O deputado federal petista Vicentinho Paulo da Silva e o deputado estadual
tucano Orlando Morando foram envolvidos outro dia num trabalho jornalístico que
sintetiza estes tempos pré-eleitorais. Representantes dos dois partidos que
chefiam instâncias mais poderosas do País — o governo federal e o governo do
Estado de São Paulo — Vicentinho e Morando revelaram o quanto os tempos mudaram.
Ao tratarem das próximas eleições presidenciais, mostraram com sinais trocados
perfis estereotipados de petistas e tucanos. Vicentinho, ex-sindicalista,
transparece diplomacia e tranquilidade. Orlando Morando, empresário do ramo de
supermercados, sugere pedras na mão.
Independente da personalidade ocasional ou consolidada de cada um, mais
branda de um lado, mais intrépida de outro, tanto Vicentinho quanto Morando
mostraram-se bons combatentes, conceito que não carrega juízo de valor
intrínseco, mas apenas tático e estratégico.
Mas nem tudo o que disseram significa necessariamente o que parecem dizer.
Vou explicar.
A fonte de minha incursão é a reportagem do jornal impresso e eletrônico
Repórter Diário. Sob o título “Vicentinho não crê na candidatura Serra; Orlando
rebate”, a reportagem de Leandro Amaral deveria servir de exemplo para os
leitores entenderem a linguagem de quem ocupa espaços na mídia em ano eleitoral,
principalmente.
Para o entendimento do trabalho jornalístico, repasso os primeiros parágrafos
da reportagem:
Agora, as declarações de Vicentinho:
Segue a matéria:
A possibilidade do governador José Serra desistir da candidatura presidencial
é uma tecla exaustivamente utilizada pelos situacionistas que, dependendo do
andar da carruagem das prévias eleitorais, poderá tornar-se profecia
autorealizada. É natural que Vicentinho não perderia a oportunidade de martelar
essa idéia-força que, mesmo que não vire realidade, desgasta ou procura
desgastar a imagem do governador, colocando-o no córner dos indecisos. Ou mesmo
no agrupamento de quem só se lança numa batalha com a certeza de vitória.
Já quando faz comparações do governador Aécio Neves com o ex-presidente
Fernando Collor de Mello, o que Vicentinho quer mesmo é transferir ao eventual
reserva tucano à candidatura presidencial uma sutil característica de zebra
recheada de inseguranças e complicações, como o político alagoano, cassado pelo
Congresso Nacional. Mais que isso: quando fala da beleza plástica de Aécio
Neves, Vicentinho provavelmente quer remeter os leitores a derivações
especulativas sobre supostos hábitos do ex-presidente. Aécio teria parentesco
com Collor de Mello em algo que os enólogos praticam à exaustação. A diferença é
que nenhum dos dois é especialista em decifrar os segredos de vinhos ao simples
aspirar do aroma.
Agora, às declarações do deputado estadual Orlando Morando ao Repórter
Diário. Reparem no tom beligerante:
Agora, as considerações sobre Orlando Morando:
Faltaram boas maneiras para responder às declarações de Vicentinho Paulo da
Silva. O figurino verbal não combina com a elegância com que Orlando Morando
geralmente se apresenta publicamente.
A arremetida de Orlando Morando na pregação de que os petistas anteciparam a
agenda eleitoral tem a mesma lógica estratégica da uniformidade do discurso
petista de que José Serra pode abandonar a corrida antes mesmo da formalidade
cronológica de desincompatibilidade prevista pela legislação. Ou seja: quando
diz que a ministra Dilma Rousseff já está jogando o jogo em busca de votos,
Orlando Morando diz tanto a verdade quanto esconde outra realidade, a de que
José Serra entrou no mesmo jogo faz tempo. Basta ver como se intensificaram os
compromissos de desgastante agenda e, mais que isso, o volume de publicidade de
obras do Estado nas emissoras de TV em horário nobre.
Vicentinho Paulo da Silva e Orlando Morando simbolizam a uniformidade do
discurso de situacionista e opocionista na arena nacional. O politiquês
transmitido na reportagem é reprodução fiel de tantos outros protagonistas ou
figurantes de partidos que começam a se engalfinhar para garantir os melhores
nacos orçamentários. Essa linguagem muita própria dos agentes públicos nem
sempre é decifrada pelos consumidores de informação.
Mas nem por isso a classe política deixa de gozar de tão pouco prestígio da
sociedade, principalmente da classe média tradicional, conforme constatam
diferentes pesquisas. Mas nada que não se resolva temporariamente durante a
campanha eleitoral. Principalmente nos programas de televisão, quando candidatos
transformam-se em produtos detalhadamente esculpidos por marqueteiros.
Nada muito diferente, convenhamos, do padrão comportamental dessa mesma
classe média que exercita em público fundamentos de civilidade e idoneidade mas
em larga escala prevarica no particular.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)