Caso Celso Daniel

Inquérito confirma:
Dionísio é um blefe

DANIEL LIMA - 05/01/2007

O assassinato do prefeito Celso Daniel vai completar cinco anos neste 20 de janeiro e até lá é possível o anúncio oficial de uma novidade importantíssima que LivreMercado antecipa com exclusividade: o presidiário Dionísio de Aquino Severo, que fugiu de helicóptero no dia anterior ao arrebatamento do prefeito de Santo André e que, mais tarde, preso, foi transferido para a Cadeia do Belém, na Capital, onde acabou morto, não teve mesmo qualquer participação no sequestro de 18 de janeiro de 2002 no chamado Três Tombos, na Capital.


 


Naquela noite de sexta-feira, o empresário e professor Sérgio Gomes da Silva dirigia a Pajero tendo ao lado o petista que seria ministro do Planejamento do primeiro mandato do governo Lula da Silva. Sérgio Gomes e Celso Daniel jantaram num restaurante paulistano naquela noite. O assunto predominante foi a expectativa do prefeito de Santo André iniciar os trabalhos de coordenação do plano de governo do então presidenciável Lula da Silva.


 


Dionísio de Aquino Severo saiu da condição de estranho à posição de protagonista do caso Celso Daniel. Ele foi colocado na cena do crime na versão do Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado) de Santo André. A intersecção da morte do prefeito com a espetacular fuga de Dionísio do presídio de Guarulhos juntamente com outro presidiário, Aílton Feitosa, levou Sérgio Gomes da Silva à prisão durante oito meses. O empresário se desvencilhou da situação liminarmente em julho de 2004 por decisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. A espetacular evasão de helicóptero do presídio de Guarulhos ocupou o noticiário de emissoras de rádio e televisão exatamente no dia anterior ao sequestro de Celso Daniel.


 


Com a conclusão do inquérito específico sobre a morte de Dionísio de Aquino Severo, confirmando a primeira versão da Polícia Civil e também da Polícia Federal que investigaram e encerraram o caso Celso Daniel em 2002, a tese de crime de encomenda defendida pelo Ministério Público de Santo André sofre mais um duro golpe técnico. Como se já não bastasse a segunda apuração da Polícia Civil de São Paulo, anunciada mês passado, comandada pela delegada Elisabete Sato.


 


Como em tantos outros crimes nos quais celebridades são vítimas que evocam enredos fantásticos, Celso Daniel foi morto em circunstância corriqueira num janeiro de cinco anos atrás quando a Região Metropolitana de São Paulo batia recordes de sequestros e assassinatos. A carnificina urbana foi reduzida em larga proporção na sequência dos fatos e nos anos seguintes.


 


Após a morte do prefeito e as repercussões político-eleitorais e político-partidárias que colocaram petistas e tucanos na linha de combate num ano eleitoral que escolheu, entre outros, governo do Estado e presidente da República, o então titular do Palácio dos Bandeirantes, Geraldo Alckmin, resolveu trocar o secretário de Segurança Pública. Saiu o contemplativo Marco Vinício Petrelluzzi, defensor intransigente dos Direitos Humanos, e entrou Saulo de Castro Abreu Filho, colecionador de encrencas e que a ferro e fogo reduziu drasticamente os indicadores criminais, entre outras ações, ao reforçar investimentos e metodologias no setor.


 


Inocência reforçada


O inquérito específico da morte de Dionísio de Aquino Severo correu à parte da apuração do assassinato do prefeito Celso Daniel, mas é provável que, quando liberado do segredo de Justiça que o amarra à completa discrição policial, poderá ser anexado ao processo que corre em Itapecerica da Serra para reforçar a defesa de Sérgio Gomes.


 


Juntar as duas peças é questão vital para que a morte do prefeito de Santo André seja definitivamente retirada de qualquer cubículo de desconfiança que envolva Sérgio Gomes da Silva, considerado vítima nos inquéritos policiais mas denunciado pelo Ministério Público como mandante do crime entre outras razões por causa da suposta ligação com Dionísio de Aquino Severo.


 


Sequestrador e assassino de alta periculosidade, Dionísio de Aquino Severo foi morto pouco tempo depois de Celso Daniel baixar ao túmulo. Preso em Alagoas após fuga espetacular do presídio de Guarulhos, estranhamente ele foi transferido da cadeia de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, para o Cadeião do Bairro Belém, na Capital.


 


A Polícia dispõe de grampos telefônicos que confirmam a versão de que Dionísio foi assassinado por presidiários porque integrava o CRDB (Comando Revolucionário Democrático Brasileiro), facção criminosa adversária do predominante PCC (Primeiro Comando da Capital). Logo depois do assassinato, apareceu em cena o delegado Romeu Tuma Júnior com a versão de que Severo Aquino lhe teria afirmado informalmente participação no sequestro de Celso Daniel.


 


Tuminha, adversário do PT, era delegado-titular da Seccional da Polícia Civil de Taboão da Serra. A versão é rebatida pelos policiais do DHPP. Dionísio inventou a relação com o caso Celso Daniel para tentar evitar esfaqueamento que o matou.


 


Os delegados do DHPP que comandaram o primeiro inquérito para apurar a morte de Celso Daniel não levaram a sério a suposta participação de Dionísio de Aquino Severo e de Aílton Feitosa. Eles reuniram provas suficientes de que a ação que culminou no assassinato do prefeito de Santo André foi idealizada e executada por bando de criminosos da Favela Pantanal, em Diadema, cujas condições cognitivas os colocavam no que definiu o delegado Armando de Oliveira Costa em situação "limítrofe".


 


Os sequestradores miravam um comerciante do Ceagesp, na Capital, mas alteraram planos após deixarem escapar o veículo previamente programado para arrebatamento. Optaram pelo primeiro importado que aparecesse. Era a Pajero de Sérgio Gomes.


 


Tanto nas apurações da Polícia Civil como da Polícia Federal, em 2002, que contaram com força-tarefa de 10 delegados e 32 investigadores, Dionísio de Aquino Severo jamais teve qualquer vínculo com os sequestradores de Celso Daniel. Grampos telefônicos que nortearam investigações e prisões não detectaram também qualquer relação entre os bandidos e o Paço Municipal de Santo André. Houve indícios de possíveis irregularidades administrativas, o chamado caixa dois, em diálogos trocados entre integrantes do governo municipal.


 


Para o Ministério Público e os irmãos de Celso Daniel, João Francisco e Bruno José, o suposto esquema de propinas teria desencadeado a morte do prefeito. A versão não se sustenta. LivreMercado revelou ao longo da cobertura mais detalhada da mídia nacional que as denúncias configuraram cipoal de contradições dos acusadores e, também, contra-senso em relação ao chamado mensalão.


 


Tese absurda


O que acabou prevalecendo como informação à mídia e que por isso mesmo contribuiu para a condenação pública de Sérgio Gomes da Silva é a história de que o sequestrador Dionísio de Aquino Severo teria tido relacionamento de namoro com a mulher de Sérgio Gomes da Silva e, inclusive, teria trabalhado como segurança do prefeito Celso Daniel. Por isso Sérgio Gomes o teria contratado para a operação. Uma tese que advogados do empresário bombardeiam por considerá-la tão inverossímil quanto estapafúrdia.


 


A delegada Elisabete Sato, em novo inquérito policial que se estendeu durante 14 meses, entre julho do ano passado e setembro de 2006, também não constatou qualquer relação de Dionísio de Aquino Severo com o caso Celso Daniel. Foram ouvidos familiares do sequestrador e os próprios bandidos que participaram da operação, presos na sequência das investigações em 2002. Por duas vezes o bando de sequestradores passou por acareação com membros da espetaculosa CPI dos Bingos, senadores Eduardo Suplicy e Magno Malta à frente. O resultado foi o mesmo dos inquéritos policiais: os bandidos jamais tiveram qualquer relação com Sérgio Gomes da Silva.


 


Em entrevista à LivreMercado de novembro de 2005, o delegado Armando de Oliveira Costa afirmou que as diferenças entre as duas facções criminosas que atuam em São Paulo, o PCC e o CRDB, eliminam qualquer possibilidade de aproximação entre Dionísio de Aquino Severo e o bando que atacou Celso Daniel e Sérgio Gomes da Silva. "Sapo não anda com cobra" -- metaforizou o policial de 30 anos de experiência e que dirige o DHPP.


 


Apesar de tudo isso, foi a suposta proximidade com Dionísio de Aquino Severo que levou Sérgio Gomes da Silva à prisão. Ele foi denunciado pelos promotores criminais de Santo André na sequência de martelar ininterrupto de acusações. Jornais, revistas, sítios de Internet e emissoras de rádio e televisão viraram caixas de ressonância da artificialização de ambiente de "clamor popular" que levou o juiz de Itapecerica da Serra, Luiz Fernando Migliori, a decretar prisão preventiva.


 


Nem mesmo a mudança na cúpula da Polícia Civil de São Paulo, por causa da posse do governador José Serra, deverá atrapalhar o anúncio da conclusão do inquérito da morte de Dionísio de Aquino Severo. O caso Celso Daniel chegará ao quinto aniversário com mais um lance que descaracteriza suposto crime de mando. Uma decepção para quem acredita que celebridades não podem morrer de morte comum. Um desastre para quem, como Sérgio Gomes da Silva, vive espécie de segundo assassinato.


 


A massificação da versão de que participou do sequestro seguido de execução o torna proscrito da sociedade. Uma situação muito mais delicada que o caso Escola Base, consagrado clássico de sensacionalismo da mídia nacional a partir de precipitação de autoridades policiais e cujas vítimas, os diretores da instituição, vêm sendo sistematicamente ressarcidas financeiramente em decisões judiciais em diversas instâncias. 


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