O câncer de laringe que faz de Lula da Silva o enfermo mais famoso do mundo não é um câncer de laringe qualquer como quer fazer crer a cobertura jornalística do tratamento ao qual está sendo submetido o ex-presidente.
Não me venham com perguntas inquietas que procurariam abrir o invólucro da confidencialidade de fontes que sustentam a gravidade do quadro médico. O Partido dos Trabalhadores precisa começar a pensar no futuro sem Lula. Pelo menos o Lula que todos conhecemos, em carne, osso e a voz indefectível de quem saiu das profundezas da miséria até alcançar o topo institucional e popular do País.
Amenizar a situação pública de Lula da Silva beira a segurança nacional, porque o ambiente de comoção de um pronunciamento mais rigoroso dos médicos que se ocupam de sua vida poderia causar reações muito além da catarse coletiva. A estabilidade política do País, gostem ou não os oposicionistas e os incrédulos, passa pela dosagem de equilíbrio informativo que os resultados dos exames do ex-presidente indicarem oficialmente.
O Brasil não está preparado para, de repente, ficar sem Lula da Silva. Tampouco a saúde debilitada de Lula da Silva o retiraria de cena de um dia para o outro. Mas é muito provável que o Brasil talvez tenha de se preparar para perder Lula da Silva aos poucos, devagar, com certa calma, aparelhando-se institucionalmente para os choques e contrachoques de forças aliadas e antagônicas do ex-presidente dentro de um rearranjo automático.
Que Lula da Silva teremos?
A doença de Lula da Silva possivelmente produzirá um novo Lula da Silva. Uma alternativa é um Lula da Silva sem a eloquência verbal que move suas entranhas, remove os obstáculos, petrifica os adversários, encanta as platéias. Lula da Silva corre sim risco de ficar sem a voz que o Brasil inteiro começou a identificar ainda no final dos anos 1970, quando as primeiras greves dos metalúrgicos do então Grande ABC, hoje Província do Grande ABC, ecoaram País adentro e mundo afora.
Lula da Silva sem a voz de Lula da Silva seria que tipo de Lula da Silva? Essa é a pergunta que cabe nesse momento em que me revelam as dificuldades que se avizinham para o ex-metalúrgico contornar o diagnóstico de câncer numa região tão delicada quanto debilitada.
A alternativa ao Lula da Silva sem a voz de Lula da Silva seria ainda pior. Seria um Lula da Silva metafísico, etéreo, resplandecente no imaginário dos poderosos e dos pobres.
Ainda há quem acredite num milagre de recuperação clínica sem sequelas e sem riscos de morte para Lula da Silva, mas quem domina a ciência não tem por costume e muito menos por bom senso transferir a forças estranhas perspectivas que se apresentam materialmente objetivas.
Fosse um paciente qualquer, desses que a voz faria pouco ou nenhuma diferença além do ambiente familiar, Lula da Silva já teria sido submetido a cirurgias que permitiriam reduzir o risco de que algo de pior viesse a ocorrer. O problema nacional é que Lula da Silva jamais será o Lula da Silva que todos conhecem sem que faça uso da capacidade de seduzir com a eloquência de uma voz de entonação sempre apropriadamente modulada para cada situação.
Protelando decisões
É possível que a equipe médica que cuida do ex-presidente decida transferir para os primeiros dias do ano que vem a má notícia de um Lula da Silva muito mais duramente atingido pelo câncer de laringe do que têm propagado até agora. Os festejos de final de ano não combinariam com o sentimento popular que afloraria ante um comunicado que não teria como contornar as armadilhas do destino.
Haveria vazamentos sobre a debilidade de Lula da Silva além dos efeitos do tratamento e que poderiam gerar uma onda de boatos nada convenientes aos pressupostos de protelar informações menos adocicadas.
Um adesivo preparado pelo Diretório Municipal do PT de São Bernardo poderia alimentar uma onda de desconfiança de que o noticiário que trata da doença do ex-presidente é impreciso.
O Lula da Silva de cabelo raspado e sem barba aparece numa foto abraçado por Dona Letícia. A mensagem ("O mundo precisa de você. Força companheiro") não é exatamente algo que tenha grau de compatibilidade entre o que é notícia e os resultados divulgados dos exames. Ou estaríamos todos vendo fantasmas?
Resisti muito a escrever este texto delicadíssimo, mas acabei subjugado pelas informações de fontes confiáveis. Não se trata de boataria comum a envolver gente famosa. Lula
Faltaria a sonoplastia para um cérebro privilegiado, uma simbiose perfeita entre o pensamento e a articulação verbal que transformou Lula da Silva numa das maiores lideranças políticas da história do País.
Lula da Silva sem a mítica voz de Lula da Silva seria tudo, menos Lula da Silva.
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