Política

São Caetano em dia de tiros na
educação e na sucessão eleitoral

DANIEL LIMA - 23/09/2011

Dois abalos sísmicos atingiram em cheio ontem a sempre invejável São Caetano. O mais barulhento envolveu um tiro de autoria de um menino estudante de uma escola pública de Primeiro Mundo, a Alcina Dantas Feijão. Um outro tiro, com espécie de silenciador, provocou desconforto no Palácio da Cerâmica, com a dissidência do vereador Paulo Pinheiro, agora listado como possível candidato oposicionista da ala próxima ao conservadorismo, campo até então exclusivo dos situacionistas. Paulo Pinheiro é um candidato mais incômodo que a representação petista.

Os estragos à imagem primeiromundista de São Caetano foram maiores na área educacional porque alimentaram de demagogia os programas sensacionalistas da televisão e abriram abundantes espaços nos jornais impressos. Não é sempre e muito menos num Município que se orgulha tanto do nível educacional e econômico que um menino de 10 anos sai dando tiro na professora e, em seguida, atinge a própria cabeça. Algo dessa magnitude costuma ser importado do noticiário dos Estados Unidos e da Europa.

Em médio e em longo prazo os estilhaços do tirombaço político serão muito maiores para o conjunto da população. O remelexo que a candidatura de Paulo Pinheiro deve provocar não pode ser minimizado. Mas convém estar atento ao que se passa além das linhas frias dos noticiários.

A decisão do vereador Paulo Pinheiro está lastreada por gente de fora de São Caetano, como a cúpula do PMDB de São Paulo, e um grupo de interesses de um dissidente local instalado na superintendência do Semasa, a autarquia-cofre da Prefeitura de Santo André que cuida de água, saneamento e de muito mais, casos das licenças ambientais à instalação da farra do boi do mercado imobiliário.

A morte do pequeno estudante ingressa nos arquivos criminais com retoques de mistério. As explicações vão muito além da imaginação. Não me meto nessa história porque não tenho vocação à psicanálise, à psiquiatria, e não quero imaginar que a origem fuja disso, porque provavelmente não fugirá, como muitos casos semelhantes.

A surpresa política é que chama a atenção. Surpresa política é força de expressão, porque já vinha acompanhando os bastidores. Sabia que havia uma coalizão decidida a impor a candidatura do então petebista Paulo Pinheiro ao Paço de São Caetano. Ângelo Pavin, Superintendente do Semasa, era o nome potencialmente mais forte para concorrer, mas nem sempre dinheiro e prestígio correm na mesma raia. No caso de Ângelo Pavin, não correm. Mais que não correrem, são beligerantes.

Paulo Pinheiro goza de imagem pública satisfatória em São Caetano. Acabou seduzido por gente que olha para o orçamento municipal com apetite pantagruélico. Gente que faz planos para ocupar o Palácio da Cerâmica com a certeza de constituir uma fortaleza financeira para interagir na política regional. Não é a toa que o Semasa foi entregue ao ex-vereador de São Caetano, Ângelo Pavin, na distribuição de cargos pós-vitória de Aidan Ravin à Prefeitura de Santo André.

O jogo democrático implica em variáveis nem sempre republicanas. Por isso mesmo o que parecia tão certo quanto a luz do dia — a eleição da candidatura apontada pelo prefeito José Auricchio Júnior — já não é tão certo assim. Mas também não é tão incerto, como alguns pretendem fazer crer.

Há certo inconformismo dos oposicionistas de agora, aliados até outro dia, quanto à possível escolha da assessora especial Regina Maura Zetone como candidata do prefeito e da maioria do secretariado. Pesa à desaprovação que poderá estender-se ao campo de maliciosidades desclassificatórias uma prática comum na política — a questão de gênero. Nada mais fora de moda.

Principalmente porque temos na presidência da República alguém que veste saia, pinta os cabelos, usa batom, faz maquiagem, é avó, já casou e ninguém pode negar que não seja mulher. Mais que mulher, mulher decidida.

Regina Maura tem acabamento plástico mais jovem do que a presidente da República. O peso dos anos ainda não atingiu Regina Maura. Mas não é o corpo esguio e sempre bem delineado por um guarda-roupa clássico que a torna, segundo as primeiras pesquisas já encomendadas, candidata de valor. Regina Maura tem fama semelhante à que Dilma Rousseff construiu em cargos públicos preparatórios à presidência da República: é extremamente zelosa, competente, determinada e produtiva.

A desconfiança de que José Auricchio Júnior já tivesse se decidido por Regina Maura teria levado Paulo Pinheiro a cair na rede do PMDB, seduzido principalmente por Ângelo Pavin. O veterano vereador de cabelos grisalhos resolveu ir para o tudo ou nada. Ou quem sabe, trafegar pelo acostamento para testar até que ponto pode se tornar candidato eleitoralmente forte para opor-se para valer ao Paço Municipal ou, diante de eventuais dificuldades de evoluir nas pesquisas, procurar a alternativa de tornar-se parceiro de Regina Maura na chapa situacionista.

Talvez o grupo que embala a candidatura de Paulo Pinheiro tenha dificuldades para visualizar uma outra possibilidade após o anúncio de rompimento com o prefeito José Auricchio Júnior: a de que o tiro da ambição de comandar a Prefeitura pode sair pela culatra de uma derrota fragorosa durante o processo preliminar da disputa eleitoral, a ponto de interditar qualquer possibilidade de reaproximação.