Caso Celso Daniel

Crime esclarecido,
prefeito esquecido

DANIEL LIMA - 05/02/2007

A família não se manifestou. O Paço Municipal acompanhou em petit comité uma missa coletiva na Igreja do Carmo, em Santo André. A mídia, como num passe de mágica, simplesmente ignorou. O quinto aniversário da morte do prefeito Celso Daniel, assassinado por sequestradores da periferia de São Paulo em 20 de janeiro de 2002, sintetiza o conceito de informação que rege a maioria dos veículos de comunicação nestes tempos de espetacularização. Celso Daniel já não dá mais Ibope, depois de o crime mais uma vez ser confirmado como de ocasião, sem, portanto, o glamour dos grandes épicos policiais. 


 


A confirmação da obra maquiavélica de supostos parceiros de travessuras financeiras na Prefeitura de Santo André era um enredo mais ao gosto dos especuladores e oportunistas, mal-acostumados com tramas telenovelescas que esquadrinham personagens de acordo com o gosto da freguesia e os interesses mercadológicos de audiência.


 


Enquanto se constituía versão de interesses político-partidários com potencialidade de influir resultados eleitorais, o cadáver de Celso Daniel permeou a data que traumatizou o Brasil, quando o corpo comprido e atlético do então prefeito de Santo André apareceu em tomadas aéreas inicialmente distantes no chão de terra batida de Juquitiba, na Região Metropolitana de São Paulo.


 


A mesma estradinha que nos primeiros tempos reverenciava respeitosamente a memória do prefeito com uma cruz de madeira e a inscrição rudimentar do nome do petista reserva agora identificação semelhante pintada num poste. A cruz de madeira, de simbologia religiosa muito mais comovente, provavelmente virou material de construção de barraco naquela que é uma das áreas mais pobres da Grande São Paulo.


 


Foi uma comoção nacional naquele janeiro de 2002 a notícia do assassinato do homem que coordenaria o programa de governo do presidenciável Lula da Silva. Mais de 100 mil pessoas acompanharam o enterro, na maior manifestação coletiva da história do Grande ABC. Celso Daniel seria ministro do Planejamento do governo Lula da Silva e, na sequência esperada, concorreria ao governo do Estado de São Paulo. A fama de planejador e visionário rompera os limites sempre provincianos do Grande ABC.


 


Esquecimento


Naquela segunda-feira, 21 de janeiro de 2002, Celso Daniel baixou ao túmulo do Cemitério de Vila Assunção reverenciado pela multidão. Situação bem diferente do 20 de janeiro passado. Celso Daniel, dono do maior legado público de regionalidade que o Grande ABC divisionista já conheceu, virou definitivamente passado. Pelo menos até que algum dado novo retome a cansada e desmoralizada encenação de que o crime investigado e confirmado como ocasional por diferentes equipes policiais, do Estado e também federais, teria alguma relação com suposto esquema de propina na Prefeitura de Santo André.


 


O desinteresse inclusive dos familiares mais engajados da família Daniel pela memória de Celso Daniel no último 20 de janeiro está estreitamente relacionado com o desfecho do caso na área policial. A versão de que o então prefeito de Santo André foi assassinado por motivações político-administrativas, levantada já em 2002 por João Francisco Daniel e abraçada pelo Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional de Combate e Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público em Santo André se comprovou barrigada condenatória.


 


Tanto João Francisco quanto Bruno José Daniel Filho, empenhadíssimos em manter o caso Celso Daniel nas manchetes, mesmo que ao preço da cristalização da versão de que também participava do suposto esquema de propina, desapareceram no último 20 de janeiro. Bruno Daniel, mulher e filhos estão na Europa, depois de denunciarem no ano passado uma jamais comprovada ameaça de morte. João Francisco estaria em algum lugar do País.


 


A tropicalíssima Salvador constaria dos endereços preferidos do homem que os petistas acusam de ter frequentado o Paço Municipal nos tempos do irmão prefeito exclusivamente como lobista da família Gabrilli, clã detentor de importantíssimo naco do sistema de transporte coletivo em Santo André, eixo de interesses sobre o qual o irmão mais velho de Celso Daniel teria de fato se interessado como denunciante e anexador do assassinato ao suposto caso de propinas.


 


A apresentação do relatório da delegada Elisabete Sato, em dezembro último, foi devastadora à tese de crime de encomenda que envolveria o primeiro-amigo Sérgio Gomes da Silva. Depois de 14 meses de investigações determinadas pela Secretaria de Segurança Pública, a delegada descartou a conclusão dos promotores criminais de Santo André, com os quais, até então, mantinha proximidade que parecia encaminhar-se para o consenso de que o sequestro seguido de morte de Celso Daniel teria mesmo sido obra engendrada fora da casualidade exaustivamente confirmada pelos próprios bandidos presos pela Polícia Civil de São Paulo em tempo recorde, ainda em 2002. Mais tarde, repetiram-se os depoimentos dos sequestradores em duas acareações da CPI dos Bingos, senador Eduardo Suplicy à frente e aliado dos promotores criminais.


 


Fim do show?


Aparentemente, acabou o show midiático abastecido pelo Ministério Público de que Sérgio Gomes da Silva era o grande vilão de uma operação de genoma mais complexo, que envolveria outros mandantes de uma rede de corrupção na Prefeitura de Santo André da qual, inicialmente vítima, Celso Daniel tornou-se disciplinado participante. Por isso, o quinto aniversário da morte de Celso Daniel foi simplesmente esquecido por jornais, emissoras de rádio e televisão. Nem mesmo os sites de Internet se ocuparam do caso.


Nada surpreendente, porque a notícia exclusiva de LivreMercado, repassada para toda mídia através da newsletter LivreMercadoOnLine, de que a morte do sequestrador Dionísio de Aquino Severo foi mesmo ação do PCC (Primeiro Comando da Capital), sem qualquer relação com o caso Celso Daniel, simplesmente ganhou a lata do lixo.


 


Dionísio foi peça-chave da interpretação acusatória do Ministério Público na denúncia que culminou na prisão preventiva de Sérgio Gomes da Silva. O inquérito policial, à parte do caso Celso Daniel, simplesmente remete a apuração do Ministério Público para a linha de fogo do esvaziamento investigativo, como fizera anteriormente o trabalho de 10 delegados e 32 investigadores da Polícia Civil paulista que atuaram no primeiro inquérito, em 2002. E também a investigação da Polícia Federal em período semelhante.


 


Entregar o caso Celso Daniel ao esquecimento é a forma com que espertamente a mídia procurará livrar-se de indesejável e muito mais abrasivo ônus que o emblemático caso da Escola Base, cujos proprietários, afoitamente condenados por autoridades policiais, promotores criminais e Imprensa, encontram em indenizações financeiras automáticas decididas pela Justiça consolo para danos morais e financeiros. Denunciado pelo Ministério Público e preso preventivamente durante oito meses por decisão do juiz de Itapecerica da Serra, local onde o corpo de Celso Daniel foi encontrado, o empresário Sérgio Gomes da Silva vive acuado. Raramente é visto em público.  


 


 


Outra história


Não era exatamente assim que a mídia sempre interessada em desgraça gostaria que fosse o enredo do internamento hospitalar de Sérgio Gomes da Silva no final do mês passado. O vazamento da informação de que Sérgio Gomes estava internado no Hospital Santa Catarina, na Capital, provocou corre-corre de jornalistas. Mas perdeu fluxo quando a assessoria de Imprensa do hospital anunciou que o primeiro-amigo de Celso Daniel foi vítima de princípio de enfarte. É claro que o impacto foi reduzido. Esperava-se, no contexto de demonização de que Sérgio Gomes é alvo há cinco anos, que ele tivesse participado de algum incidente que corroborasse com a tese de que é violento.


 


Pelo menos até segunda-feira, 5 de fevereiro, data de fechamento desta edição, Sérgio Gomes continuava na UTI. Seu quadro era estável. Foi a segunda vez que o coração o derrubou. A primeira ocorreu durante o período em que o corpo de Celso Daniel foi encontrado em Juquitiba, até o dia seguinte ao enterro. Sérgio Gomes, 50 anos, praticante regular de esporte durante muitos anos, vive o que poderia ser chamado de trauma psicológico pós-18 de janeiro de 2002. Proscrito social, perdeu convívio com amigos e familiares.


 


A volta do caso Celso Daniel à mídia, a reboque da saúde debilitada de Sérgio Gomes, mostrou seletividade da memória e da disposição jornalísticas. Sérgio Gomes foi reapresentado insistentemente aos leitores e ouvintes como mandante do assassinato do prefeito, conforme assim decidiram promotores criminais de Santo André, não como vítima, como investigaram e concluíram dois inquéritos da Polícia Civil de São Paulo e um da Polícia Federal.


 


O que poderia ter interessado à mídia neste início de ano, acabou esquecido. A informação exclusiva de LivreMercado de que o sequestrador Dionísio de Aquino Severo não teve participação alguma no sequestro de Celso Daniel, conforme concluiu inquérito específico do caso, ainda em segredo de Justiça, foi simplesmente ignorada. Dionísio Severo morreu depois de recapturado algum tempo após ter fugido de helicóptero da Penitenciária de Guarulhos no dia anterior ao sequestro de Celso Daniel.


 


O então delegado seccional de Taboão da Serra, Romeu Tuma Júnior, estranhamente introduziu o bandido no enredo e, mais estranhamente ainda, permitiu que Dionísio fosse transferido para a cadeia do Belém, onde, líder de facção rival do PCC (Primeiro Comando da Capital), acabou assassinado. No depoimento formal ao então delegado seccional, Dionísio Severo praticamente ignorou o caso Celso Daniel até que, numa abrupta manobra nas últimas linhas do material, sugeriu-se tênue envolvimento.


 


As várias conclusões policiais de que Sérgio Gomes da Silva é inocente caminham na mesma raia do perigo de, levado ao Tribunal do Júri, acabar condenado entre outros motivos porque a mídia não admite gesto de humildade nem se reconhece equivocada na perseguição de um inocente.


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