O Interior de São Paulo é o destino da metade das intenções de investimentos divulgados no ano passado para todo o Estado. Segundo pesquisa da consultoria Simonsen Associados, os recursos atingem US$ 16 bilhões a serem investidos nos próximos anos em regiões com boa infra-estrutura, mão-de-obra qualificada e empresas que estão se remodelando para continuarem competitivas no mercado mundial. Desse valor, 14% concentram-se no Município de Campinas, de acordo com a sócia-diretora da consultoria, Maria Angela Conrado. O percentual é idêntico ao registrado para Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, juntos.
Os dados da consultoria reforçam a tendência que se concretizou na última década: o Interior paulista recebeu dezenas de novas empresas, foi palco da reestruturação de grande parte delas e permitiu a consolidação do jeito “caipira” de fazer negócio, mesmo no ambiente globalizado e concorrido no qual essas grandes e médias organizações atuam.
Apesar do recuo de 31% do valor dos investimentos anunciados em 2000 para a Região Metropolitana de São Paulo em relação ao ano anterior, este continua sendo o principal pólo econômico e industrial do Estado. Foi o que teve maior participação no volume total, com 25%, segundo relatório da Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade).
A pesquisa confirmou a tendência de crescimento da atividade econômica no Interior paulista. Do total de US$ 23,7 bilhões anunciados em 2000, US$ 11,7 bilhões (ou 49%) foram destinados ao Interior e US$ 5,9 bilhões à Região Metropolitana de São Paulo. Foram as empresas controladas pelo capital estrangeiro as que mais investiram no ano passado, respondendo por 62% dos investimentos no Estado de São Paulo. E, em seis anos (período do estudo), o Estado atraiu US$ 114,5 bilhões.
“A diminuição do investimento na Região Metropolitana está relacionada à infra-estrutura e à qualidade de vida do Interior, mas a força do mercado consumidor e da rede de serviços da Capital ainda é fator decisivo para a concentração de capital nela. Essa dinâmica ainda será reforçada com a construção do Rodoanel e a expansão do porto de Santos”, atenta o analista do Seade, Luiz Antonio Paulino.
A mais recente Pesquisa de Investimentos Privados no Estado de São Paulo traz notícias desconfortáveis ao Grande ABC. De acordo com levantamento realizado pela Fundação Seade em parceria com a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, quatro das principais cidades da região desabaram no ranking de investimentos produtivos durante 2001 e outra apresentou queda moderada sobre base nivelada por baixo. Resultado do desmoronamento coletivo: responsável por 9,3% do Valor Adicionado estadual, o Grande ABC contabilizou apenas 0,28% dos investimentos destinados ao Estado de São Paulo no ano passado.
O mergulho do Grande ABC deu-se em contexto em que o conjunto da Região Metropolitana de São Paulo cresceu. Os investimentos de US$ 9.741,22 milhões para a Grande São Paulo em 2001 — do total de US$ 23,5 bilhões em todo o Estado — embutem crescimento de 64% sobre os US$ 5.925,75 milhões contabilizados no ano anterior. Dessa aparente contradição, formada pelo paradoxo de perder isoladamente enquanto se faz parte de um grupo que saiu ganhando, é possível extrair duas constatações à compreensão da economia do Grande ABC e suas diferenças em relação ao restante da Região Metropolitana, principalmente São Paulo.
O crescimento conjunto da Região Metropolitana é puxado pela performance da Capital, que, a despeito da desindustrialização pela qual também passa, não pára de receber gordos investimentos em prestação de serviços na condição de Capital econômica e financeira da América Latina. O Município de São Paulo contabilizou aportes de US$ 7.115,65 milhões em 2001, com crescimento superior a 100% ante os US$ 3.234,95 milhões do ano anterior. O setor de serviços contribuiu com US$ 6.316,59 milhões do total de 2001 e a indústria entrou com apenas US$ 729,30 milhões.
No Grande ABC, os resultados são diametralmente opostos aos da Capital. Os investimentos caíram de US$ 1.908,57 milhões em 2000 para US$ 665,03 milhões em 2001 porque a economia regional está excessivamente atrelada à indústria em geral e à vulnerável cadeia automotiva, em particular.
Enquanto a indústria automobilística sediada na região anunciava investimentos tecnológicos para não perder o bonde da competitividade, o Grande ABC aparecia relativamente bem na radiografia estatística da Fundação Seade. Ufanistas pintavam cenários multicoloridos e varriam para debaixo do tapete o fato de que os investimentos da atividade mais competitiva do planeta se prestavam exclusivamente à modernização de fábricas e estruturas obsoletas, com a contrapartida do desemprego. Depois que a onda de investimentos voltados à sobrevivência das montadoras passou, sobrou o retrato claro, sem retoques, de uma região que se vê refém de um segmento vertiginoso.
Análise quantitativa dos dados da pesquisa da Fundação Seade sugere acalentador equilíbrio de atratividade entre a Região Metropolitana de São Paulo e o Interior paulista. Mas a análise qualitativa, mais eficiente nos efeitos socioeconômicos, diz exatamente o contrário. O levantamento mostra que a Região Metropolitana de São Paulo absorveu US$ 9,7 bilhões em investimentos durante o ano passado, enquanto o Interior ficou com US$ 9,1 bilhões dos valores anunciados. A diferença é que os investimentos na Capital e nos demais 38 municípios metropolitanos se concentraram no segmento de serviços, enquanto a massa de recursos destinada ao Interior do Estado foi injetada prioritariamente no setor industrial. Do total de US$ 10,2 bilhões investidos na indústria paulista, apenas 17% tiveram como destino algumas das 39 cidades da Grande São Paulo com seus 18 milhões de habitantes. Em contrapartida, 62% dos investimentos industriais foram canalizados para o Interior.
O Interior de São Paulo concentrou 955 das intenções de investimentos anunciados na imprensa no primeiro semestre do ano, segundo dados divulgados ontem pela Simonsen Associados. A pesquisa — que computa anúncios de aportes de companhias nacionais e estrangeiras nos principais jornais e revistas do País — revela que de janeiro a junho foram divulgados US$ 6,4 bilhões em inversões no Estado. Desse montante, US$ 6,1 bilhões estão direcionados para o Interior, enquanto somente US$ 326 milhões irão para a capital paulista.
“A tendência em todo o País é de interiorização do desenvolvimento, ou seja, cada vez mais os investimentos serão feitos em locais que não são os tradicionais”, afirma o sócio-diretor da Simonsen Associados, Antonio Cordeiro.
Os investimentos na Capital paulista vêm sofrendo oscilações nos últimos sete anos. Em 1995, por exemplo, o Município era responsável por 9,7% das intenções de investimentos; em 1999, o número saltou para 63,3% por conta da abertura do mercado das telecomunicações. No ano passado, o valor caiu novamente e a Capital deteve a fatia de 10,6% dos aportes anunciados para o Estado.
Segundo o relatório da consultoria paulista, as intenções de investimentos diminuíram em todo o País. Os aportes anunciados nos primeiros seis meses do ano somaram US$ 61 bilhões, contra US$ 115 bilhões divulgados no mesmo período de 2001. Harry Simonsen Jr. aponta três motivos para a retração: a queda de investimentos de empresas estrangeiras, a desvalorização do real e o temor de uma nova crise de energia.
Os planos de investimento no Estado de São Paulo sofreram importantes mudanças no primeiro semestre de 2002. Em relação ao ano passado, eles diminuíram em 55%, passando de cerca de US$ 15,5 bilhões para US$ 6,9 bilhões. Contudo, o que mostra pesquisa inédita da Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade) é que também o perfil dos empreendimentos se alterou. Eles passaram a ser feitos pelas pequenas e médias empresas e se dirigem cada vez mais para o Interior.
O número de empreendimentos aumentou de 740 para 942 e a maior parte deles (321) se concentrou em investimentos de menor porte, entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão.
A redução no valor dos anúncios de investimentos foi causada principalmente pelo menor número de projetos nas áreas de telecomunicações e energia. No primeiro caso, com o cumprimento das metas da privatização, houve uma redução de 87% nos anúncios, de cerca de US$ 3 bilhões para US$ 380 milhões. E no segmento energético, os investimentos foram 24% menores, ficando em US$ 800 milhões.
O impacto das eleições e as incertezas quanto à recuperação da economia global também puderam ser sentidos como fatores de adiamento das decisões de investimento. “A queda foi uma decorrência natural de um quadro que tende a se reverter no próximo ano”, analisa o coordenador técnico da pesquisa do Seade, Luís Antônio Paulino.
As diferenças entre a Simonsen & Associados e a Fundação Seade são antigas no campo da pesquisa de investimentos programados. Já em agosto de 2000, escrevi artigo para a revista LIVRE MERCADO no qual alertava sobre as metodologias aplicadas. Naquela oportunidade, perguntava o quanto de investimento privado foi anunciado para o Estado de São Paulo desde que o governo Mário Covas tomou posse, em janeiro de 1995.
A divulgação do próprio governador de que US$ 100 bilhões foram atraídos para o território paulista até maio de 2000, com base no levantamento da Fundação Seade, em nada se assemelhava aos números da Simonsen Associados. Para a Simonsen, sediada em São Paulo há então 34 anos e uma carteira recheada de clientes de mais de 450 logomarcas, de 1995 a 1998 foi anunciado o dobro dos recursos em relação ao governo do Estado, ou seja, US$ 200 bilhões. Praticamente um terço de todo o volume que irrigou até então o território nacional.
A diferença entre Simonsen e Seade pode ser explicada menos pela metodologia e mais pela abrangência do campo de informações. A Fundação Seade capta diariamente as informações primárias — anúncios de investimentos produtivos privados — divulgados pelos principais meios de comunicação e obtém confirmação junto às respectivas empresas. O mapeamento se limita a quase cinco dezenas de jornais paulistas. Também são pesquisadas todas as edições do site do governo do Estado de São Paulo e incluídas notícias eventualmente enviadas pelas prefeituras. Já a Simonsen Associados capta informações em 640 jornais e revistas do País.
Em comum entre as duas pesquisas está o nível de risco das informações. A divulgação de intenção de investimento não significa — como afirma Harry Simonsen — que, na prática, os objetivos se materializaram. “Não sabemos se de fato são investimentos que se realizam na plenitude, mas, de qualquer forma, os dados revelam tendências de aplicação de recursos privados na economia” — conceitua.
A Simonsen é uma empresa de prestígio. O ranking das 100 melhores cidades para investimentos no País, da revista Exame, foi organizado pela consultoria. O banco de dados sobre investimentos privados no Brasil é apenas uma das ferramentas utilizadas pela empresa, mesmo assim com cautela por causa da dificuldade de acompanhamento. Esses cuidados não são exatamente marca registrada de qualquer administração pública. Por isso, o governo do Estado faz estardalhaço com os dados da Fundação Seade.
O mais indicado para uma situação como essa é que tanto a Imprensa quanto os braços de pesquisa da Simonsen e da Fundação Seade amadureçam o relacionamento. O que quer dizer amadurecimento nesse caso? Primeiro, que os dados da Fundação Seade são extremamente frágeis pelo aspecto de territorialidade atingida, bem como pelas restritas fontes de informação. Segundo, que a mídia não esqueça da Simonsen quando for divulgar pesquisas da Fundação Seade nem da Fundação Seade ao expor dados da Simonsen. É possível que o confronto de numerais tão díspares faça cair a ficha da sensatez e uma espécie de convênio branco — unindo as duas usinas de informações — se harmonize para colocar ordem na casa.
O que isso poderia sugerir? Que é um desperdício de tempo, de dinheiro, de paciência e de confiabilidade a Simonsen e a Fundação Seade antagonizarem informações sobre um mesmo território — o Estado de São Paulo. Caberia à mídia nesse caso, não fosse apenas reprodutora de informações, o papel de amalgamar as relações das duas instituições. É muito mais que provável que a associação do olhar público e do olhar privado no campo estatístico resulte em informações econômicas que, em vez de jogarem farofa no ventilador da compreensão da situação nacional, iluminem o horizonte de investimentos mais seguros.
Será que é tão difícil assim zerar esse jogo e iniciar, para valer, uma nova etapa estatística de uma modalidade de informação preciosa na captação de tendências setoriais, regionais e estaduais?
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01/04/2003 Quando a guerra fiscal está à sombra de tudo