O escândalo das emendas parlamentares da Assembléia Legislativa de São Paulo agrega tantas possibilidades de rituais de contravenções que o promotor criminal responsável pelas apurações poderá levar um bocado de tempo para enquadrar os delitos. Enquanto isso, a Imprensa, notadamente a Folha de S. Paulo e o Estadão, que cobriram regularmente as denúncias do deputado estadual Roque Barbieri, até que tudo terminasse em pizza em âmbito legislativo, parece ter se dado por satisfeita.
A trégua é elemento tático importante, mas o esquecimento seria um desserviço à sociedade. O acompanhamento das investigações do Ministério Público é uma boa maneira de estimular certo aceleramento do processo que promete ser longo. Ou o promotor criminal saberá estabelecer compatibilidades operacionais no interior da diversidade de atuações de forma a encurtar o caminho rumo ao desenlace?
Um indicador provavelmente infalível de que as emendas carregam explosivos que podem destruir muitas reputações que aparecem diariamente nas páginas dos jornais é a própria cobertura ou falta de cobertura do caso, principalmente nos veículos de comunicação fora da Capital.
Silêncio comprometedor
O assunto, desde que ganhou as páginas do Estadão e depois correu
relacionamentos nada reformistas, ao contrário do que propagam os defensores da reforma política.
Não é preciso ser investigador premiado para tomar o pulso das emendas parlamentares expostas na Internet, liberadas pelo governo Geraldo Alckmin, para sentir o cheiro da brilhantina de possíveis deturpações de encaminhamentos de recursos.
A previsão de que pelo menos 30% dos parlamentares paulistas deleitaram-se com as emendas, segundo Roque Barbieri, possivelmente está aquém da prática. Há modelitos mais que amadorísticos de intermediação de parlamentares e administradores públicos que ensejam desvios monumentais.
A aprovação da aplicação de recursos pelo Tribunal de Contas do Estado não é necessariamente uma válvula inviolável ao vazamento de inconformidades. Há especificidades que precisam ser filtradas com maior cuidado, porque reúnem situações locais, estritamente locais, que podem desnudar esquemas fraudulentos. Voos rasantes são essenciais em ocasiões que recomendam detalhamentos.
Dizer que a propinagem não era inferior a 30% dos valores monetários não é nenhuma heresia. Essa é a marca de corte de desvios, tão decorada pelos malfeitores quanto a escalação das equipes de futebol nos meus tempos de futebol de botão ou de preenchimento de álbuns de figurinhas.
O que não constava da lista de preocupações de legisladores paulistas era a possibilidade de o caudal de emendas ganhar transparência. Somente isso permite admitir que determinados deputados estaduais fossem tão descuidados na manipulação dos recursos liberados pelo governo do Estado desde 2007.
Diversidade aplicativa
Diferentemente do que declarou Roque Barbieri, não são apenas os deputados que destinaram emendas a municípios nos quais obtiveram quantidades de votos inexpressiva que devem ser observados sob intensa focalização de desconfiança. Também há uma lista enorme de deputados sob suspeição que registraram muitos votos em redutos aos quais dedicaram-se a municiar prefeituras e entidades sociais, hospitais e instituições. Nesses casos, uniu-se o útil ao desejável: ganhou-se dinheiro e ganharam-se votos. Uma tacada certeira.
Essa conclusão não é uma acusação, evidentemente, apenas uma constatação que deverá ser corroborada pelos resultados das investigações do Ministério Público. É também aquilo que chamaria de feeling de quem como jornalista descobriu várias anormalidades envolvendo recursos públicos. Entre as quais o Escândalo do Proálcool, publicado por Estadão e Jornal da Tarde em 1986 e que, graças à intervenção de um então mandachuva da Política Federal, mais tarde graduadíssimo político nacional, não deu em nada. Exceto o fato de ter-me tornado persona indesejada na Polícia Federal. Para desgosto de fontes internas, delegados sérios mas obedientíssimos à hierarquia.
Cartas-convite manjadas
É notável a quantidade de deputados que se esmeraram na aprovação de emendas que não ultrapassaram a R$ 150 mil. Essa margem de corte é o limite financeiro de carta-convite, especialidade mais manipulável à escolha de vencedores entre fornecedores de produtos e serviços.
Acima desse valor-teto à facilitação de determinadas tarefas é indispensável a adoção de licitação, não necessariamente menos vulnerável às falcatruas, mas cuja cronologia de definição do vencedor é menos imediata e, quando não concatenadas, abre brechas a eventuais azarões. Ou seja: dá mais trabalho, embora a recompensa seja estonteante. Os valores em média são extraordinariamente mais volumosos.
Sem receio de cometer injustiça e, repito, respaldado por observações minuciosas do mapa das emendas, bem como com a sustentação de fontes que conhecem o assunto, não tenho dúvidas em afirmar que há mutreta da grossa e que, portanto, o deputado Roque Barbieri só poderá ser chamado de fantasioso, manipulador e mesmo de mentiroso porque foi modesto no percentual quantitativo de companheiros metidos nas tramóias.
A prova dos nove mais simples, direta e insofismável que poderá encaminhar o escândalo das emendas a um patamar de resolutividade e desmascaramento sem precedentes na história parlamentar de São Paulo é cristalina: uma varredura nas notas fiscais dos fornecedores de serviços e produtos seguida de comparativos com os valores de mercado à época da aplicação dos recursos financeiros colocaria muita gente emparedada entre o desespero e a impotência.
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