O Ministério Público de Santo André desistiu de uma testemunha apontada como importante no processo de investigação que determinou a prisão preventiva do empresário Sérgio Gomes, acusado de ter encomendado o sequestro e a morte do prefeito Celso Daniel, em janeiro de 2002. O recuo reforça as investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal que constataram em três inquéritos que Celso Daniel foi vítima de sete sequestradores pés-de-chinelo sem qualquer relação com o suposto esquema de propinas na Prefeitura de Santo André.
O que teria levado os promotores criminais de Santo André a deixarem de lado uma testemunha que consideravam importantíssima para a elucidação do caso a ponto de reservar para ela, uma mulher com identidade sob segredo de justiça, para suas duas filhas e uma neta, programas de proteção a testemunhas?
Os advogados de Sérgio Gomes preferiram não responder à pergunta, mas tomaram providência inusitada em ações penais: arrolaram a testemunha de acusação desprezada pelo MP como testemunha de defesa. Isso mesmo: a mesma mulher que o MP sobrevalorizou no passado e que em seguida descartou consta da relação de defensores preparada pelo escritório de advocacia de Roberto Podval.
Uma explicação mais que provável para o procedimento do Ministério Público é o perfil da testemunha: ela mentiu o tempo todo nos depoimentos que prestou à Polícia Civil, à Polícia Federal e ao MP na sequência dos acontecimentos em 2002.
Numa corrida maluca em busca de um enredo, a testemunha adaptou versões de acordo com os acontecimentos divulgados pela mídia. Mentiu tanto que caiu nas próprias contradições. Daí a conclusão de que o MP poderia se ver em maus lençóis se estendesse a participação da testemunha à tomada oficial de depoimentos na Justiça.
A testemunha em questão ajudou a preparar o caldo de criminalização de Sérgio Gomes, em liberdade desde julho de 2004 por conta de habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. Ele ficou mais de oito meses na prisão, a partir de dezembro de 2003, ponto máximo de uma cronologia de informações que o colocaram como um dos mandantes do crime na versão do MP.
Os demais supostos mandantes jamais foram identificados e denunciados, embora os promotores criminais insinuassem que se tratava do empresário Ronan Maria Pinto e do ex-secretário municipal da Prefeitura de Santo André, o professor universitário Klinger Sousa, acusados juntamente com Sérgio Gomes de organizarem o caixa dois do PT.
A mulher que conquistou a confiança do Ministério Público e que passou mais de um ano sob cuidados especiais de programas de proteção de testemunhas ameaçadas é conhecida nos meios policiais pelo codinome de “Maria Louca”. Juntá-la à relação de testemunhas de defesa da qual fazem parte também três delegados de Polícia Civil e um delegado de Polícia Federal que atuaram no caso Celso Daniel pode ser uma tentativa de os defensores de Sérgio Gomes desclassificarem a versão de crime de encomenda.
A fragilidade testemunhal de “Maria Louca”, vista como um poço de contradições e invencionices, seria um dos contragolpes da defesa contra a estratégia-chave do Ministério Público que durante toda a fase de investigação e denúncia procurou desqualificar o primeiro-amigo de Celso Daniel ao correlacionar o sequestro seguido de assassinato e o suposto esquema de propina na Prefeitura de Santo André, versão bombardeada pelas investigações policiais inclusive com grampo legal de telefones de boa parte dos principais envolvidos direta e indiretamente no caso.
Drible na vigilância
“Maria Louca” driblou a vigilância investigativa dos promotores públicos de Santo André que ainda sustentam acusação contra Sérgio Gomes. Entretanto, não passou pelo crivo de experiência do delegado Armando de Oliveira, do DHPP, na Capital. Na semana seguinte ao assassinato do prefeito Celso Daniel, “Maria Louca” procurou um delegado de polícia de Diadema para relatar testemunho de supostos fatos que colaborariam para a elucidação do crime. O delegado Mitiaki Yamamoto a encaminhou ao DHPP, onde Armando de Oliveira comandava as investigações.
Um documento de 12 de junho de 2002, assinado pelo delegado do DHPP, respondia da seguinte forma à solicitação do promotor de Justiça de Itapecerica da Serra, Salmo Mohmari dos Santos Júnior, que requereu o material do inquérito policial para encaminhamento ao juiz de Direito da 1ª Vara daquele Município da Grande São Paulo: “Conforme solicitação de Vossa Senhoria encaminho cópia do Termo de Depoimento de (menciona o nome completo de “Maria Louca”) que não foi juntado aos autos originais por não guardar relação de veracidade, sendo que a referida testemunha costumeiramente comparece na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa relatando fatos desconexos”.
Para que se compreenda o tamanho do equívoco em que se meteu o Ministério Público é indispensável a contextualização dos fatos. A resposta do delegado Armando de Oliveira ao MP de Itapecerica da Serra, em junho de 2002, coincidia com a fase de criminalização de Sérgio Gomes por parte dos promotores públicos de Santo André, municiados por denúncias principalmente dos irmãos de Celso Daniel de que haveria relação entre a morte e o suposto esquema de propina na Prefeitura. Tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Federal encerraram em abril os inquéritos do caso Celso Daniel ao garantirem que se tratou de crime comum.
Uma leitura atenta do inquérito solicitado pelo MP ao delegado do DHPP é suficiente para iniciar a fase de desmascaramento da ópera bufa que colocou “Maria Louca” como uma das protagonistas de acusação a Sérgio Gomes. Exatamente no dia 30 de janeiro de 2002, portanto 10 dias após a morte de Celso Daniel, “Maria Louca” compareceu ao DHPP e prestou depoimento cujos principais trechos são os seguintes:
Indagada dos motivos que a trouxeram nesta especializada, a depoente informa que na noite de ontem, por volta das 20h, teve necessidade de sair de sua residência para efetuar uma ligação telefônica em um orelhão situado na Rua José Ramos Teixeira (…); que pôde notar, ao se aproximar do aparelho, que ali existiam quatro pessoas, sendo três homens e uma mulher; que tais pessoas estavam com um aparelho telefônico particular ligado na linha telefônica do orelhão, utilizando-se do mesmo (…); que indagada da conversa que ouviu naquela oportunidade narrou que se encontrava aproximadamente a uma distância de no máximo dois metros destas quatro pessoas (…); que tais pessoas diziam para o interlocutor as seguintes frases: “que o prefeito Celso Daniel havia ficado em um cativeiro no Bairro do Guacuri até a madrugada de sábado; que saindo do cativeiro, passaram em uma biquinha com ele; que a Blazer foi queimada antes do assassinato do prefeito; que o alvo (do sequestro) não era o prefeito Celso Daniel e sim o empresário Sérgio Gomes, e que também só mataram o prefeito para não deixar pistas (…)”.
O depoimento de “Maria Louca” ao delegado do DHPP foi prestado num contexto em que toda a mídia divulgava detalhes do assassinato de Celso Daniel, mas não se tinha a identidade de possíveis suspeitos. Por isso, “Maria Louca” não menciona o nome de qualquer um dos bandidos. Mais que isso: coloca claramente Sérgio Gomes na situação de possível vítima dos sequestradores, traduzindo o diálogo que afirma ter ouvido.
Depoimento alterado
A narrativa do final de janeiro de “Maria Louca” foi completamente alterada três meses e meio depois, em 20 de abril de 2002, quando, também a pedido do MP de Itapecerica da Serra, a testemunha alardeada como preciosa prestou depoimento ao delegado Hermes Rubens Siviero Júnior, na Polícia Federal de São Paulo, um dos homens destacados pelo governo Fernando Henrique Cardoso para proceder às investigações solicitadas pelo PT.
O caso Celso Daniel já estava praticamente apurado pelas forças policiais, tanto estaduais quanto federais, os nomes dos sequestradores já detidos eram de conhecimento público e as primeiras versões de que Sérgio Gomes poderia ser o mandante começaram a invadir jornais e programas de TV. Os trechos principais do depoimento de “Maria Louca” ao delegado da Polícia Federal que, mais tarde, também passou a constar da lista de testemunhas de defesa de Sérgio Gomes:
(…) que involuntariamente passou a escutar o diálogo proferido ao telefone por um dos referidos homens, que não conhece, o qual falava a respeito da morte do prefeito Celso Daniel; que eles falavam que o cativeiro ficava na Favela Guacuri, em Diadema; que o menor é quem tinha tocado fogo na Blazer e que eles só tinham tirado o prefeito do cativeiro na madrugada de sábado para domingo, quando tinham levado o prefeito para assassinar; que, ao telefone eles falavam que não era o prefeito mas sim empresário (que seria sequestrado), tentando disfarçar que não era o prefeito (que seria sequestrado); que, diziam também, que quando eles tiraram o prefeito do cativeiro da Favela Pantanal eles ainda passaram na biquinha (…); que, assim que se encerrou a conversa, os três homens e a mulher vieram para cima da declarante e disseram em tom de ameaça: “você não sabe de nada, você não ouviu nada”; que, ao ouvir o início da conversa não se afastou de imediato por ter ficado com medo de eles acharem que a declarante iria avisar a polícia e que eles atirariam na declarante naquele momento (…); que a declarante dirigiu-se para sua casa que fica localizada em um declive em relação ao nível da rua; que ao descer as escadas entrou em casa e apanhou algumas roupas que precisavam ser lavadas, saiu no quintal e começou a esfregá-las no tanque, momento em que as pessoas de Eduardo e Ivan desceram as escadas e se dirigiram à entrada da casa vizinha à da declarante onde morava uma moça chamada Nice, a qual namorava Eduardo e guardava uma arma para o mesmo; que neste momento Ivan e Eduardo iniciam um diálogo no qual o primeiro afirma que o empresário Sérgio Gomes teria pagado a ele para assassinar o prefeito Celso Daniel porque o empresário havia desviado um dinheiro da Prefeitura e Celso Daniel não aceitaria, e para calar o prefeito o empresário pagou para matá-lo; que o Ivan falou que ele, Sérgio Gomes, pagou uma boa grana; que Ivan falou para o Eduardo que Sérgio Gomes teria passado todo o trajeto, o restaurante onde iam jantar, o horário que ele iria chegar lá e o horário que ele iria sair; que se um deles fosse preso era para eles dizerem que era o empresário (que seria sequestrado), não era para falar que era o Celso Daniel (que seria sequestrado), para não sobrar nenhuma suspeita para o empresário Sérgio Gomes; que dizia Ivan que foi o empresário que destravou as portas da Pajero e que quem arrancou o Celso Daniel de dentro da Pajero foi o Itamar — relata o inquérito da Polícia Federal.
Terceiro depoimento
O documento que coloca “Maria Louca” mais próxima ainda da acusação a Sérgio Gomes data de 17 de setembro de 2002, quando foi ouvida pelos promotores criminais José Carlos Blat, Amaro José Thomé Filho, Roberto Wider Filho e José Reinaldo Guimarães Carneiro. “Maria Louca” foi encaminhada ao Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado) pelo delegado de Polícia Federal Hermes Rubens Siviero Júnior, um dos policiais que, mais tarde, acabou arrolado como testemunha de defesa de Sérgio Gomes.
A recuperação do depoimento de “Maria Louca” coloca mais tempero no vatapá de especulações sobre a motivação de o Ministério Público ter desistido de incluí-la na ação penal. Alguns dos principais trechos do documento seriam extremamente relevantes para a ação penal contra Sérgio Gomes se provavelmente não se constituíssem em fantasia:
No início de abril, em data que a declarante não sabe precisar, por volta das 18h, foi procurada na porta da residência por um senhor desconhecido que trajava terno verde claro, bem vestido, cabelos lisos castanhos escuros e curtos. Ele estava em uma Parati preta, sozinho. Chamava a atenção da declarante que o veículo não tinha a placa da frente e a de trás estava coberta por uma fita escura. A declarante perguntou que tipo de assunto era esse sobre o qual a pessoa pretendia comprar o seu silêncio e recebeu como resposta que era a questão do “assassinato de Santo André”. Respondeu então à pessoa que não faria isso em hipótese alguma. O senhor insistiu, inclusive convidou a declarante para jantar no Restaurante Leão de Ouro, que, segundo o seu interlocutor, estaria situado nas imediações da Rodovia Anchieta. A declarante voltou a recusar a proposta, com o que a pessoa se retirou. Uma semana depois, na esquina da sua casa, a declarante voltou a ser abordada por essa pessoa, que estava sozinha novamente, de terno e gravata, de cor bege escuro, desta vez com um cheque nas mãos para a depoente “descontar e sumir”. Nova recusa da declarante, seguida agora de uma ameaça clara. Se ela não aceitasse a proposta, iria morrer.
E segue o depoimento de “Maria Louca” ao MP:
Três ou quatro dias mais tarde após este último contato, novamente na Parati preta a pessoa volta a procurar a declarante, desta feita acompanhada da pessoa conhecida como “Cara de Gato”, o último armado. A pessoa, como sempre, demonstrava alguma preocupação, olhava para os lados quase o tempo todo e desta vez tentou convencer a declarante a entrar no veículo, inclusive na presença de outras pessoas no local, no que foi novamente recusado. A declarante, que já havia procurado auxílio da Polícia Federal para se proteger sobre esses encontros, tentou negociar com a pessoa para que ela comparecesse no dia seguinte, porém isso não deu certo. “Uma semana após esse terceiro contato, a pessoa voltou a procurar a declarante, agora em outro veículo cujas características a declarante não sabe declinar. Somente lembra-se da cor vermelha, acompanhado de uma mulher, aparentemente alta, de cor clara e cabelos escuros. Desta vez, ele estava agressivo, partiu para a agressão pessoal à declarante, tendo segurado no braço direito dela. A declarante se desvencilhou, oportunidade que o interlocutor disse que isso era só um começo e a declarante teria 24 horas para sumir. Ato contínuo fechou uma das mãos e desferiu-lhe um soco que atingiu o lado esquerdo de seu rosto, lesionando-a, novamente acompanhado por testemunhas. Tal pessoa permaneceu desconhecida da declarante até que em um dia de agosto, quando a declarante assistia ao programa de Boris Casoy na televisão, acompanhando imagens sobre a CPI de Santo André, viu um repórter entrevistando o seu agressor e pôde então identificá-lo com absoluta certeza e convicção. Tratava-se de Sérgio Gomes. (…) Sobre as lesões praticadas pelo agressor a declarante não se submeteu a exame de corpo de delito porque no mesmo dia foi incluída no programa estadual de proteção às testemunhas, embora ficasse com hematoma na região atingida, fato que foi presenciado pelos policiais federais que ela foi procurar com seu pedido de socorro — relatou “Maria Louca”.
Contradições e incongruências
O depoimento de “Maria Louca” é um apanhado de contradições e incongruências. Somente se admitiria o histórico de perseguição se Sérgio Gomes fosse uma associação perfeita de idiotice e patetice. Ninguém foi mais vigiado e investigado pela Polícia Civil de São Paulo após o assassinato. Durante mais de dois meses, a pretexto de lhe dar segurança, uma equipe de policiais chefiada pela delegada Elisabete Sato acompanhou todos os passos de Sérgio Gomes.
Afinal, uma das veredas investigativas era a possibilidade de o empresário ter colaborado com os sequestradores por causa de supostos desvios administrativos na Prefeitura de Santo André. Sérgio Gomes seria extraordinariamente desastrado se cometesse a imprudência de se dirigir em três datas diferentes e sequenciais à favela onde residia “Maria Louca” na tentativa de cooptá-la num primeiro instante e ameaçá-la de morte depois. Mais ainda: “Cara de Gato” é um dos codinomes de um dos sequestradores de Celso Daniel. Imaginar Sérgio Gomes em companhia de um dos algozes de Celso Daniel e, mais que isso, tê-lo como companhia numa investida contra suposta testemunha do caso, foge completamente à fama de homem discreto.
Quando abril de 2002 chegou e tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Federal chegaram à conclusão de que o crime não fugia do enredo que dominava a Grande São Paulo naquele período de sequestros incontroláveis, a constatação de que Sérgio Gomes também fora vítima dos bandidos aparentemente encerrava o caso. Nada mais equivocado: o Ministério Público resolveu reabrir as investigações tendo por base, entre supostos indícios, o depoimento de “Maria Louca”.
“Maria Louca” sofreria de síndrome de notoriedade restrita. Apresenta-se como testemunha ou vítima em casos de repercussão na mídia. Em resumo, “Maria Louca” seria uma versão criminal do “Beijoqueiro”, personagem folclórico que sempre encontrava alternativa para roubar a cena em eventos públicos de celebridades. Nascido em Portugal, José Alves de Moura tornou-se “Beijoqueiro” após uma apresentação do cantor Frank Sinatra no Brasil. Com o Maracanã lotado, em 26 de janeiro de 1980, ele subiu ao palco e beijou o cantor depois de driblar todo o esquema de segurança.
“Beijoqueiro” acabou em 1992 virando personagem de um documentário preparado pelo cineasta Carlos Aziz Nader. Seis meses depois de chegar até Frank Sinatra, “Beijoqueiro” fez outra vítima: o Papa João Paulo II, que veio ao Brasil. “Beijoqueiro” virou até personagem de revistas em quadrinhos de Zé Carioca, de Walt Disney. As últimas informações o colocam como interno de hospital psiquiátrico, entre outros motivos porque não suportaria mais o anonimato de uma mídia que se cansou de suas peripécias e do peso das medidas de segurança que praticamente inviabilizaram as investidas. “Beijoqueiro” teria sido agredido por seguranças do Vasco da Gama no mês passado, quando pretendia invadir o gramado do Maracanã para beijar um Romário prestes a completar mil gols.
Exclusividade, a explicação
Os promotores criminais de Santo André foram ouvidos mais uma vez por LivreMercado e demonstraram a contundência de sempre: desclassificam qualquer possibilidade de terem se equivocado na apuração do crime e lançam desconfianças sobre diferentes agentes que os contradizem, inclusive a própria revista. Em resposta a e-mail de LivreMercado, Amaro José Thomé Filho e Roberto Wider Filho atacam os três delegados da Polícia Civil e o delegado da Polícia Federal que constam da relação de testemunhas de Sérgio Gomes.
“É a primeira vez, após 20 anos de carreira, que vemos isso acontecer. Como já informamos anteriormente, mas a revista suprimiu esta informação dos leitores por interesses não confessados, é óbvio que a polícia tem um monopólio a defender, que é o da suposta exclusividade para desenvolver as investigações criminais. Isso significa dizer que sustentar o seu acerto na investigação, objetivando a preservação do autoproclamado monopólio, é muito mais importante para aqueles profissionais do que a apuração da verdade. É óbvio, portanto, e para constatar o óbvio basta um mínimo de raciocínio, atributo que a revista insiste em não ter, que os delegados de polícia jamais admitiriam que a investigação do Ministério Público foi mais eficiente que a sua. Este é apenas um dos critérios de aferição da qualidade e confiabilidade dos depoimentos colhidos na fase judicial “– afirmaram.
A disputa entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público pela titularidade de investigações criminais está no STF (Supremo Tribunal Federal), em votação suspensa. Faltam seis votos e o MP tem a vantagem de três a dois. A maioria dos constitucionalistas garante que compete à Polícia Judiciária o comando das investigações criminais. Os três inquéritos (dois da Polícia Civil e um da Polícia Federal) do caso Celso Daniel foram conduzidos pelos policiais e acompanhados pelo MP, inclusive o último, encerrado no final do ano passado pela delegada Elisabete Sato. O MP fez investigação autônoma e concluiu que Sérgio Gomes é um dos mandantes. Os demais jamais foram identificados.
Os promotores do Gaerco também responderam sobre o encerramento do inquérito que apurou a morte de Dionísio de Aquino Severo, bandido que fugiu de helicóptero da Penitenciária de Guarulhos um dia antes do sequestro de Celso Daniel. Embora ainda sob segredo de justiça, as investigações apuraram que Dionísio Severo não teve qualquer participação no caso Celso Daniel.
A conclusão colide frontalmente com a denúncia do MP contra Sérgio Gomes, em dezembro de 2003, o que contribuiu para a prisão preventiva do empresário. Dionísio foi, na versão do MP, peça-chave no sequestro do prefeito. A resposta dos promotores:
“Não somos os responsáveis pela apreciação daquela investigação e não estamos acompanhando quais as providências adotadas pelo promotor de Justiça natural do caso. De qualquer forma, para o sucesso da ação penal movida contra Sérgio Gomes e os demais algozes de Celso Daniel, é irrelevante saber qual de fato foi o motivo do assassinato de Dionísio” — garantiram.
Embora solicitados a dar informação, os promotores criminais de Santo André não informaram que desistiram do depoimento de “Maria Louca”, mas sim que ela é testemunha arrolada pela defesa de Sérgio Gomes, “por tal motivo não é de responsabilidade do Ministério Público sua manutenção sob o regime de proteção especial, e isso já foi comunicado ao Programa Especial que cuida do assunto”. E completaram: “Todos os depoimentos colhidos nos autos da ação penal devem ser considerados como fonte de prova. Sua qualidade, entretanto, será aferida de acordo com os critérios sempre adotados para as análises técnicas e jurídicas”.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP