Administração Pública

Resgatamos reportagem inédita da
primeira gestão do PT em Diadema

DANIEL LIMA - 22/03/2010

Vai completar 24 anos em 11 de agosto a publicação de matéria que considero histórica. À época, repórter da Agência Estado, central de informações que abastece os jornais do Grupo Estadão e centenas de publicações nacionais, sugeri e realizei reportagem especial sobre a administração de Gilson Menezes, primeiro prefeito petista eleito no Brasil. Conta a história política que um outro petista também elegera-se em 1982. Nada que se compare a Diadema, localizada no epicentro de uma região em ebulição sindical. Capital e trabalho viviam às turras.


A contextualização daquela administração petista é importante entre outras razões para ampliar o senso de oportunidade daquele trabalho. Basta lembrar que três anos depois quem concorria a um cargo muito mais destacado, o de presidente da República, era o então ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O PT fundado pouco antes da vitória de Gilson Menezes dava os primeiros passos políticos e eleitorais. A radicalidade não admitia contemplações. O Muro de Berlim ainda não caíra.


Recentemente, o presidente Lula da Silva recordou a primeira disputa eleitoral, quando foi batido por Fernando Collor de Mello e pela edição seletiva do debate final em rede nacional da TV Globo. Lula admitiu que a vitória possivelmente teria provocado danos irreparáveis ao partido. As três derrotas seguidas até chegar a Brasília condicionaram o PT a reavaliar os planos. O que se deu todo mundo sabe: o PT promoveu alianças partidárias e ideológicas. Lançou mão de um pragmatismo eleitoral que somente as facções radicalmente à esquerda não admitiram, afastando-se em forma de novas agremiações.


Passei três dias em Diadema naquele agosto de 1986. Fiz inúmeras entrevistas. Vasculhei todos os cantos, de situação e de oposição. Fiz o que a maioria dos jornalistas não faz mais, porque dependura-se no telefone e gruda-se nas telas de computadores para preparar matérias cada vez mais insossas, mais padronizadas, mais superficiais, mais sem vida. A reportagem virou manchete principal de primeira página do Jornal da Tarde, à época um jornal feito sob medida para a classe média paulistana.


O ambiente da sucursal da Agência Estado, em Santo André, muita contribuía para a produção jornalística que, já naquela época, caminhava para a pasteurização, embora Internet, celulares e mesmo aparelhos de fax não constassem da lista de eletrônicos disponíveis supostamente para facilitar a vida de todo mundo.


Era um desafio descrever os primeiros meses do governo de Gilson Menezes, operário elevado ao comando de uma cidade então por se fazer, invadida por corrente migratória em busca de algo melhor. A falta de opção econômica de Norte, Nordeste e Minas Gerais desdobrava-se em evasão ao Eldorado, como era vista esta região de emprego industrial farto. Mal se imaginava que, menos de uma década depois, o ex-socialista, Fernando Henrique Cardoso, deflagrafia descuidadas intervenções econômicas que culminaram com processo de desindustrialização combinada com desemprego. Mobilidade social virou pesadelo.


Durante muito tempo fiquei estigmatizado pela esquerda por conta daquela reportagem. Justamente eu que jamais me preocupei com nuances ideológicas.


Sabia que corria riscos, principalmente profissionais, de ser incluído na lista de traidores da classe trabalhadora, então com muita influência nas redações. Os grupos organizados de petistas e comunistas eram igualmente caudalosos e discricionários.


O sindicalismo de Lula da Silva, corajosamente lançado a jornadas de embates com o capital e também contra o regime militar, ganhara tons de sacralidade. Na sucursal da Agência Estado, jamais me olharam de soslaio por conta daquela reportagem. Havia profissionalismo. A ideologia de um e de outro não atravancava as relações. Mas o pau comia solto em outros ambientes. Até hoje há petistas que não me perdoam por ter redigido aquela matéria.


E que trabalheira deu reunir tantas informações entre terça, quarta e quinta-feiras e, na sexta-feira, chegar cedo à redação e, às 22h, entregar redigidos numa antiga máquina Remington aqueles 40 mil caracteres de reportagem pura.


Hão de notar os leitores que guardo as mesmas características textuais daquele tempo. Não existe nenhuma mágica, porque sempre entendi que não basta ir a campo, recolher informações e, como Pilatos, lavar as mãos na transposição acrítica dos fatos. Há tênue linha a separar interpretação e opinião, mas só efetiva experiência profissional e personalidade consolidada permitem sair da mesmice. Sou amado e odiado como jornalista faz muito tempo. Se tivesse vocação à bajulação e à hipocrisia, seria colunista social.


A primeira gestão municipal petista estará disponível neste site amanhã, terça-feira. Uma pena que não tenha tempo para repetir quase um quarto de século depois aquela experiência, para mostrar como está Diadema hoje. Algumas matérias que editei à frente da revista LivreMercado e que estão sendo arquivadas aos poucos neste espaço ajudam a explicar a maturidade petista na gestão pública. A ponto de, já há algum tempo, este jornalista não ter tido dúvida em afirmar que Diadema é capital cultural do Grande ABC. Algo que, goste-se ou não, é obra do PT.


O próprio Gilson Menezes, que voltou ao comando da Prefeitura em 2000, e há muito integra os partidos de sustentação do PT local, deixou de ser aquele porra louca que queria mudar o mundo numa velocidade que, todos sabemos, as elites que conduzem este País e que são reproduzidas em ambientes municipais à exaustão, colocam-se como fortes opositoras. Até porque, convenhamos, mudar o País não significa, também, trocar os pés da desigualdade social pelas mãos da arbitrariedade.


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