o mercado ansiava por quem pudesse trabalhar com avaliação de políticas de educação. Abri novos horizontes, fiz uma carteira de clientes no mundo privado, soube aproveitar o período de grande expansão das instituições de educação superior privadas e fui consolidando um nome que me assegurou meios de sobrevivência e condições efetivas para suportar o ônus jurídico dos processos movidos contra mim e inúmeras outras pessoas que trabalharam na gestão do Celso.
Ajudou muito o fato de nunca ter vestido o figurino de vítima nem ter vocação para posar de coitadinho. A minha propalada arrogância me foi muito útil para dar de ombros às dificuldades e encarar de frente o desafio de reconstruir uma vida a partir do zero. Do zero, não! Isso é força de expressão. Contei com muito apoio da minha família e de amigos que, embora não sejam numerosos, demonstraram fidelidade e energia para suportar comigo as adversidades e não medir esforços para me ajudar.
Hoje estou bem, perfeitamente estabelecido no mundo privado, correndo atrás de trabalho como todo pequeno empresário, mas não posso reclamar das oportunidades.
Fosse o senhor secretário com a responsabilidade de cuidar do uso e ocupação do solo de Santo André, que tipo de cuidado tomaria para tornar a qualidade de vida melhor do que temos, quando se observam excessos do sistema viário, numa combinação sinistra de mais veículos e mais imóveis verticalizados? Santo André também caiu na farra do boi do mercado imobiliário?
Klinger Sousa – Entendo que o maior problema não está na gestão do uso e ocupação do solo, embora acompanhe com preocupação a sofreguidão com que se adensa a cidade, em particular os bairros com melhor oferta de infraestrutura. Ainda assim, acredito que o maior problema está mesmo na gestão do trânsito e do transporte público da cidade; melhor dizendo, na completa falta de gestão. A cidade está abandonada à própria sorte. Nessa área está em curso o “cada um faz o que quer e vença o mais forte”. Nessa perspectiva, não há convivência possível que não seja pautada pela desarmonia e confusão.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira