Pode ser que as investigações não deem em nada, pode ser que deem em tudo, mas está na hora de o Paço Municipal de Santo André e a desgarrada fisicamente) Secretaria de Obras e Serviços organizarem-se para entrevistas explicativas ao assalto do qual se ocupam o Ministério Público e a Polícia Civil. A entrevista do prefeito Aidan Ravin ao Diário do Grande ABC de hoje, consequência do texto que publiquei ontem nesta revista digital, é um desfilar de frases que não deveriam ser emitidas pela maior autoridade pública do Município.
Aidan Ravin opõe-se às evidências denunciadas pelo Ministério Público. Poderia ter sido mais cauteloso e mais criterioso. Atuou como desqualificador do incidente. O bom senso deveria colocá-lo como analista atento. Aidan Ravin estava despreparado para responder às indagações que longe estiveram de algo mais duro, rigoroso, inquisidor.
Mais que isso: o prefeito de Santo André parece lutar contra os fatos ou as evidências dos fatos, numa espécie de torcida contra a realidade. Sugere que pretende alterar os acontecimentos, em vez de engajar-se nos esclarecimentos. Parece fadado a atuar como camicase, quando a habilidade político-administrativo recomenda voo panorâmico.
A tardia manifestação do prefeito sobre o roubo no estacionamento da Secretaria de Obras e Serviços de Santo André, à Rua Catequese, em 13 de junho último, confirma uma característica quase insolente da Administração Municipal: o comodismo deliberado para enfrentamentos mesmo que distantes de contraditórios mais aguçados e sobre os quais, aparentemente, o chefe do Executivo jamais imagina desdobramentos. Se a situação apertar, o que será da postura do prefeito? Quero crer que a Administração de Santo André aja com desdém em relação a situações controversas por conta de despreparo técnico e conceitual, mas na medida em que se aproximam as eleições do ano que vem é compulsório que novas demandas nada cor-de-rosa se verifiquem.
Desde que o assalto foi perpetrado e o volume monetário do roubo passou a flutuar ao sabor de interesses difusos, de R$ 70 mil até R$ 1 milhão, passando por mais satisfatórios R$ 400 mil, o prefeito de Santo André deveria ter tomado série de providências. A primeira, indescartável, ter solicitado a preservação das imagens do sistema de segurança implantado pela Multipark no estacionamento da Secretaria de Obras e Serviços.
Muito pior que a omissão ou a imprevidência administrativa do prefeito, que teve 30 dias para requisitar a medida, foram as declarações do secretário da SOSP, Alberto Casalinho. Ele exclui a secretaria de qualquer responsabilidade no gerenciamento do estacionamento onde um Audi A3 foi abordado por dois assaltantes em cima de respectivas motocicletas e o motorista foi obrigado a entregar uma mala de dinheiro.
Casalinho confunde autonomia gerencial do negócio com compartilhamento social do sistema de segurança. Em qualquer condomínio comercial ou mesmo residencial que faça jus à denominação, o conteúdo do sistema de segurança implantado não é propriedade da empresa terceirizada, mas do conjunto de inquilinos. A Secretaria de Obras e Serviços é a única inquilina do imóvel da Rua Catequese.
Fosse minimamente preventivo, inclusive para dissuadir possíveis especulações que decorreram do incidente, o secretário Casalinho teria tomado providências imediatas. Por que não requisitou as imagens? Essa não é uma pergunta que deva ser formulada. O autor correria o risco de ganhar o rótulo de campeão de ingenuidade.
Voltando à origem deste texto, sobre as declarações do prefeito ao Diário do Grande ABC de hoje, sob o título “Aidan Ravin defende investigação sobre roubo”, exponho alguns parágrafos com a garantia ética de que eventuais supressões não influem absolutamente em nada no sentido literal e contextual do que foi impresso:
”(…) Por outro lado o chefe do Executivo avaliou que existe “muita coisa estranha nesta história, que não condiz” e, para esclarecer o caso, ressaltou que o episódio merece ser devidamente direito (sic).
Para o prefeito, hoje em dia ninguém andaria com tanto dinheiro –especula-se que foram R$ 70 mil — sem se resguardar. “Se tivesse realmente esse valor, por que não teria segurança junto para evitar correr um risco desse? Fala-se que (bandidos) entraram e renderam. Pode ser que já vinham acompanhando de outro lugar e quando percebeu que estava sendo seguido acabou entrando no estacionamento”.
Convenhamos que as declarações do prefeito de Santo André cairiam como luvas num desses programas de escracho da televisão brasileira.
Quer dizer então que os assaltantes estavam perseguindo o carro pagador cujo motorista, no intento de safar-se, ingressa num estacionamento de um órgão público reconhecidamente poderoso em massa crítica de suporte a investimentos em infraestrutura? Quer dizer então que os assaltantes perderam o medo diante do ingresso do veículo pagador num local resguardado por segurança?
Francamente, o prefeito Aidan Ravin está mal assessorado na tentativa de, como afirma a manchete do jornal, defender investigação sobre o roubo. A reportagem não deixa dúvida de que se há algo pelo qual está lutando o prefeito Aidan Ravin é pela defesa de um enredo que retire a Prefeitura de Santo André, mais propriamente a Secretaria de Obras e Serviços, do foco de investigação.
Ou seja: o prefeito chega tarde e imprecisamente ao cerne de um caso que o Ministério Público e a Polícia Civil provavelmente causarão estragos. Há informações consistentes sobre a identidade de uma empreiteira de obras públicas com laços fortíssimos com a Administração Municipal. Provavelmente outros chefes de Executivo teriam tomado decisão semelhante. Muito provavelmente sem tamanha inconsistência defensiva. O desaparecimento das imagens gravadas do assalto ao carro pagador talvez não tenha sido a melhor solução para quem pretende jogar o incidente na lata de lixo de especulações, retirando-o da materialidade fática comprovada por atendentes da Multipark.
Muito possivelmente essa decisão tenha aguçado ainda mais o apetite investigativo do Ministério Público, para consubstanciar as investigações policiais.
O prefeito Aidan Ravin deveria ter sido mais bem preparado para enfrentar questionamento da mídia. Sair em defesa da tese de que o assalto ao carro pagador é uma ficção não é a melhor das alternativas. A emenda da entrevista ao Diário do Grande ABC se comprovou pior do que o soneto da omissão de quase dois meses.
Talvez tenha sido por isso, aliás, que o jornal se utilizou, na ilustração da reportagem, de uma foto em que a expressão facial do prefeito remete a uma quarta-feira de cinzas. Se a escolha não foi proposital, foi autoexplicativa.
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