Política

Carisma é mais um jogador de
equipe que pretende ser campeã

DANIEL LIMA - 01/11/2011

Fiquei encafifado com a manchete principal de ontem do Diário do Grande ABC, transposta à página interna com o título “Carisma decidirá eleição em Santo André”. Juro que tentei entender o que o jornal pretende e cheguei a uma conclusão que me aborreceu profundamente. Sabem a que decisão cheguei? À conclusão nenhuma. Pauta sem pé nem cabeça leva qualquer leitor, mesmo os mais exigentes, como sou, à multiplicidade interpretativa, porta escancarada a dúvidas cruéis.


Talvez tenha sido manchete típica de pós-final de semana sem assunto, quando, redações desfalcadas, tropas a meia força, decide-se na sexta-feira anterior o que vai abrir o jornal no sábado, no domingo e na segunda. É assim que o jornalismo diário produz informação. Burocraticamente, para resumir.


Não foi por outra razão que, ao deixar o Diário do Grande ABC em abril de 2005 (é melhor dizer que me trocaram por uma sentença judicial cabeluda) tratei de editar boa parte dos textos da coluna “Contexto”, transformando-os no livro “Na Cova dos Leões”. Na apresentação da obra, afirmei em tom de desabafo, que o jornalismo diário emburrece. E como emburrece.


Tanto que meus melhores anos profissionais, os mais profícuos, embora a todos os outros tenha me dedicado intensamente, priorizando-os em minha vida, foram vividos fora de redações de jornais diários. Só cheguei àquela constatação porque havia uma década e meia que não pisava os pés numa redação premida pelo tempo de fechamento diário. A industrialização da informação associada às fragilidades estruturais, físicas e de recursos humanos, me remetia ao inferno.


Mas isso é outra história. O que pretendo dizer nesta véspera de feriado é que fiquei mesmo encafifado com o significado de carisma que o Diário do Grande ABC alçou à condição de jóia da coroa eleitoral na disputa do ano que vem em Santo André entre Aidan Ravin e o petista Carlos Grana.


Mais confrontos regionais


Primeiro, não entendi a razão de limitar o confronto a Santo André, já que também os demais municípios locais não contam com emissoras de TV abertas e reúnem características sociais semelhantes. O que vale para Santo André praticamente vale para todas as demais. Quando o jornalista do Diário escreveu que “para formadores de opinião, o corpo a corpo será um dos fatores preponderantes para referendar o processo, porque na raia governista a administração encontra dificuldade para decolar, enquanto o petista é novidade no campo majoritário”, juro por todos os juros que não entendi.


Estaria o jornal afirmando com todas as letras impressas que Aidan Ravin não tem nada a mostrar e que Carlos Grana é uma esperança, embora principiante? Se essa foi a intenção, por que então não apresentá-la de forma explícita, direta, objetiva?


Precisaria recorrer a malabarismos apoiados no tal de carisma? E por que outros prefeitos que disputam a reeleição na Província do Grande ABC não tiveram tratamento semelhante, mesmo que de resultados antagônicos, ou seja, eventualmente, supostamente, diferentemente, de Aidan Ravin, o improdutivo, segundo o jornal?


Teria o Diário do Grande ABC já deliberado apoiar o petista Carlos Grana? Estaria Aidan Ravin convidado a peregrinar pelas ruas de Santo André em busca do eleitorado, arrancando-lhes os votos que os quatro anos de mandato supostamente sem eira nem beira simplesmente dissolveram?


Estaria este jornalista enganado? Sei lá. Creio que fiquei mais maluco do que normalmente fico quando leio o noticiário de qualquer jornal, de qualquer revista. Sou desses leitores que penetram em cada parágrafo em busca de algo muito mais profundo do que a informação supostamente explicitada ou dolorosamente mal formulada. Aprendi que há sempre uma intenção deliberada ou subjacente em cada frase — desde que o jornalismo não seja medíocre, evidentemente.


Tarefa muito complicada


No caso do Diário do Grande ABC, confesso que a exumação das intenções é árdua. Há moças e moços jovens demais escrevendo sobre temas adultos, dos quais não têm conhecimentos pretéritos. São levados por interesses de terceiros nem sempre éticos, nem sempre corretos. São jovens deslumbrados com uma profissão que nem é profissão mais. Encantam-se com pautas encomendadas, embora sempre mal-formuladas. Bons pauteiros estão a faltar nos meios de comunicação, enredados pelas mesmices aceleradas pelo aqui e agora.


Carisma, carisma, carisma, afinal o que é carisma?


O que sei é que a manchete do Diário do Grande ABC não condiz com a essência do texto, terceirizado ao longo dos parágrafos a alguns personagens da vida diária de Santo André que fizeram contorcionismos para se ajeitarem a salvo de posicionamentos mais agudos.


Como esperar que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santo André, Fábio Picarelli, de relações intestinas com políticos da cidade, fosse exarar um ponto de vista atrevido? Esperar o que de Sidnei Muneratti, presidente da Acisa, Associação Comercial e Industrial de Santo André, senão diplomacia, já que aquela casa é uma embarcação multicolorida em que cabem todos os interesses partidários, depois de, ao longo de muitos anos, manter-se firme e irredutível em defesa da faixa destinada à direita rabugenta?


Para produzir a matéria enigmática sobre carisma, o Diário do Grande ABC ouviu um especialista em Marketing Político e professor da Universidade Metodista. Kleber Carrilho disse o trivial ao se referir ao contexto histórico e à penumbra midiático-televisiva de Santo André (”Não tem TV aberta nem rádio forte. Por isso, predomina o corpo a corpo. O duelo se dá nas ruas”). Exagerou na dose, entretanto, ao afirmar que o carisma é latente em ambos os lados (de Aidan e de Carlos Grana).


Sinceramente, nesse campeonato, Aidan é quase imbatível. Somente Lula, com a força de uma história muito mais expressiva e de uma capacidade intensa de seduzir interlocutores, daria uma sova no prefeito-médico.


Não será simplesmente por ter Lula a tiracolo na campanha eleitoral que Carlos Grana ganharia a disputa. Lula é um ingrediente valioso para Grana assim como o foi para Dilma Rousseff, mas se lhe tirassem o Bolsa Família e a farra dos financiamentos que transformaram empregos em consumo, o que sobraria para a ministra que virou presidente?


O grande erro de Aidan Ravin será acreditar na manchete do Diário do Grande ABC que, como já disse, não se justifica no texto. Se botar fé que carisma decidirá mesmo as eleições em Santo André, Aidan Ravin vai dançar bonito. Carisma não é um adereço que se manipula inquestionamente para seduzir os eleitores.


Celso Daniel arrogante?


Celso Daniel era considerado anticarismático, quase arrogante. Julgavam-lhe mal a timidez que também o levava a ser pouco brilhante como orador emocional, embora poderoso como expositor técnico. Mesmo com todos os problemas e as dificuldades para se encaixar no modelo populista típico dos carismáticos, Celso Daniel foi um campeão de votos em Santo André. Tivesse razão os simplificadores, os arautos do carisma, Celso Daniel nem vereador teria sido.


Acho que já escrevi há bom tempo um texto razoavelmente denso sobre alguns atributos para vencer uma eleição. Carisma fazia parte como faz parte de um time de futebol o lateral-direito, o centroavante, o primeiro volante, o goleiro, e todos os demais componentes de um esporte coletivo.


Carisma está para uma eleição assim como o goleiro para um grande time de futebol. Ou como um centroavante. Ou como um zagueiro ou um lateral. Um apenas. E até prova em contrário, não se ganha jogo algum com apenas um jogador. Aliás, nem se joga com apenas um jogador.


Ao deslocar a estruturalidade eleitoral ao campo pantanoso da subjetividade, da imaterialidade e da semântica do carisma, o Diário do Grande ABC desprezou o senso crítico dos eleitores, o qual, por mais que seja rarefeito ao longo de quatro anos de um mandato, acaba por influenciar-se e mobilizar-se nos três últimos meses de campanha, seja numa cidade grande com jeito interiorano, como se traduziria Santo André, seja numa Capital.


Não há carisma que resista a quatro anos de incompetências nem ausência de carisma que se coloque como obstáculo insuperável a quem sabe atender às necessidades da população.


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