A chamada Bancada do ABC, expressão que só não entra entre aspas no sentido crítico e desmoralizante porque infringiria o Manual de Redação desta revista digital, está sob suspeita no caso do escândalo das emendas na Assembléia Legislativa do Estado, denunciada há quase três meses pelo deputado petebista Roque Barbieri. Cheguei a essa conclusão depois de ler a matéria-relatório de manchete de primeira página do Diário do Grande ABC desta quarta-feira. Uma matéria demorada, insossa e nada explicativa.
Interpretar as informações publicadas pelo Diário do Grande ABC é o básico do jornalismo demandado por leitores mais exigentes. Simplesmente apresentar a lista de recursos liberados e os respectivos patronos é um pedaço muito pequeno e nada elucidativo. É algo como ter um pênalti e o jogador escalado chutar na bandeirinha de escanteio.
O levantamento do Diário do Grande ABC poupou-me de vasculhar os números disponibilizados ainda outro dia no site da Folha de S. Paulo. Algo que pretendia fazer, porque sabia que os deputados não se prestariam o trabalho de informar seus eleitores, embora cobrados neste espaço.
Há muito caroço de complicações nesse angu de liberação de recursos financeiros. Além de arranjos político-partidários, fontes políticas asseguram que a margem de propina chegava a 30% dos valores liberados. Como cada deputado contava com limite de R$ 2 milhões por temporada, os leitores podem fazer os respectivos cálculos.
O balando da chamada mas jamais atuante Bancada do ABC, que o Diário, felizmente, desistiu de identificar na matéria desta quarta-feira, ganha forma e conteúdo de suspeitabilidade, porque insere-se no enredo descrito pelo deputado denunciante — quanto mais recursos determinado deputado emendou para territórios inexpressivos no balanço individual de votos, mais se deve desconfiar de mutretagem.
Morando, um dos campeões
Nesse ponto, Orlando Morando, líder do governo na Assembléia Legislativa, é um dos campeões entre os deputados desta Província: do total de 8,1 milhões aprovados pelo governo paulista, apenas R$ 2,8 milhões, ou 34,56%, foram encaminhados a municípios locais. O restante do dinheiro, que é a maioria, atendeu a outros 56 municípios. Possivelmente Orlando Morando seja recordista estadual de emendas descentralizadas.
Também a deputada Vanessa Damo está sob desconfiança. Sem contar o ex-deputado José Augusto da Silva Ramos, hoje assessor da presidência da Assembléia Legislativa, e José Bittencourt, recordista em números relativos porque não trouxe um tostão sequer à Província.
O conjunto da obra de emendas dos deputados da Província em direção às municipalidades locais totalizou R$ 19,868 milhões do total de R$ 49,918 milhões desde 2007, segundo os dados do Diário do Grande ABC. Ou seja: apenas 39% dos recursos atenderam à sociedade regional.
Vejam a lista completa dos deputados e ex-deputados e os respectivos valores emendados para municípios locais e do Estado:
Alex Manente (PPS), registrou R$ 5,5 milhões em emendas, dos quais R$ 2,2 milhões (40%) em favor da região.
Ana do Carmo (PT), registrou R$ 6 milhões em emendas, dos quais R$ 4 milhões (66,6%) em favor da região.
Donisete Braga (PT) registrou R$ 5,5 milhões em emendas, dos quais R$ 4,7 milhões (78,3%) em favor da região.
José Augusto da Silva Ramos (PSDB), registrou 8,4 milhões em emendas, dos quais R$ 1,4 milhões (16,6%) em favor da região.
José Bittencourt (PSD), registrou R$ 5,5 milhões em emendas, dos quais nenhuma em favor da região.
Mário Reali (PT) registrou R$ 218 mil em emendas, dos quais os mesmos R$ 218 mil em favor da região.
Orlando Morando (PSDB) registrou R$ 8,1 milhões em emendas, dos quais R$ 2,8 milhões (34,56%) em favor da região.
Regina Gonçalves (PV) registrou R$ 600 mil em emendas, dos quais os mesmos R$ 600 mil em favor da região.
Vanderlei Siraque (PT), registrou R$ 5,4 milhões em emendas, dos quais R$ 2,9 milhões 53,70%) em favor da região.
Vanessa Damo (PMDB) registrou R$ 4,7 milhões em emendas, dos quais R$ 1.050 milhões (31,875%) em favor da região.
Manual da malandragem
Por que o silêncio da Imprensa regional só foi quebrado agora pelo Diário do Grande ABC, e mesmo assim com as ressalvas já apontadas neste texto, ou seja, sem meter-se seara adentro dos conceitos de aplicação de recursos segundo o manual de malandragem descrito por Roque Barbieri?
Porque este CapitalSocial publicou nestas páginas (veja link abaixo) uma cobrança pública aos deputados da Província, igualmente surdos e mudos quanto à importância de se pronunciarem sobre um assunto de interesse público ao qual, principalmente o Estadão e a Folha de S. Paulo, deram e continuam dando permanente destaque nos últimos meses.
Como se explica que tendo uma bancada de oito parlamentares a Imprensa regional não se interesse por tema tão candente? Será que chegamos ao fundo do poço em estrutura redacional de modo a que somente as pautas facilitadoras de cumprimento da agenda diária ganham algum fôlego? Ou o que falta mesmo é compromisso com os leitores?
A resposta é simples: na maioria dos casos o que existe de fato é o mesmo fenômeno que caracteriza a mídia local em relação ao mercado imobiliário e tantas outras instâncias com envolvimentos político-partidários e financeiros: a blindagem é absoluta. Quem se mete a besta, como este CapitalSocial, passa a ser discriminado, quando não demonizado, quando não torpedeado, quando não sacaneado. Com perdão da linguagem.
Felizmente o caso das emendas suspeitas está no Ministério Público, depois de escorraçado que foi na Assembléia Legislativa. O Estadão de sexta-feira última publicou uma matéria atualizando a situação. Vejam alguns parágrafos:
O deputado Roque Barbieri afirmou ao Ministério Público Estadual que se dispõe a apresentar “uma testemunha que pode esclarecer fatos e situações que comprometem pelo menos quatro deputados diretamente envolvidos com a prática de negociação ilícita de emendas no curso do ano passado”. Em depoimento ao promotor Carlos Cardoso, que conduz inquérito sobre suposto mercado de emendas na Assembléia Legislativa paulista, o parlamentar impôs condição: “Quero que a testemunha tenha total garantia de sigilo de sua identidade e proteção”. Barbieri confirmou o que declarou em agosto a um canal de internet da cidade de Araçatuba, seu reduto político, sobre deputados que “enriquecem fazendo isso”. “Há parlamentares que negociam emendas, apresentam emendas de maneira informal, consistentes em indicações por escrito, por eles assinadas, e dirigidas ao secretário chefe da Casa Civil, onde eram protocoladas”, relatou no dia 10 passado.
Ele declarou que “essas indicações eram feitas por ofícios, em papel timbrado da Assembléia, e por vezes, encaminhadas por e-mail”. Nesses ofícios, disse, cada deputado “fazia e faz constar o município ou entidade, o valor e o objeto e a finalidade, porém desacompanhados de justificativas, pois estas ficavam a cargo das secretarias de Estado solicitarem às prefeituras ou entidades que encaminhavam projetos, orçamentos, planilhas”.
Para Barbieri, “o advento da prática de apresentação dessas emendas não foi uma coisa positiva nem para a Assembléia nem para o governo porque em razão de não se tratar de um processo transparente os oportunistas tiraram proveito desta situação para comercializar o dinheiro público em proveito próprio”. “Já há alguns anos existem deputados que negociam emendas em troca de dinheiro, fato esse que é do conhecimento de alguns dos deputados mais antigos”, contou ao promotor. Ele confirmou ter declarado naquela entrevista que entre 25% e 30% de seus colegas participam da venda de emendas. “Foi uma avaliação muito subjetiva”.
Os deputados da região continuam a dever explicações ao eleitorado. E já que tanto falaram no passado, menos que no presente, porque seria desclassificante, sobre a Bancada do ABC, fica a seguinte sugestão: marquem uma entrevista coletiva e prestem contas à Imprensa que não tem medo de cara feia.
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