Administração Pública

Administração no caos

VERA GUAZZELLI - 05/04/1997

A opção do prefeito Oswaldo Dias e do secretariado de Mauá pelo chá de erva cidreira, em vez de cafezinho, é o sinal mais evidente da situação econômico-financeira do Município de maior dívida per capita do País. Os R$ 480 milhões herdados dos dois últimos administradores do Município, o professor Amaury Fioravante e o empresário José Carlos Grecco, não só esvaziaram os cofres públicos, como colocaram o primeiro escalão do novo prefeito à beira de um ataque de nervos.


 


O estoque da dívida representa mais de três vezes o orçamento de R$ 150 milhões previsto para este ano. O chá de erva-cidreira, por isso, é duplamente melhor. Primeiro porque tem componente terapêutico tranquilizante, diferente do eletrizante café. Segundo, e principal, porque não custa praticamente nada à Prefeitura, já que é plantado em pleno Paço Municipal. Só se gasta dinheiro com o açúcar. Não gastar dinheiro virou dogma da administração petista. Economizar tornou-se verbo obrigatório em qualquer tempo.


 


Os secretários municipais José Alfonso Klein, de Administração, e Sérgio Trani, de Finanças, professores universitários que compõem a ala moderada do Partido dos Trabalhadores, estão atuando mais diretamente com o caos da Prefeitura. Alfonso transparece estresse. "Tenho dormido, quando durmo, apenas duas horas por noite" -- desabafa. Sérgio sofre de cólicas renais.


 


A introversão do primeiro e a extroversão do segundo se juntam para amenizar o quadro e os tornam complementares na tarefa de auxiliar na reconstrução das finanças do Município. "Estamos em moratória branca" -- afirma Sérgio Trani. Moratória branca é o termo técnico que ele encontrou para dizer que Mauá resolveu esquecer, protelar ou escalonar grande parte da dívida monstruosa herdada pelo prefeito Oswaldo Dias, estabelecendo com os fornecedores um pacto de honra de cumprir religiosamente todos os compromissos financeiros assumidos de janeiro em diante. Só assim a máquina pública não parou.


 


Adrenalina demais


 


A ameaça de intervenção municipal, o que significa dizer que o prefeito seria afastado, fez aumentar os níveis de adrenalina dos secretários. De 17 precatórios (dívidas julgadas pela Justiça), seis já dispunham de legalidade para provocar a queda do prefeito. Rodadas de negociações permitiram esticar o pagamento, boa parte dos quais de R$ 150 milhões, com a Caixa Econômica Federal. A Prefeitura vai pagar uma parte em 12 parcelas e voltará a renegociar o restante depois.


 


Já os fornecedores de produtos e serviços, que formam contingente de três mil credores e R$ 74 milhões, que tratem de esperar. Alfonso e Sérgio afirmam que grande parte dos contratos foi superfaturada. Os contratos mais importantes estão sendo revistos, com cancelamentos e significativa redução dos valores.


 


Só com a Sanurbam, empresa de varrição e coleta de lixo, está-se economizando R$ 450 mil mensais, já que o contrato original de R$ 800 mil foi rebaixado para R$ 350 mil. Sem contar que nem se fala no débito anterior, o da moratória branca. Também o convênio médico com empresa privada foi revisto. Trocou-se de fornecedor que custava R$ 300 mil mensais por outro de R$ 70 mil mensais, sem quebra de benefícios.


 


A economia se deu por três vias: primeiro, renegociou-se os valores; segundo, os funcionários passaram a pagar metade do valor individual do plano; terceiro, boa parte dos funcionários, por ser dependente de familiares que já contam com planos de saúde de empresas às quais estão vinculados profissionalmente, abriu mão da sobreposição do plano municipal. Nada mais lógico contra o desperdício.


 


José Alfonso e Sérgio Trani elogiam o que chamam de compreensão do funcionalismo público, que aprovou em várias assembléias setoriais a proposta de repasse de metade do custo do plano de saúde. "Só houve quatro votos contrários" -- exulta Alfonso, num dos raros momentos de descontração.


 


Já a Caixa Econômica Federal não recebe o mesmo tratamento. Sérgio Trani reclama do contrato original de R$ 30 milhões firmado pelo ex-prefeito Amaury Fioravante para canalização do rio Tamanduateí e seus afluentes em Mauá. A execução da obra coube ao seu sucessor, José Carlos Grecco. A dívida virou bola de neve e já chegou a R$ 150 milhões, renegociados recentemente a toque de caixa: "Não se sabe exatamente onde foi parar o dinheiro, porque apenas 20% das obras foram executadas de fato" -- critica.


 


Prioridades estabelecidas


 


Os dois secretários não conseguem definir com precisão o número de funcionários da Prefeitura. Está por volta de quatro mil, total semelhante ao do início do ano, quando o novo prefeito assumiu. Demissões em massa de funcionários comissionados, cujos salários são melhores em relação aos concursados e cuja frequência ao trabalho é acintosamente negligenciada, foram compensadas com contratações para a área de saúde e educação, setores estratégicos das administrações petistas.


 


Tanto o secretário de Administração quanto o de Finanças dizem que o nível de salário da Prefeitura, contando-se os terceirizados, está adequado à realidade do Município. O salário mínimo é de R$ 547,00. O desequilíbrio em relação ao mercado público de executivos está no primeiro escalão. Os secretários recebem apenas R$ 2,6 mil mensais. "Estamos pensando em reforma administrativa inclusive para contemplar a melhoria do padrão de vencimentos do primeiro escalão, sem que implique aumento da massa salarial do funcionalismo. Mas isso vai ficar para mais tarde, porque a situação é de sacrifício para todos" -- afirma Sérgio Trani.


 


Sacrifício significa não só trabalhar além do horário, mas trazer da própria casa materiais de escritório e até papel higiênico diante da crise da Prefeitura. Foi o que os dois secretários e muitos outros funcionários fizeram nos primeiros 60 dias da administração, até que os fornecedores básicos resolvessem atender a Prefeitura. "Nosso almoxarifado estava simplesmente às moscas. Melhor dizendo: reunia uns equipamentos de som e de imagem que o prefeito anterior comprou de última hora para tentar alcançar os 25% mínimos que devem ser aplicados na área de Educação, mas nem assim conseguiu" -- afirma Sérgio Trani.


 


Os gabinetes dos secretários e de outros setores do Paço Municipal estão mal conservados e invariavelmente com lâmpadas queimadas. "E vão ficar assim até a situação melhorar, porque temos outras prioridades" -- acrescenta. Também insumos básicos para a população, como água e energia elétrica, constam da relação de quitados a partir de janeiro. Mas a dívida com a Eletropaulo e a Sabesp é elevada e faz parte do kit de inadimplência da Prefeitura. "Os prefeitos anteriores passaram anos sem saldar esses débitos" -- afirma Trani.


 


Para a Prefeitura de Mauá, prioridades são a coleta do lixo, aluguel de máquinas, compras de remédio, de merenda escolar e alguns outros quesitos, além do pagamento do funcionalismo público. Nesse ponto, um suspiro de alívio marca os dois executivos públicos. Diferentemente de Santo André, por exemplo, cuja folha de pagamentos atinge 91% das receitas orçamentárias, em Mauá o montante não passa de 50%, menos que o limite legal de 60%.


 


Trocando em miúdos isto quer dizer que o sufoco do prefeito Oswaldo Dias tem data marcada para terminar, embora não se saiba exatamente quando. Afinal, dívidas foram feitas para serem pagas integralmente, negociadas ou postergadas, enquanto compromissos com o funcionalismo são uma moeda de relacionamento que não admite quebra de confiança.


 


Acertos vão demorar


 


O equacionamento da monumental dívida de Mauá se dará entre seis meses e um ano, segundo previsão de Sérgio Trani. O pagamento será diluído ao longo dos próximos anos, que talvez não sejam tão próximos assim, com a expectativa de reduções consideráveis através de negociações. Os R$ 480 milhões de agora não serão os mesmos mais tarde. 


 


Eventual reeleição de Oswaldo Dias por mais quatro anos provavelmente colocaria as finanças em ordem no final do segundo mandato, desde que austeridade seja palavra de ordem.


 


E isso os dois secretários garantem que não faltará. Depois dos três primeiros meses em que não se praticou outra coisa senão contar tim-tim-por-tim-tim as entradas e saídas de recursos financeiros, exercitar a arte de economizar passou a ser rotina.


 


Admite-se até que o chá de erva-cidreira possa ser desbancado pelo cafezinho, porque a cultura nacional assim praticamente o exige e os nervos de agora à flor da pele deverão virar apenas referência de um passado de pesadelos.


 


Para isso, já se iniciou a descentralização gerencial do Executivo, metodologia do empresariado privado mais moderno e que consiste no planejamento e execução de investimentos por pasta, obedecidos limites pré-estabelecidos. Dá-se mais autonomia e exige-se mais responsabilidade dos secretários. Com isso, tem-se mais transparência e lisura. A centralização, modelito que ainda prevalece no setor público, é um convite a traquinagens. Vício que o impeachment de Fernando Collor prometia eliminar.


 


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