Entrevista Especial

Bandido é assunto
para os prefeitos

MALU MARCOCCIA - 05/12/2000

Por que as cidades estão atracadas numa batalha desesperada contra a violência e perdendo feio para os bandidos? Além de o crime estar mais qualificado, a polícia é despreparada, respondem 10 entre 10 vítimas, certo? Corretíssimo, na opinião de um insuspeito estudioso do assunto, o coronel reformado José Vicente da Silva.


Do alto de três décadas na Polícia Militar, entretanto, ele acrescenta um terceiro ingrediente: a ausência, quase omissão, dos prefeitos em alavancar o poder político que têm para serem os grandes articuladores do combate à criminalidade. “Se perguntar para a maior parte dos prefeitos qual a evolução dos homicídios nas suas cidades a cada semana, eles não sabem. A maioria se reúne só duas vezes por ano com o delegado local” — espeta José Vicente da Silva, membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, entidade formada em 1987 por um grupo de economistas, empresários, jornalistas e homens públicos para debater problemas institucionais.


Entusiasta do protagonismo comunitário, o coronel José Vicente instala o tema da violência também na consciência da polícia em abraçar o Município onde atua. A maioria dos destacamentos age isoladamente e não interage sequer com as guardas municipais, aponta. Pior para os policiais, que assumem sozinhos a responsabilidade pela violência crescente, emenda. José Vicente da Silva admite que um fato novo que multiplica os crimes é a droga, mas discorda de que a violência alimenta-se da pobreza e do desemprego. “Há fatores como legislação penal ultrapassada, justiça lenta e polícia ineficiente” — acrescenta.


Também propõe que a tecnologia chegue a jato nas delegacias e que um banco de dados on-line ajude a mapear o crime e o criminoso. Seriam descobertos fatos inusitados como o mesmo bandido praticando o mesmo tipo de crime no mesmo tipo de vítima. “E a polícia não precisaria estar em cada esquina, como todos pensam” — assegura.


O senhor discorda da teoria unânime de que a desigualdade social, com a endêmica pobreza brasileira agravada pelo desemprego, está na origem da violência que vivemos. Por que?


José Vicente da Silva – Um aspecto interessante que observamos nas pesquisas do Instituto Fernand Braudel é que sobretudo grandes e médias cidades do Estado mais rico da Federação experimentam níveis assustadores de violência. Ou seja, o Estado que tem um PIB da Bélgica e que é a maior expressão cultural, econômica e social da América Latina tem padrões colombianos e quase africanos de violência em praticamente todas as grandes cidades.


Diadema, por exemplo, inserida numa das regiões econômicas mais importantes do País, tem o dobro de criminalidade da Colômbia e taxa 50% maior do que Johanesburgo, na África, considerada a cidade mais violenta do mundo. Um dos argumentos constantemente colocados é de que a violência se deve à crise social, ao desemprego, à pobreza. A cidade de Jacareí, no Vale do Paraíba, com 170 mil habitantes, tem quase o dobro da violência de Taubaté, com 220 mil habitantes e que está a 40 quilômetros dali. Mogi das Cruzes tem um quinto da violência de Itaquaquecetuba, cidade com mais de 200 mil habitantes que está a 10 quilômetros de distância. Em Jacareí os homicídios aumentaram 55% neste ano em relação ao ano passado e não há mazela social que tenha crescido tanto em um ano.


Não há nenhuma pesquisa séria que consiga vincular o desemprego ao aumento imediato ou correlato da violência. Isso é preconceito de que o pobre, desempregado, vira criminoso. Os dois Estados mais tranquilos do País são, pela ordem, Piauí e Maranhão, que estão entre os mais pobres e também têm problema sério de desemprego.


Qual é o centro do problema da violência, então?


José Vicente – Um núcleo de fatores que se amalgamaram. Juntando numa periferia de São Paulo a pobreza do Piauí, mas sem os controles naturais que a sociedade piauiense exerce sobre seus membros; encostando essa população nas vitrines dos shoppings centers e estimulando uma vontade sempre insatisfeita de consumo; deixando essas pessoas sem a presença reguladora e a assistência do Estado às suas necessidades básicas e sem a solidariedade da parte mais bem situada na sociedade; tudo isso desenvolve uma subcultura pervertida nessas localidades.


Nessa subcultura, modelos de conduta anti-social competem com padrões socialmente ajustados, as transgressões sociais deixam de ser punidas e os métodos violentos de resolução de conflitos, mesmo os banais, passam a ser aceitos como naturais. O quadro se completa quando todos esses fatores interagem com um sistema de impunidade — legislação penal ultrapassada, justiça lenta, polícia ineficiente — que torna pequenos ou grandes criminosos figuras bem-sucedidas e intocadas nas periferias. Ou seja, o crime passa a ser uma boa e segura alternativa para sobrevivência nas grandes cidades.


As pessoas moram nas cidades e é natural que cobrem dos prefeitos ações fortes de segurança pública. Mas os prefeitos chutam a bola para o Estado, que pela lei é a esfera que cuida da polícia. Não é cômoda essa omissão dos prefeitos?


José Vicente – Segurança pública não é sinônimo de polícia e normalmente essa questão é debitada exclusivamente ao aparato policial. Está mais do que evidente que o sistema existente não está controlando nada. É necessário conjugar mais parceiros no processo. Ou será que programas sociais que tratam de jovens, que fazem prevenção de drogas, que ampliam possibilidades de lazer e de educação — desde a ampliação do próprio horário escolar até a preparação profissional — não são também programas de prevenção à violência?


De maneira geral, as administrações municipais tendem a se afastar da questão e a se omitir. Para não dizer que se omitem, acabam investindo erradamente em custosíssimas guardas municipais, quando o trabalho social e preventivo é muito mais barato. Estivemos em São Bernardo e verificamos que os custos de atendimento a uma criança em situação de risco ou a um menor infrator sob os cuidados da Prefeitura são de R$ 120 por mês. Quer dizer, 7% daquilo que custa ao Estado cuidar. Cada 10 guardas municipais representam o atendimento de 100 crianças em situação de risco. Para 100 guardas, mil crianças de rua seriam assistidas. Mais barato que investir em guardas municipais seria pagar R$ 300 a cada policial que dedicasse 20 horas de suas folgas, por mês, para ampliar a presença de efetivos nas ruas, expediente que é utilizado em Pernambuco.


Mesmo que tenham como função legal cuidar do patrimônio público, a guarda municipal não seria uma autoridade a impor respeito e um efetivo que ajudaria as polícias Civil e Militar?


José Vicente – O problema é que frequentemente as guardas municipais atuam numa faixa própria, sem conhecer as informações e o planejamento da polícia. Ou seja, trabalham às cegas. Como se colocar pessoal uniformizado pelas ruas fosse suficiente para o trabalho policial. Não é assim. Uma viatura com luzinha girando na praça não espanta nem pernilongo. Constatamos em levantamento do Instituto Fernand Braudel que nas seis cidades mais violentas do Estado de São Paulo, cinco têm guarda municipal, enquanto nas seis cidades menos violentas apenas uma tem. A guarda não tem feito diferença nem na Capital, nem em qualquer outro Município.


Nas cidades onde esse efetivo já existe a opção é a parceria num sistema integrado de segurança, no qual se possa, após treinamento com a PM, distribuir à guarda uma série de atendimentos não criminais que hoje oneram o patrulhamento nos grandes municípios. Para isso, seria necessário unificar os centros de operação. Juntariam-se no mesmo espaço as polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros, a guarda municipal, os operadores do trânsito, a defesa civil e serviços de ambulância e de atendimento de emergências sociais. Esses centros unificados, que funcionam muito bem em São Caetano, Fortaleza e Belém, poderiam ser construídos por meio de parceria de investimentos entre Prefeitura e Estado.


O governo federal acaba de anunciar que vai investir na revitalização das guardas em 2001, inclusive para que tenham novo papel, desenvolvendo atividades pré-policiais. O Plano Nacional de Segurança Pública promete reservar pelo menos R$ 50 milhões para reforço no policiamento das cidades. Seria o caso de municipalizar a polícia, então?


José Vicente — Essa é uma hipótese absurda e praticamente inviável. A polícia americana, que tem padrão de polícia municipal devido à cultura municipalista dos Estados Unidos, é um patrimônio que vem sendo forjado desde o século passado. Se alguém imaginar criar uma estrutura de polícia municipal, tem que pensar numa polícia inteira, para fazer policiamento ostensivo e investigação, com todos os ônus políticos e financeiros.


Podemos até admitir isso na Grande São Paulo, mas é difícil pensar nessa polícia em algumas cidades do Interior do Norte ou Nordeste, onde muitos prefeitos agem como antigos coronéis e poderiam aumentar o poder político com apoio de uma guarda pretoriana. Esse assunto só admite discussão em cidades com mais de meio milhão de habitantes e em Capitais de Estado. São localidades sob vigilância de órgãos mais estruturados da Imprensa, do Ministério Público e do Judiciário.


De que forma tornar a polícia mais atuante no Município, junto ao cidadão?


José Vicente – Integrando-a com as forças municipais. A mobilização de recursos locais é missão talhada para o prefeito. Os prefeitos são a maior autoridade dos municípios. Só o prefeito tem potencial para articular, alavancar e conduzir recursos materiais e humanos para produção de resultados locais. É por isso que muitas incumbências sociais foram passadas às prefeituras: por causa da posição privilegiada do prefeito para cuidar da saúde, da educação, da assistência social e do trânsito. A única questão social que ficou longe disso foi a da segurança pública.


Quando falo em municipalizar a segurança, estou falando que o aparato policial do Estado que está nas cidades deve se voltar para o conjunto de condições, de recursos e de relações que são típicas dessas cidades. A polícia local deve abraçar a cidade como se fosse dali e se articular com outras forças da sociedade. O prefeito não deve comandar a polícia, senão vai criar área de atrito. Deve, sim, ser um animador e articulador do processo, conversar a cada 15 dias com os chefes das polícias e conhecer seus planos e resultados.


Não tem sentido um prefeito se reunir com o comandante da PM ou com o delegado local duas ou três vezes num ano, como faz a maioria. Se perguntar para grande parte dos prefeitos qual a evolução dos homicídios nas suas cidades a cada semana, eles não sabem. Esses dados são guardados como segredo pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. Onde estão acontecendo mais roubos e furto de carros? Qual é o aumento disso nos municípios? Os prefeitos não sabem.


É o pior dos mundos. O prefeito fica na sua, desinformado, esperando que o Estado faça alguma coisa, e a polícia fica no seu gueto, sem sinergia com a comunidade.


José Vicente – Em Hortolândia, na região de Campinas, os assaltos cresceram 480% em três anos. Mencionei esse levantamento em palestra para empresários na qual estavam alguns policiais. Eles ficaram um pouco revoltados, alegando que seus dados não batiam com os nossos. Respondi: “Mas os dados são de vocês mesmos, que mandaram relatório para a Secretaria de Segurança”. Se ninguém viu esse índice, é grave. Se alguém viu e não fez nada, é mais grave ainda. E o prefeito, estava sabendo? A sociedade acompanhava isso a cada semana ou a cada mês para ter noção da crise que estava explodindo?


Na Capital houve um fato que exemplifica bem essa falta de integração: toda sexta-feira algum morador chamava a polícia para resolver o problema do barulho nos bares noturnos de um bairro. A polícia mandava lá uma viatura, mas o problema persistia. Não era mais fácil reunir representantes dos bares, dos moradores, dos órgãos da Prefeitura que regulam o funcionamento de casas noturnas e a poluição sonora, além da polícia, para chegar a uma solução conjunta e definitiva? Como romper esse isolamento?


José Vicente – A polícia tem que prestar conta dos recursos públicos que lhe são passados para administrar, incluindo seu desempenho. A polícia não é dos policiais, é da sociedade. A sociedade entrega à polícia recursos financeiros caros e um poder que não é dado a ninguém: o monopólio da força. Ela tem que prestar contas como todo serviço público. Só que para a polícia isso é vital, para que o ajuste das ações integradas se faça de forma mais refinada. Até porque, se a polícia não prestar contas para mostrar as possibilidades de outros agentes municipais participarem do combate à violência, assume sozinha a responsabilidade pela criminalidade.


Esse isolamento da polícia precisa ser rompido. Imagino que precisamos formalizar uma cooperativa eficiente entre Estado e municípios estabelecendo convênios e fixando o papel de cada um. É aquela idéia do Centro Integrado de Operações que citei anteriormente em São Caetano: uma central que recebe as chamadas de ocorrências e as distribui, conforme a natureza, à PM, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, setor de trânsito da Prefeitura, guarda municipal e defesa civil. Em alguns locais, como no Vale do Paraíba cortado pela Via Dutra, pode-se integrar também a Polícia Rodoviária, a Polícia Federal e o serviço de ambulâncias. Enfim, o ideal é que todo o sistema de emergência do Município esteja plantado em um único local e daí funcionar a parceria entre Estado e municípios para administrar a eficiência do sistema.


O Estado entraria com homens e o Município com a tecnologia operacional?


José Vicente – Os municípios podem perfeitamente investir em metodologias e tecnologias já disponíveis no Brasil para rastrear todo o andamento da criminalidade. Esse sistema funciona com base em um banco de dados alimentado pelos boletins de ocorrência que chega às delegacias. Pelo computador é possível fazer um mapa dos crimes. Se quiser saber onde estão ocorrendo furtos de veículos na área de determinado Distrito Policial, por exemplo, é só digitar. Isso aconteceu em São Paulo, no Bairro de Pinheiros, onde o computador mapeou que a maior concentração de furtos de veículos ficava exatamente na rua de atrás da delegacia. Isso há muitos meses.


A tecnologia traz nova visão de como se comporta o crime ou o criminoso. E a polícia vai começar a perceber realidades inusitadas como a de que os bandidos geralmente praticam o mesmo tipo de crime, no mesmo tipo de vítima, no mesmo lugar. Na Avenida Sapopemba, zona leste da Capital, ocorreram 147 assaltos de ônibus em junho. Ora, a polícia local deveria estar sabendo e não deixar passar de 50. Não precisa esperar um mês para perceber que a coisa está ruim. Posso garantir que, exagerando, não tem mais de 10 assaltantes fazendo esse serviço. Outro dado estatístico: 40% dos carros roubados são abandonados e boa parte bem perto de onde o ladrão mora. Ou você acha que bandido volta para casa de táxi?


O mapeamento é importantíssimo para que a polícia aloque homens de forma mais precisa. Depois de processar quase 200 mil boletins de ocorrência na zona oeste de São Paulo, observamos que em 1% da área havia quase 40% do movimento policial. Praticamente em 5% da área da cidade nós temos quase 100% dos problemas. Isso quer dizer, resumindo, que a polícia não precisa estar em cada esquina. Precisa ser colocada exatamente no ponto do mapa em que é necessária. Cada vez que essa pontuação de rua ou de bairro muda, a polícia muda também e estará sempre no encalço do bandido.


Além de localizar e quantificar, a tecnologia permite qualificar os tipos de crimes, principalmente crimes cometidos por jovens. Não adianta escrever ato infracional no B.O. Precisamos saber se é roubo de casa, de bicicleta, de transeunte, de carro, de carga etc. As figuras penais não interessam para a polícia. Interessa o tipo de crime, o criminoso, onde está acontecendo e a metodologia de ação.


O exame dessas condições pode permitir série de pistas para que o Município saiba onde investir em prevenção com jovens, onde pode eventualmente colocar câmeras nas ruas — instrumento bastante interessante para a área de movimento de pedestres –, onde há crimes contra motoristas ou contra a indústria e o comércio. A partir daí é possível envolver a Associação Comercial e Industrial da cidade para apoiar algum programa social de prevenção ou de tratamento de drogados, já que a droga tem muito envolvimento com crimes.


Portanto, é necessário que a sociedade, a estrutura municipal e a polícia que está na cidade se entendam sobre os problemas locais. Essa é uma questão muito séria porque estamos buscando soluções sem conhecer devidamente o problema, aplicando remédios sem diagnosticar a doença. Não quero dizer que a polícia não trabalha. Trabalha e muito. Mas pode desperdiçar esforços se o trabalho não atender princípios de racionalidade.


O problema é que a orientação do trabalho não tem sido eficaz.


José Vicente – Quando falamos em eficaz, temos que falar em redução dos crimes. É aí que reputo importante se alavancar o poder político dos prefeitos que os chefes de polícia não têm. São Bernardo tem cerca de mil habitantes para cada policial militar. Por que Taubaté e Bauru têm 400 habitantes por PM? Por que os políticos de lá são mais competentes? Por falha de planejamento da polícia? Evidentemente que tudo isso junto. Persistem erros clássicos de planejamento da distribuição de recursos e de homens.


Poucos anos atrás Mogi das Cruzes tinha mais policiais civis do que militares. Seguramente deve ter mais policiais civis em São José do Rio Preto do que metade do ABC Paulista. São desordens políticas do passado que precisam ser corrigidas. Ribeirão Preto tem cerca de mil PMs, São Bernardo não deve ter chegado a 700. Só que São Bernardo tem 200 mil habitantes a mais. Essas questões precisam ser colocadas porque fica difícil para um chefe da Polícia Civil local ter que falar com seu superior da região, que tem que falar com não sei quem, e esse não sei quem tem que falar com o delegado-geral e ele com o secretário de Justiça. O prefeito pode telefonar direto para o governador porque não tem hierarquia. O prefeito pode ligar para o secretário e cobrar: “Por que minha cidade tem menos efetivo? Isso não é justo para os policiais nem para os cidadãos desta cidade”.


O senhor citou a centralização dos serviços de emergência implantada em São Caetano. Não seria o caso de em regiões metropolitanas ou conurbadas haver ação de combate ao crime minimamente integrada entre os municípios?


José Vicente – Sem dúvida. Muitas demandas assumem caráter regional. Pela proximidade entre cidades, problemas com transportes urbanos, coleta e despejo de lixo, hospital regional e educação acabam transcendendo a responsabilidade administrativa de um Município. É importante que se tenha uma concepção de arranjos regionais e isso envolve também segurança pública.


Nós brasileiros somos muito amarrados em jurisdição. Mas a delinquência não obedece fronteira nem jurisdição de cidade, Estado ou país. Embora o delinquente sistematicamente permaneça no mesmo local — porque o conhecimento das vias de fuga e da área de esconderijo é mais seguro para suas ações –, ainda assim é necessário examinar a dinâmica da violência que ocorre numa região como um todo.


Essa dinâmica precisa ser estudada mediante a análise dos crimes e o percurso feito pelos criminosos, além da definição de responsabilidades das unidades policiais de cada cidade e os sistemas regionais de apoio, em policiamento ostensivo e em investigação.


O caso da favela Naval, no ABC Paulista, é emblemático. O núcleo está na divisa de São Bernardo e Diadema, o episódio da violência dos policiais contra moradores ocorreu em Diadema e só Diadema se socorreu do Instituto Fernand Braudel para diagnosticar o problema que a transforma em campeã de homicídios no Brasil. Em que pé está a pesquisa?


José Vicente – Na verdade, nós oferecemos nosso trabalho e houve receptividade das autoridades municipais, entidades e polícias locais. Temos um grupo de estagiários nas ruas levantando dados sobre o indivíduo que morre e que mata, onde eles moravam e onde aconteceu o incidente ou a agressão. Será que 10% desse pessoal que morreu em Diadema saiu de São Caetano? E o agressor veio de onde?


O assaltante que decidiu roubar ônibus, comércio ou residência em Diadema pode ter vindo da Capital ou de qualquer outra região. Esse tipo de análise é importante para verificar a dinâmica da criminalidade. Nos levantamentos preliminares já constatamos que mais de 80% das pessoas assassinadas eram moradoras de Diadema, além de quase todos os demais terem sido mortos na cidade, o que esclarece a afirmação de que o Município seria local de desova de cadáveres.


Depois daquele escândalo da favela Naval que correu o mundo, sabe o que a sociedade fez? Nada. O pessoal continuou do mesmo jeito. Tem um jovem lá com uma escola de informática, uma casa na favela, numa sala de dois metros quadrados. Tem quatro computadores 486 velhos que ele consertou e dá aula de hora em hora para cinco crianças. Ele pediu apoio para todos os vereadores, para o prefeito e empresários e ninguém ajudou com nada. A favela Naval, se não cuidada, vai ser foco de problema para São Bernardo e Diadema.


Essa análise de focos de problema, repito, é necessária para empreender qualquer planejamento de segurança regional. E precisa ter um fórum, com representantes dos municípios, para discutir essas questões com a polícia em sistema de cooperação.


O senhor citou a necessidade de usar a tecnologia para formar um banco de dados a fim de agilizar o mapeamento das ocorrências e as ações da polícia. Sem uma reforma profunda da instituição — e aí falamos de salários melhores, qualificação e treinamento — apenas não tornaríamos mais rápido os velhos problemas?


José Vicente – Realmente não podemos apenas informatizar as polícias sem adequar sua organização e seus recursos humanos. A polícia precisa ser organizada em unidades de resultados, no caso as companhias de policiamento combinadas com os distritos policiais, cujos responsáveis precisam ter autonomia para buscar resultados com muito suporte de motivação e com permanente avaliação de desempenho. Cada um desses chefes policiais operacionais deve ser um gerente que use bem seus recursos, que produza resultados de redução de crimes e obtenha apoio e satisfação da comunidade.


Para tanto, é necessário se aperfeiçoar tanto em técnicas estatísticas e de análise criminal como em motivação, tanto em metodologias seguras de policiamento preventivo como em técnicas avançadas de investigação. O treinamento será fundamental para saber fazer bem feito e — talvez mais importante — querer fazer bem feito.


O fato de sermos os únicos países do mundo a ter duas polícias, uma para investigar e outra para agir, não atrapalha o planejamento das ações e a integração com a comunidade?


José Vicente – Atrapalha demais. A análise de crimes e o planejamento de soluções envolvem, em quase todas as principais fases, o conhecimento prático tanto do policiamento ostensivo como da investigação. Com duas polícias sob diferentes critérios de seleção, treinamentos, regulamentos e valores discrepantes, além da natural propensão à rivalidade por recursos e prestígio, fica muito difícil o diálogo permanente.


Precisamos pensar no futuro de uma polícia única, nem que seja para a Polícia Civil assumir todo o policiamento, inclusive fardado, da Região Metropolitana e a Polícia Militar assumir toda a atividade policial, inclusive investigação, de todo o Interior. De qualquer forma, precisamos de uma polícia só para cada localidade, como ocorre na França.


Infelizmente a população não tem boa imagem da polícia, seja porque é desqualificada, seja porque atende mal na delegacia, seja porque é violenta e em muitos episódios corrupta. Como neutralizar essa imagem e fazer a população ser aliada da polícia como informante?


José Vicente – A polícia precisa entender que trabalha para a comunidade, não para os bandidos ou para si mesma. Não há como investir na melhoria da imagem através de expedientes de relações públicas, mas pela melhoria de desempenho, pela expulsão de corruptos e pelo bom atendimento dos cidadãos nas ruas e delegacias. Se a polícia estiver preparada para isso, deve procurar ativamente o contato com as comunidades para prestar conta de seus trabalhos e procurar atender os reclamos e sugestões dos cidadãos.


Como o senhor vê o papel dos Conselhos de Segurança?


José Vicente – Os Consegs constituem oportunidades para o relacionamento da polícia com a comunidade. Mas sem a mentalidade de trabalhar com e para a comunidade, as reuniões correm sempre o risco de se transformarem em balcões de lamúrias de cidadãos que se queixam da insegurança e dos policiais que reclamam da falta de efetivos e viaturas.


Tanto policiais como representantes da comunidade deveriam ver nessas reuniões oportunidade para examinar os principais problemas de segurança da área e traçar planos para resolvê-los, muitos dos quais precisam da mobilização da população, casos de prevenção do uso de drogas por jovens, orientação dos familiares quanto à redução de acidentes de trânsito ou de vandalismos etc.


Para isso, a polícia precisa ir formando mentalidade de polícia comunitária, não como modalidade de ação da PM, mas como filosofia e como estratégia de voltar recursos e ações para apoiar e ser apoiada pela sociedade no processo de redução e controle da criminalidade.


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