Entrevista Especial

Comandante da saúde da Província
quer transparência no Mário Covas

DANIEL LIMA - 16/01/2012

Numa longa, detalhada e riquíssima Entrevista Especial a esta revista digital, o comandante da saúde da Província do Grande ABC, Arthur Chioro, coloca em xeque o equipamento público mais festejado da região: o Hospital Mário Covas. Titular da Secretaria de Saúde de São Bernardo, do Grupo de Saúde do Clube dos Prefeitos e do Conselho Estadual dos Secretários de Saúde do Estado de São Paulo, Arthur Chioro afirma que há unanimidade de que o Hospital Mário Covas e também o Hospital Serraria, em Diadema, sob o controle do governo do Estado, não estão adequados ao perfil assistencial da Província.
 
“Ao mesmo tempo em que é reconhecido como um hospital de muita qualidade, há uma visão unânime dos sete secretários municipais de saúde de que nossos mais graves problemas estão exatamente na inadequação do perfil assistencial do Hospital Mário Covas e do Hospital Estadual de Diadema (Serraria) às necessidades regionais. E também a não submissão desses dois hospitais à regulação pública que possa garantir que o acesso dos usuários seja efetuado a partir de critérios de necessidade pactuados entre os gestores municipais e a Secretaria Estadual de Saúde" -- afirmou o dirigente que já atuou no Ministério da Saúde.
 
Para Arthur Chioro, sem visão regional jamais será possível constituir sistema de saúde eficiência na Província do Grande ABC. "Fica faltando a argamassa, a conexão que permite integrar e harmonizar interesses e necessidades locorregionais. Esse papel deveria ser cumprido pela Diretoria Regional de Saúde, do governo estadual, mas infelizmente não o é. Na prática essa tarefa tem sido feita pelo GT-Saúde do Consórcio. O governo do Estado tomou há anos uma decisão profundamente equivocada. Fundiu os escritórios regionais que mantinha na Grande São Paulo e responsável por 39 municípios, sete diferentes regiões de saúde e cerca de 50% da população do Estado de São Paulo" – enfatiza Chioro.
 
Veja a entrevista completa:

 

Na 14ª Conferência Nacional de Saúde, que ocorreu no início de dezembro, os Conselhos Municipais de Saúde votaram pelo fim do que chamam de terceirização da saúde - o repasse de equipamentos públicos para gerenciamento por entidades filantrópicas e OS (Organizações Sociais) privadas. Como o senhor vê essa questão, já que São Bernardo entrega cerca de 70% dos recursos em saúde à Fundação do ABC para que administre todos os hospitais municipais e vários dos serviços da área?

 

Arthur Chioro -- Mudar a forma como administramos e organizamos os serviços de saúde faz sentido se for para cuidar melhor das pessoas, para que vivam e envelheçam com mais saúde e qualidade de vida. A discussão do modelo de gestão em saúde não é secundária.  O modelo de Estado que ainda temos hoje é profundamente patrimonialista, clientelista e corporativista. Foi concebido pelo Decreto Lei 300 de 1967, implantado em plena Ditadura Militar, para atender interesses da elite que dirigia o país. Ou não é verdade que muitos serviços públicos na administração direta foram capturados pelo corporativismo e não atendem os interesses da população? Conheço vários - em administrações municipais, estaduais e federal - que não se colocam a serviço dos interesses da maioria dos trabalhadores e usuários, porque estão capturados por uma lógica perversa. Implantar os princípios do SUS (universalidade, integralidade e equidade) em toda a sua radicalidade exige ações responsáveis e ousadas. Temos de correr os riscos de experimentar o novo, porque não serão perdoados do gestor público a passividade, a inércia ou a vacilação frente a problemas tão essenciais como a saúde da população.

 

Nosso Município instituiu, em 1967, a Fundação do ABC, uma fundação pública de direito privado, em parceria com Santo André e São Caetano, inicialmente para manter a Faculdade de Medicina do ABC, mas que hoje administra uma extensa rede de serviços públicos no ABC e na Baixada Santista.

 

Em 2001, para que pudesse assumir o Hospital Estadual Mário Covas, a Fundação do ABC foi qualificada como Organização Social de Saúde pelo governo estadual. Isso, no entanto, não modificou a natureza jurídico-administrativa original da Fundação ABC, ou seja, continua sendo uma fundação pública de direito privado (ou fundação estatal). Entretanto, gestores municipais da região, equivocadamente, como foi o caso de William Dib em São Bernardo, passaram a ampliar a parceria com a Fundação do ABC desnecessariamente como OS. Claro que havia interesses pouco republicanos nessa modalidade de relacionamento.

 

Os desvios na área de assistência farmacêutica, segundo o Denasus, de 2002 a 2008, foram superiores a R$ 106 milhões. Só a economia que geramos, no início de 2009, quando fizemos a revisão dos contratos com os três hospitais, foi da ordem de R$ 77 milhões/ano, valor superior ao custo anual de cada hospital. Esse recurso foi utilizado para dar sustentabilidade econômica ao projeto de transformação do SUS em São Bernardo. São exemplos concretos do risco que a gestão por meio de OS pode acarretar.

 

Entretanto, logo nos primeiros meses da gestão do prefeito Luiz Marinho, tratamos de corrigir os rumos da relação entre a Prefeitura de São Bernardo e a Fundação do ABC. Após discussão e aprovação do Conselho Municipal de Saúde e da VI Conferência Municipal de Saúde, ainda em 2009, celebramos dois contratos de gestão e passamos a nos relacionar com a Fundação do ABC como nossa fundação estatal e não mais como OS.

 

Assim, a Fundação do ABC é um dispositivo de gestão importantíssimo para as transformações que estamos implementando em São Bernardo, por permitir gestão por meio da administração indireta, prevista no artigo 4o da Lei Federal 8.080/91, a Lei Orgânica da Saúde, que determina: "O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)".

 

Não há, portanto, conflito entre o modelo de gestão adotado pela Prefeitura de São Bernardo e a legislação que regulamenta o SUS. As conferências de saúde são deliberativas e definem diretrizes para a política de saúde, mas não podem ferir a Constituição e a legislação infraconstitucional do SUS.

 

Uma parcela do movimento de saúde, que chamo de vanguarda do atraso, presa a princípios ideológicos dogmáticos, assume uma posição retrógrada em defesa de gestão estatal exclusiva por meio da administração direta. Nega a importância do setor filantrópico (santas casas e outras instituições sem fins lucrativos) para o SUS e rotula a adoção de qualquer alternativa de gestão na administração pública indireta -- como fundações públicas, fundações estatais, autarquias, consórcios e empresas públicas -- como terceirização e privatização do SUS.

 

A novidade introduzida em 1998 pelo governo FHC é o que os demotucanos chamam de parceria e nós chamamos de terceirização, processo que se dá no campo da administração privada para assumir o lugar do público. É no campo privado que vamos encontrar modalidades mais escandalosas de terceirização, como as OS, as OSCIPs e as fundações privadas de direito privado, como a Fundação Zerbini. Neste último caso o nome é parecido com a da fundação estatal, mas atuam com regras absolutamente diferentes.

 

Além dessas modalidades, há os serviços privados, permitidos pela Constituição Federal, e que podem atuar em caráter complementar ao SUS, como os filantrópicos (as santas casas, as beneficências, etc.) e os serviços privados. Aliás, há um artigo da Constituição que diz que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.  Isto eu não inventei; está no artigo 199 da Constituição. Portanto, o SUS não foi criado como sistema estatal; é um sistema público que se articula com órgãos da administração direta e indireta no campo público e na administração indireta.

 

O que não é administração direta não está necessariamente no campo privado, embora se utilizem de mecanismos de gestão comuns à iniciativa privada. São modelos de gestão de natureza pública. Isso não é uma invenção de quem, como eu, defende a fundação estatal, mas formas legais de organização do Estado brasileiro.

 

No centro desse debate está a discussão sobre o Estado brasileiro e as políticas públicas, que têm sido mal conduzidas, sem permitir diálogo aberto e respeitoso. Parte-se do pressuposto de que todos que adotam determinada modalidade de gestão são privatistas, querem destruir o Estado brasileiro e afrontar direitos dos trabalhadores. Isso dificulta o diálogo necessário para lidar com um tema absolutamente desafiador, que está no centro do debate político atual. Temos de construir um sistema de saúde com legitimidade social e política, que seja um lugar de realização profissional para o conjunto dos trabalhadores da saúde e que, sobretudo, atenda aos interesses dos usuários, dos 192 milhões de brasileiros. E esse compromisso a Carta de Brasília, aprovada pelos delegados da XIV Conferência Nacional de Saúde, afirmou categoricamente.

 

 

Qual a vantagem entre um equipamento-SUS gerenciado diretamente pelo Município e por uma fundação privada, ainda que a FUABC tenha sido criada por São Bernardo, Santo André e São Caetano? Como se dá o acompanhamento da cidade em decisões de gerenciamento e investimentos feitos pela Fundação? São Bernardo vota e veta decisões no Conselho Curador da OS? Pode dar exemplos?

 

Arthur Chioro -- As vantagens são significativas. Só faz sentido mudar o modelo de gestão em saúde se for para garantir que a rede de serviços tenha qualidade, seja produtora de benefícios sociais, sem o risco de ser capturada pelo caráter lucrativo ou corporativo. A Fundação do ABC se relaciona com a Prefeitura de São Bernardo como uma fundação estatal, 100% pública, descentralizada e especializada. Todos os serviços de saúde administrados por meio dessa parceria são exclusivos para a prestação de serviços sociais à própria Prefeitura, sem fins lucrativos, com gestão contábil, de pessoal e regime de compras especial, típico das empresas estatais. A propriedade e a gestão são públicas. A finalidade e direção também são públicas. Os empregados são trabalhadores do setor público (admitidos por processo seletivo público), sem precarização, contratados pela CLT e com garantia de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.  Não possuem, entretanto, estabilidade própria dos cargos públicos, embora tenham garantia de emprego, pois não são demitidos sem justificativa e amplo direito de defesa.

 

Com a Fundação do ABC temos ampla autonomia gerencial, orçamentária, patrimonial e financeira concedida em função da definição de metas e prazos, critérios de avaliação, direitos e obrigações. Essa flexibilidade está pautada pela lei. Utilizamos o regime do Código Civil. A Fundação tem as receitas do contrato oriundas dos recursos do Tesouro Municipal e as transferidas pelo governo federal. Como não tem finalidade de lucro e atua a partir das necessidades do SUS, são vedadas receitas que não sejam universalizantes, como atendimentos a convênios e particulares.

 

O contrato de gestão define tanto a responsabilidade assistencial e gerencial da Fundação e de cada uma de suas unidades, como as responsabilidades da Prefeitura, da direção da Fundação, dos seus gerentes e das equipes de trabalhadores.

 

Com essa nova maneira de fazer gestão pública, em parceria com a Fundação do ABC passamos a exigir dedicação integral e qualificação do corpo diretivo, maior eficiência gerencial, modernização e profissionalização da direção executiva. Diminuímos o número de cargos de livre-provimento e instituímos blindagem maior contra a interferência política.

 

O regime financeiro é o da contabilidade das empresas estatais (Lei 6.404), mais simples, ágil e permite maior controle social. Temos maior previsibilidade, pois o cumprimento do Contrato de Gestão define os valores de repasse. Alterações nos valores só ocorrem mediante renegociação entre as partes, evitando descontrole e surpresas. A Fundação goza de imunidade tributária prevista na Constituição, resultando em significativa economia aos cofres municipais.

 

Outra vantagem é o sistema de compras, baseado na Lei federal 8.666, com a instituição de regime especial de compras de bens e serviços, observando as regras da licitação pública, mas instituindo outras modalidades de disputa pública, como pregão e consulta pública, com maior agilidade, eficiência e diminuição de custos.

 

A direção técnica dos hospitais é feita por professores indicados pela Congregação da Faculdade de Medicina, instituição de ensino qualificadíssima. A maioria dos médicos tem vinculação com atividades acadêmicas e de pesquisa. Nossa rede é utilizada como campo de formação de profissionais de saúde da área de graduação, pós-graduação e pesquisa, resultando em benefícios concretos em termos de qualidade da assistência prestada aos usuários. Uma honra e um privilégio para São Bernardo.

 

Tudo isso somado constrói uma governança mais ampla e estável, com participação da sociedade, profissionalização e qualificação da gestão. Permite orientar a gestão, a avaliação e os serviços em função de metas e resultados.

 

Fazer a gestão do SUS utilizando a Fundação do ABC como fundação estatal não implica em abandonar a administração direta. Diversas atividades são indelegáveis, ou seja, só podem ser realizadas sob responsabilidade direta do Estado. Exigem que a secretaria municipal de saúde passe por enorme esforço de qualificação e modernização, porque a Fundação não pode assumir atividades indelegáveis, típicas do Estado, como vigilância sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador, saúde ambiental, planejamento, definição de políticas, auditoria, gestão do fundo de saúde, supervisão e monitoramento do contrato de gestão com a Fundação do ABC. São atividades que implicam em poder de polícia sanitária. É o Estado que deve fazê-las. Portanto, não é verdadeiro o argumento de que fundação estatal substitui secretaria.

 

Embora nossa área assistencial seja gerida em parceria com a Fundação do ABC, é o prefeito Luiz Marinho que indica os superintendentes e gerentes de todos os serviços de saúde (hospitais, UPA, UBS, CAPS, entre outros). Técnica e politicamente eles respondem ao secretário de saúde de São Bernardo. Mantemos rigoroso monitoramento e supervisão dos contratos de gestão com a Fundação do ABC. Nada é feito sem discussão e aprovação do Conselho Municipal de Saúde. Além disso, temos quatro membros de São Bernardo no Conselho Curador da Fundação ABC, dois indicados pelo prefeito (um deles, Maurício Mindrisz, novo presidente da entidade), um indicado pela Câmara de Vereadores e outro pelo Conselho Municipal de Saúde.

 

Nossa representação tem tido voz ativa e nenhuma decisão polêmica ou contrária aos interesses de nosso Município foi aprovada pelo Conselho Curador ao longo destes três últimos anos. Ao contrário, o clima de entendimento e a busca por soluções pactuadas que contemplem interesses dos municípios têm sido a tônica dos trabalhos da direção da Fundação ABC e do Conselho Curador, com quem os dirigentes de São Bernardo mantêm excelente e fecundo relacionamento. Além disso, sem querer ser presunçoso, todos reconhecem a importância da rede municipal de saúde de São Bernardo para a Faculdade de Medicina e o volume de recursos que aplicamos na Fundação do ABC.

 

Fundação estatal não resulta em perda do controle público e da transparência. Ao contrário, temos ampliação dos mecanismos de fiscalização e controle. A Secretaria Municipal de Saúde passa a ser um órgão supervisor. Nenhuma política ou mudança no contrato de gestão, planos operativos ou termos aditivos é efetuada sem discussão e aprovação do Conselho Municipal de Saúde. O Poder Legislativo continua com todas as prerrogativas no papel de fiscalizador do Executivo (e, portanto, da relação com a Fundação do ABC).

 

As secretarias de Finanças, Planejamento e Orçamento Participativo, a Procuradoria, a Controladoria, mantêm participação ativa do Executivo no contrato de gestão. O Tribunal de Contas do Estado exerce também mecanismo de controle, uma vez que se trata de uma fundação pública, embora de direito privado. O Sistema Nacional de Auditoria do SUS também mantém ações de auditoria e controle. E em consonância com o modelo de gestão democrática e participativa que o prefeito Luiz Marinho implementou em São Bernardo, há conselho gestor em todas as unidades de saúde, inclusive hospitais e serviços especializados, com representação paritária de usuários, trabalhadores e gestores. Já em relação ao conselho dos hospitais e AME mantidos por meio da Fundação como OS, não temos nenhuma participação.

 

O senhor comanda o Grupo de Saúde do Clube dos Prefeitos do Grande ABC. Por que a Fundação do ABC, criada por três municípios da região e mantenedora de uma Faculdade de Medicina com sete cursos de saúde, é solenemente ignorada pelo Clube dos Prefeitos?

 

Arthur Chioro -- Tenho dificuldades, sinceramente, para compreender em profundidade os motivos que levaram os municípios do Grande ABC a não se apropriarem da Fundação do ABC e de tudo que tem a oferecer no campo da gestão pública do SUS em âmbito regional. Reconheço que cada Município tem autonomia para escolher o caminho. Mas a opção por parceiros de fora do Grande ABC, alguns sem nenhuma experiência e tradição na administração de serviços públicos de saúde, causa-me certo espanto.

 

Ao assumir a Secretaria de Saúde de São Bernardo e a coordenação do GT-Saúde do Consórcio do Grande ABC, observei que havia a expectativa de que ações integradas em âmbito regional dependeriam da mudança da natureza jurídico-administrativa para consórcio público. Na verdade, no que tange a área da saúde, essa modificação não teve e nem terá efeito prático. Já temos a Fundação do ABC como dispositivo de gestão pública moderníssimo, ágil e eficiente, testado e aprovado, que inclusive dispensa a necessidade de recorrer a OSCIPs, OS e outros parceiros privados para implementar aquilo que de forma articulada e pactuada já temos condições de fazer regionalmente.

 

Considero que o papel mais relevante do Consórcio do Grande ABC, no caso da saúde, é técnico-político, o qual permite que os sete municípios se articulem e pactuem política regional de saúde, considerando singularidades e necessidades de cada Município. Sem visão regional jamais constituiremos um sistema de saúde eficiente no ABC. Digo sempre que a soma de sete sistemas municipais de saúde não produz um sistema regional de saúde. Fica faltando a argamassa, a conexão que permite integrar e harmonizar interesses e necessidades locorregionais. Esse papel deveria ser cumprido pela Diretoria Regional de Saúde do governo estadual, mas infelizmente não o é. Na prática essa tarefa tem sido feita pelo GT-Saúde do Consórcio.

 

O governo do Estado tomou há anos uma decisão profundamente equivocada. Fundiu escritórios regionais que mantinha na Grande São Paulo em uma única diretoria regional de saúde, localizada em São Paulo e responsável por 39 municípios, sete diferentes regiões de saúde e cerca de 50% da população do Estado de São Paulo. Logo no começo do seu governo, Serra fez outra reforma administrativa na Secretaria de Estado da Saúde que fragmentou ainda mais a pasta. Passamos a lidar com diversas coordenações setoriais sem que houvesse uma área que articulasse a interlocução com os municípios. Um absurdo! Tudo isso sem pessoal qualificado, em quantidade suficiente e em condições precárias de trabalho.

 

Assim, a capacidade de gestão da Secretaria de Estado da Saúde ficou profundamente comprometida, em particular no que se refere a uma de suas mais importantes missões, que é coordenar o sistema regional de saúde. Por sorte, aqui no ABC, o GT-Saúde do Consórcio acabou assumindo em parte esse papel, embora não seja possível prescindir da participação ativa do governo do Estado.

 

É difícil analisar a questão regional fora desse contexto, ainda mais se lembrarmos que a regionalização é um dos princípios organizativos do SUS.

 

São Bernardo se uniu a outras cidades da região para impedir que o médico e filiado ao PSDB Geraldo Reple Sobrinho fosse conduzido ao terceiro mandato à frente do Hospital Estadual Mário Covas, um reduto reconhecidamente tucano e que o senhor já advertiu que funciona na base do "disque-amigo" -- os acessos são feitos ou porque o plantonista de uma unidade conhece o plantonista do hospital do Estado ou porque o paciente procurou algum deputado que consegue a vaga. A construção de um Hospital de Clínicas de alta complexidade em São Bernardo é uma maneira de o Município se blindar contra ingerências políticas no Mário Covas? Qual a garantia de que São Bernardo não fará igual aparelhamento político no futuro Hospital de Clínicas?

 

Arthur Chioro -- O doutor Geraldo Reple e sua equipe merecem nosso reconhecimento pelo exitoso trabalho de implantação e direção do Hospital Mário Covas. Uma fase desafiadora, em que foi responsável pela partida do estabelecimento, erigido a partir de uma luta social que se prolongou por décadas e, a seguir, ao longo de 10 anos, sua consolidação como equipamento hospitalar de qualidade indiscutível. Mas o problema é de outra ordem.

 

Nem o presidente Lula, com o respaldo da aprovação fantástica obtida após oito anos de governo, ousou mudar as regras do jogo para ampliar seu mandato. Uma das conquistas da sociedade brasileira é o Estado Democrático de Direito. A alternância no poder é excelente, inclusive para oxigenar e qualificar as organizações. Em nosso País a cultura do patrimonialismo e do clientelismo ainda são marcantes.  Não faria sentido promover uma alteração estatutária para permitir que um superintendente pudesse se perpetuar no cargo. Foi contra isso que, em primeiro lugar, insurgiram-se nossos prefeitos.

 

Um segundo tópico destacado é a falta de transparência na gestão do equipamento. Há percepção generalizada de que se trata de uma caixa-preta. Este talvez seja o aspecto mais crítico que deva ser destacado. Ao mesmo tempo em que é reconhecido como um hospital de muita qualidade, há uma visão unânime dos sete secretários municipais de saúde de que nossos mais graves problemas estão exatamente na inadequação do perfil assistencial do Hospital Mário Covas e do Hospital Estadual de Diadema (Serraria) às necessidades regionais. E a não submissão desses dois hospitais à regulação pública que possa garantir que o acesso dos usuários seja efetuado a partir de critérios de necessidade pactuados entre os gestores municipais e a Secretaria Estadual de Saúde.

 

Desde 2009, no âmbito do GT-Saúde do Consórcio, temos identificado que o principal problema regional na área da saúde é a inexistência de referência hospitalar para os casos de neurocirurgia, neurotrauma, traumato-ortopedia, cirurgia do trauma e cirurgia vascular. São casos que muitas vezes acontecem nas estradas estaduais que cortam o ABC, são atendidos pelo SAMU, por nossas UPAs e PS municipais, mas para os quais temos enormes dificuldades em encaminhar para hospitais de referência. Enquanto isso, os hospitais estaduais continuam alheios com procedimentos e internações de média complexidade, de menor custo, é claro, cumprindo contrato de gestão com o governo estadual. Um papel que nossos serviços municipais poderiam assumir, liberando os hospitais estaduais, de maior complexidade tecnológica, àquilo que não temos condições de fazer.

 

Essa autonomia dos hospitais em definir o perfil assistencial, o papel no sistema regional de saúde e os critérios de acesso para internações, consultas e exames (na maior parte das vezes efetuados por fora da regulação dos gestores SUS), não é apenas um problema da direção dos hospitais. Na verdade, como já antecipei, tanto o Hospital Mário Covas como o Hospital Serraria estão sob gestão do governo estadual, não dos municípios. São vinculados a uma coordenadoria responsável pela gestão dos contratos dos hospitais estaduais geridos como OS e não se submetem à regulação dos gestores do SUS, nem municipais e nem ao menos ao DRS.

 

Diadema há cerca de dois anos vem tentando assumir a regulação do Hospital Serraria, com apoio dos demais municípios, por meio de um Protocolo de Cooperação entre Entes Públicos, previsto na legislação do SUS e aplicado em diversas localidades. O governo estadual, entretanto, recusa-se a implementá-lo, ainda que como uma experiência-piloto em São Paulo e em cogestão com os demais municípios do ABC e a própria DRS.

 

Em relação ao Mario Covas estou otimista. O novo superintende assumiu compromissos públicos com os prefeitos e parece disposto a iniciar uma nova fase. Uma segunda etapa da instituição, em que aspectos positivos da gestão do Geraldo Reple possam ser mantidos e os problemas enfrentados e corrigidos. Se honrar os compromissos assumidos, Desiré Callegaris, novo superintende, terá nosso irrestrito apoio.

 

Quanto ao Hospital de Clínicas (HC), que está sendo construído em São Bernardo, é necessidade imperiosa para o Município, tecnicamente justificada. Temos carência de leitos públicos e de serviços de alta complexidade na região. São Bernardo, maior Município da região, assumirá definitivamente o papel que lhe está reservado em termos regionais.

 

O HC foi planejado para atender às necessidades atuais. Sua inauguração, prevista para junho deste ano, permitirá significativa melhora no acesso e na qualidade do cuidado prestado à população. Além disso, dará início à transformação do HMU em Hospital da Mulher, do Hospital de Ensino em Hospital do Câncer e do PS Central no hospital de urgência de São Bernardo. Mas foi também pensado de olho no futuro, levando em consideração as necessidades do Município e da região a médio e longo prazos.

 

Não tínhamos o direito de fazer um investimento com recursos públicos (do Município e da União) de mais de R$ 150 milhões em obras e equipamentos apenas para blindar nossos usuários das ingerências políticas no Mário Covas. Seria uma mediocridade sem tamanho. O HC será o mais moderno e eficiente hospital público da América Latina e os serviços que serão prestados, assim como já acontece com os que são oferecidos ao SUS pelo Hospital de Ensino, o Hospital Municipal Universitário e o Pronto Socorro Central, serão 100% regulados pela nossa Central de Regulação, atendendo programação pactuada e integrada que vier a ser estabelecida com os demais gestores do SUS. Dessa negociação participarão os sete municípios, a Secretaria de Estado da Saúde e o Ministério da Saúde.

 

Qual era sua expectativa com relação à saúde pública na região e o que mudou desde que assumiu a Secretaria de São Bernardo? O senhor entende que nosso microcosmo de saúde pode ter analogia com a definição de Belíndia, cunhada por um conhecido economista, Edmar Bacha, quando se referia às desigualdades sociais no Brasil? A Província do Grande ABC é uma Belíndia em Saúde?

 

Arthur Chioro -- É preciso colocar cada coisa no seu lugar. O Grande ABC é considerado por muitos especialistas e gestores estaduais e federais como uma das regiões em que o SUS mais avançou no País. Os resultados são claríssimos. Os indicadores de saúde regionais são em geral acima da média estadual e bem superiores aos resultados em âmbito nacional. Há municípios que desde 1989 fazem o dever de casa, construindo uma eficiente rede básica e organizando serviços ambulatoriais e hospitalares, ainda que ao custo do comprometimento exponencial do gasto em saúde com recursos do tesouro municipal.

 

São Bernardo, o maior Município da região, estratégico sob vários aspectos para São Paulo e o País, estava em estado caótico, que qualifico como Pré-SUS. Encontramos a Secretaria de Saúde, em janeiro de 2009, profundamente desestruturada. A capacidade administrativa não refletia a complexidade das responsabilidades sanitárias atribuídas aos municípios. As funções de gestão estavam delegadas à Fundação do ABC, inexistindo processo de gestão no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde. Isso contribuía para a instalação de processos administrativos marcados pelo descaso com o patrimônio público, gerando gastos desnecessários.

 

As unidades de saúde estavam abandonadas, com estrutura física precária e com grande deficiência de profissionais, resultando em desumanização no atendimento ao usuário, expressa na postura de desalento, abandono e desesperança da população frente ao não-cumprimento pelo Poder Público da saúde como um direito. O modelo de atenção adotado era marcado pela fragmentação e desqualificação. A saúde mental estava totalmente desorganizada, sem um projeto assistencial consistente, distante das diretrizes pactuadas nacionalmente; a atenção básica esvaziada de profissionais e propostas; os serviços de urgência com baixa resolutividade e desintegrados da rede de atenção; o PS Central numa condição extremamente precária, uma insuficiência de leitos hospitalares acarretava longa espera em locais inapropriados, uma grande insuficiência de leitos de UTI e falta de médicos em vários serviços, particularmente os de urgência, gerando o caos em toda a cidade.

 

Tudo isso agravado pela inexistência de um processo de regulação, determinando com que cada usuário tivesse que procurar vaga para internações, consultas e exames. A assistência farmacêutica estava privatizada, inexistindo no Município uma política condizente com uma atenção integral de qualidade e configurando situação de falta de medicamentos na rede. Muitos trabalhadores, apesar de bastante desmotivados pelas péssimas condições de trabalho e ausência de processos formativos, vinham demonstrando enorme esforço para produzir saúde em condições tão adversas.

 

O desrespeito com a população se refletia também nos espaços de controle social: em seis anos, o Conselho Municipal de Saúde estava sem eleição, sem legitimidade e não era paritário como prevê a lei. Havia seis anos que não era realizada a Conferência Municipal de Saúde e a legislação municipal nessa área estava em desacordo com as normas do SUS.

 

Percebi que tinha a possibilidade, em função das condições políticas objetivas que estavam em cena, de protagonizar a implementação de políticas e programas dos quais tinha participado do processo de formulação anos antes em Brasília, na condição de gestor do Ministério da Saúde, e que, pela omissão do governo anterior em São Bernardo, foram negligenciadas ou não implementadas, como, por exemplo, a estratégia de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, o SAMU-192, o Programa Brasil Sorridente, a Farmácia Popular e a política de contratualização dos hospitais de ensino. Contava com condições políticas e gerenciais alvissareiras para colocá-las em prática: um prefeito sensível e comprometido com a saúde e o SUS, que elegeu a reestruturação do sistema de saúde como a principal prioridade de governo, o suporte das demais áreas governamentais; orçamento municipal condizente; ampla autonomia para composição da equipe de gestão da secretaria e do complexo hospitalar com profissionais experientes e comprometidos com o SUS; e, autonomia de gestão (administrativa e financeira) a partir da parceria com a Fundação do ABC, gerida a partir de nosso governo como fundação estatal da saúde.

 

Após três anos de intenso trabalho posso afirmar que está em curso uma verdadeira revolução na saúde. Não há relato de investimento tão intenso e qualificado em tão pouco tempo em 23 anos de existência do SUS.

 

Além da construção do HC, já inauguramos seis UPAs (mais três serão construídas esse ano), 29 leitos novos de UTI, quatro equipes do Programa de Internação Domiciliar-PID (serão sete equipes em 2012), quatro Farmácias Populares, quatro CAPS (infanto-juvenil, adulto e dois álcool-drogas, sendo os três últimos com funcionamento 24 horas), três Residências Terapêuticas para cidadãos abandonados no Hospital Lacan, uma República Terapêutica para jovens dependentes químicos. Implementamos e descentralizamos o SAMU-192, inclusive com a ampliação da frota e a introdução das motolâncias.  Inauguramos uma sede para o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, após 25 anos de existência. A sede do Centro de Controle de Zoonoses foi totalmente reformada, garantindo bem estar aos animais.

 

Estamos investindo prioritariamente na estruturação da rede básica de saúde. Inauguramos uma nova UBS no Jardim das Oliveiras. Foram entregues obras de ampliação, reforma e qualificação de quatro UBS (Santa Cruz, São Pedro, Ferrazópolis e Fincos).  Outras sete estão sendo submetidas a obras de reforma e ampliação (Parque São Bernardo, Orquídeas, Planalto, Nazaré, Alves Dias, Taboão e Paulicéia). Duas estão sendo reconstruídas (Rudge Ramos e Batistini). Em 2012 e 2013 todas as UBS da rede serão submetidas à reforma e ampliação. Construiremos, ainda, novas UBS no Areião/Sabesp; Saracantan/Vanguarda e Montanhão. Construiremos mais dois Centros de Especialidades Odontológicas (Silvina e Alvarenga), ampliando o Programa Brasil Sorridente.

 

São Bernardo conta hoje com cobertura de 100% de agentes comunitários de saúde (eram 17% em 2008) e de 42% de Saúde da Família (eram apenas 6%). Implantamos o programa "De Bem com a Vida", voltado à prevenção e à atividade física, e teremos 31 Academias da Saúde até o final deste ano. Cerca de 85 mil crianças da rede escolar passaram a receber cuidados preventivos na área de saúde bucal.

 

Implementamos ações importantes e consistentes nas áreas de vigilância sanitária, epidemiológica, ambiental e controle de vetores. Instituímos a Ouvidoria do SUS e conselhos gestores em todas as unidades de saúde. Reestruturamos a gestão, implantamos a regulação, o fundo municipal de saúde e estamos possibilitando estratégias de educação permanente para os trabalhadores da saúde, inclusive por meio de cursos de especialização em gestão de serviços de saúde para mais de 180 profissionais que ocupam funções de comando na estrutura de gestão.

 

Nosso maior desafio tem sido promover a humanização dos serviços de saúde, tarefa para toda a vida, como sempre digo ao prefeito Luiz Marinho, um gestor obsessivo quando o tema é tratar com dignidade e respeito os nossos usuários.

 

Quem acompanha mobilizações em torno da saúde na região remete seu trabalho em termos de busca de ações regionalizadas às iniciativas de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, em defesa da institucionalidade regional. Como observa esse tipo de análise?

 

Arthur Chioro -- A tarefa que assumi na coordenação do GT-Saúde do Consórcio, por delegação dos demais secretários de saúde do ABC, faz parte das obrigações de um gestor público comprometido com o SUS. Afinal, a regionalização é um princípio constitucional. Talvez a tarefa tenha sido facilitada por minha intensa participação no Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo, o Cosems-SP, do qual sou presidente pela segunda vez, representando os gestores municipais paulistas junto ao governo estadual e ao Ministério da Saúde.

 

Deveria me sentir lisonjeado com a comparação que é feita entre mim e o saudoso Celso Daniel, mas não a considero justa. Tenho muito claro minhas limitações intelectuais e como gestor público. Celso Daniel, assim como David Capistrano, ex-secretário de saúde e ex-prefeito de Santos, com quem tive a honra de trabalhar ainda muito jovem, assim que conclui residência médica em Botucatu e regressei a Santos, minha cidade natal, são gestores que estão num patamar diferenciado, planejadores urbanos dotados de uma sensibilidade incrível, de uma visão estratégica que os permitiu que olhassem suas cidade e a região que poucos enxergavam, de pensarem o futuro e construí-lo com ações concretas e consistentes. Foram quadros de excelência técnica e política que se tornaram minhas referências como gestor público.

 

Sem fazer média com meu chefe atual, porque ele não precisa, quero expressar a minha grata surpresa com o gestor Luiz Marinho, com quem nunca tinha trabalhado antes. A serenidade, a disposição ao trabalho, a sensibilidade social, a capacidade de se indignar com a dor e sofrimento dos mais simples e excluídos, aliadas a uma visão estratégica muito aguçada e a aposta no planejamento como ferramenta de gestão, são características marcantes do prefeito de São Bernardo. Para além da face mais visível do prefeito bem enturmado com o alto escalão do poder executivo federal, como querem alguns, há um gestor público extremamente competente e dedicado, diferenciadíssimo, que terá um futuro brilhante. Tem sido uma honra e um privilégio compor sua equipe de governo e ajudar um pouco a escrever essa história.

 

Recentemente o senhor disse que o governo do Estado não preenche as necessidades de repasses às administrações municipais da região, que não passariam de 2% do orçamento anual, perdendo feio para os recursos municipais e federais. Houve melhora ou há perspectiva de melhora? Até que ponto o governo do Estado tem obrigação de aumentar a contribuição ou a argumentação de que coloca dinheiro de outras formas é suficiente para manter o quadro como está?

 

Arthur Chioro -- A transferência direta de recursos estaduais para a saúde em São Bernardo em 2010 correspondeu a 0,38% do total de gastos. Isso não é muito diferente do que se observa nos demais municípios paulistas. Reconheço que recursos estaduais são aplicados diretamente pela Secretaria de Estado da Saúde em hospitais, medicamentos de alto custo e outros serviços. Entretanto, não conseguimos saber de modo algum qual é esse valor para aperfeiçoar a análise e estabelecer o gasto real per capita com recursos das três esferas de governo. Essa é uma das facetas daquilo que chamamos de caixa-preta.

 

Temos conseguido estabelecer diálogo muito melhor com o atual secretário de Estado da Saúde, Giovanni Guido Cerri. A esperança é que o governo estadual passe a cofinanciar a atenção básica, a rede de urgência, a saúde mental e outras políticas prioritárias custeadas preponderantemente com recursos municipais e federais. Algumas pactuações importantes e históricas foram estabelecidas no final de 2011, após longas negociações. Esperamos com muita expectativa que sejam cumpridas em 2012.

 

O senhor manteria a posição já enunciada de que a soma dos sete sistemas municipais de saúde da região não é um sistema regional de saúde? Houve avanços do Grupo de Trabalho do Clube dos Prefeitos que possam caracterizar algo diferente disso nos últimos meses?

 

Arthur Chioro -- Tanto mantenho que não tive como não me referenciar à situação em questão anterior. O GT-Saúde, que reúne os secretários municipais da área dos sete municípios do Grande ABC e as equipes técnicas, tem obtido muitos avanços. Pactuamos uma grade de referência regional para organizar o papel de cada serviço de saúde na atenção à população do próprio Município e a encaminhada por outros municípios. Avançamos na estruturação das Centrais de Regulação, passo decisivo para a organização e coordenação do fluxo e do acesso dos usuários em âmbito regional (tarefa que só não tem melhores resultados porque a Secretaria de Estado da Saúde precisa fazer a sua parte, já que os hospitais estaduais e as AME de Santo André e de Mauá estão sob gestão estadual). Saímos na frente em relação às demais regiões do Estado na organização e pactuação da Rede Cegonha e da Rede de Urgência e Emergência.

 

Quando será superada a dificuldade estrutural dos dois hospitais públicos da região, Serraria em Diadema e Mário Covas, em Santo André, no atendimento de casos de alta complexidade? Se fosse possível medir o grau de defasagem entre demanda e atendimento, qual seria o indicador?

 

Arthur Chioro -- Quando se integrarem ao sistema regional de saúde. Para isso, temos que definir conjuntamente -- municípios e Estado -- o perfil de serviços e o papel que esses estabelecimentos devem cumprir em âmbito regional. Deve ser efetivado um sistema de controle, avaliação e monitoramento efetivo dos serviços, com prestação de contas públicas dos resultados e metas pactuadas. E o fluxo de acesso dos usuários, atendidos na rede de saúde dos municípios do Grande ABC deve ser efetivamente gerenciado pelas Centrais de Regulação (marcação de consultas, exames e internações).

 

O grau de defasagem pode ser medido pela incongruência entre os números de pacientes atendidos nos hospitais e os efetivamente encaminhados pelas centrais de regulação. E também pelo não cumprimento da oferta de serviços estabelecida nas pactuações que fazemos no Colegiado de Gestão Regional, do qual fazem parte os sete secretários municipais de saúde e a representação do governo estadual. Outro exemplo: para garantir vagas a seis gestantes de São Bernardo por dia, em média, no Hospital Estadual de Diadema, conforme pactuado, é uma luta que acaba sobrecarregando o Hospital Municipal Universitário e coloca em risco a vida das pacientes, comprometendo a redução da mortalidade infantil e materna. O Hospital Serraria não fica vazio, mas acaba atendendo pacientes de São Paulo e de outros municípios fora do ABC. Com isso, não garante o acesso dos nossos usuários. Isso não é justo. Não está correto.

 

 

Como funcionaria o Mário Covas e o Serraria dos seus sonhos de executivo público e médico? Há inadequações funcionais que precisam de correções imediatas de modo a que racionalidade, sistemicidade, produtividade e eficiência tanto no campo orçamentário como no operacional acabariam por dar as mãos?

 

Arthur Chioro -- Vou repetir: são hospitais de muita qualidade, com tecnologia moderna e corpo de profissionais qualificados. O problema é que são geridos à parte do SUS. Integrados à rede regional de saúde e sob regulação dos gestores do SUS, cumpririam com maior eficiência e efetividade o papel assistencial. Com a regionalização efetiva, todos ganharíamos, inclusive esses hospitais, que teriam prefeitos, secretários de saúde e conselhos municipais de saúde das sete cidades como fortes aliados na busca de recursos e de melhores condições de atuação. Ao ver uma gestão tão autista e isolada da região, fico com a impressão que é exatamente isso que se quer: mantê-la devidamente apartada das forças vivas regionais.

 

Um estudo de abril deste ano revelou que a região precisava de 1,5 mil leitos gerais, chamados de internação ou enfermaria, e outras 113 vagas em leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para equilibrar o jogo entre oferta e demanda no setor público, que contava com 2.475 unidades. O que mudou nos últimos tempos para que se apresentassem números mais próximos dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde?

 

Arthur Chioro -- Tomamos conhecimento dessa defasagem assim que assumimos a gestão. Com base nisso e demais estudos que produzimos, iniciamos processo de readequação física-estrutural de toda a rede de atenção à saúde em São Bernardo. Elaboramos um plano diretor que desse conta dessa realidade e indicasse a intervenção necessária para melhorar a qualidade da assistência e orientasse os investimentos necessários.

 

Abrimos 29 novos leitos de UTI, sendo 10 no PS Central e 19 no Hospital de Ensino. Estabelecemos um ato histórico com a nossa Santa Casa, que finalmente passou a participar do SUS, com a contratação de 42 leitos. Implantamos quatro equipes do PID, mantendo 120 pacientes internados em regime domiciliar. Identificamos a necessidade de construir um novo Hospital de Urgências, o que será feito por meio de uma PPP. O HU receberá os casos de maior complexidade e será local do primeiro tempo cirúrgico para as condições agudas.

 

Além disso, aumentamos a oferta de leitos para as urgências e emergências de baixa complexidade, inaugurando seis UPAs, com 60 leitos. E ainda este ano, entregaremos mais três unidades, o que totalizará 96 leitos de observação a mais na rede. Essa ação nos permite desafogar o PS Central e melhorar a assistência para os casos que realmente necessitam de recursos de maior complexidade no atendimento.

 

E para atender a demanda eletiva e ser referencia para as especialidades médicas, estamos prestes a entregar o Hospital de Clinicas de São Bernardo, que ofertará para a rede municipal 260 leitos de internação, sendo 60 de UTI.

 

Com toda essa estrutura, esperamos ofertar para São Bernardo uma assistência integral, humanizada e com qualidade para as necessidades da população. Regionalmente, os demais municípios também vêm investindo na ampliação da oferta de leitos.

 

Como superar os impasses registrados nos prontos-socorros dos hospitais públicos da região, principalmente envolvendo quem depende de exames e que perde até seis horas para completar todos os procedimentos? Esse quadro é uma exceção à regra, é regra geral?

 

Arthur Chioro -- O tempo de resolução de um atendimento não se resume apenas à relação de consumo de um serviço de saúde, que presume uma entrega instantânea, mas ao compromisso de produzir o cuidado mais resolutivo possível, seja em sua fase aguda ou nos cuidados crônicos. Dessa forma, a velocidade desejada pelo usuário e o cuidado adequado nem sempre irão coincidir, o que pode gerar certa frustração nos usuários.

 

Atualmente, as emergências dos hospitais públicos são um desafio para todo o País. Existe excesso de demanda aliada a deficiências estruturais relacionadas ao sucateamento desses serviços, subfinanciamento e despreparo dos profissionais.

 

O sistema de saúde está construído tendo na Atenção Básica seu alicerce principal, funcionando como gestora do cuidado do paciente em seu território de saúde. Por uma série de razões, quando esse cuidado não ocorre a contento os pacientes buscam necessidades em saúde de maneira autônoma, independente da forma como o sistema foi pensado e estruturado, sendo natural a busca dos serviços de emergência, abertos 24 horas.

 

O impacto dessa condição nas emergências é o grande número de pacientes frente a uma estrutura limitada de atendimentos. A árdua tarefa da gestão passa por romper com esse círculo ao fomentar o cuidado horizontal em uma rede hierarquizada que garanta atendimento dentro dos princípios de universalidade e integralidade com a máxima equidade.

 

A resposta para minimizar os impactos nos serviços de emergências passa pela entrega por parte do Poder Público de uma estrutura capaz de dar resposta ao nível da Atenção Básica às necessidades de saúde dos pacientes, por meio de UBS bem equipadas e fortalecimento da estratégia de Saúde da Família para atuação não apenas na promoção e prevenção, mas também nas condições ambulatoriais de manejo das doenças crônicas não transmissíveis e resolução de demandas de baixa complexidade.

 

Entretanto, por mais bem estruturada que esteja a Atenção Básica, agudizações das condições crônicas e demandas como traumatismos e condições infecciosas irão ocorrer e necessitarão de uma rede capaz de dar resposta satisfatória. Para que a população tenha direito à saúde preservado, o sistema precisa possuir estrutura capaz de entregar o cuidado de maneira hierarquizada, privilegiando os serviços com maior incorporação de tecnologia dura para as condições mais graves e complexas -- o hospital -- e tendo unidades para atender com qualidade as condições menos graves e complexas, bem como estabilizar as condições críticas para o atendimento definitivo nos serviços adequados -- as Unidades de Pronto-Atendimento 24 horas (UPA 24 Horas).

 

Fundamental para garantir a integralidade é que todos esses serviços funcionem em rede e que haja um fórum no qual todos os serviços possam pactuar fluxos, dividir os problemas e construírem, baseados na realidade do território onde estão inseridos, as respostas adequadas para aquelas unidades e aquela população. É o ponto chave para que os serviços de urgência e emergência possam alimentar a Atenção Básica com informações que irão quebrar a lógica de queixa/conduta tradicional dos pronto-atendimentos e pronto-socorros.

 

E, finalmente, para garantir a equidade nesses serviços, não basta apenas investir em uma estrutura física adequada e otimizar os fluxos entre as unidades. É preciso também incorporar tecnologias de gestão que consigam priorizar o atendimento àqueles que mais necessitem de agilidade, priorizando o cuidado pelo risco que cada usuário possua no momento. Essa busca, traduzida nos serviços de emergência na figura do Acolhimento com Classificação de Risco, rompe com o modelo burocrático de atendimento por ordem de chegada e prioriza o atendimento segundo as necessidades dos usuários e o risco de morte ou agravamento da saúde pelo retardo desse atendimento.

 

Assim, é possível afirmar que, com um sistema plenamente organizado, os tempos de atendimento nas urgências sempre visarão à equidade, com vistas a resolver as condições mais graves no menor tempo e com a melhor qualidade possível.

 

O que melhorou nos últimos meses no relacionamento entre o Grupo de Trabalho de Saúde do Clube dos Prefeitos e a Secretaria de Saúde do Estado? E o que se projeta para o futuro?

 

Arthur Chioro -- As mesmas propostas apresentadas em março ao ministro Alexandre Padilha foram submetidas pelos prefeitos à Secretaria de Estado da Saúde. Concretamente, tivemos como retorno a garantia de investimento no Hospital Municipal de Ribeirão Pires.

 

Além disso, foram inaugurados os AME-Santo André e o AME-Mauá, que funcionam sob gestão do Estado, em parceria com a Fundação do ABC. Continuamos aguardando respostas em relação às demais propostas, entre as quais a participação financeira do Estado na conclusão do Hospital de Clínicas de São Bernardo.

 

O que significará para a região a confirmação prática de que até o final de 2012 devem estar funcionando 22 UPAs (Unidade de Pronto Atendimento)? Seriam investidos R$ 43,4 milhões na construção e compra de equipamentos para as unidades e repasses anuais de R$ 44,3 milhões para manutenção dos postos. O que significam as UPAs para quem espera melhoria contínua no setor de saúde regional?

 

Arthur Chioro -- As UPAs atendem às demandas de pequena e média complexidade e fazem a estabilização das urgências complexas. Dão retaguarda às UBS e diminuem a sobrecarga dos hospitais de maior complexidade. Fazem o acolhimento dos pacientes, entrevêem na sua condição clínica e referenciam para a rede básica de saúde, para a rede especializada ou para internação hospitalar, de acordo com a necessidade de cada caso. Constituem-se em observatório do sistema e da saúde da população para planejar melhor a atenção integral à saúde da população.

 

A UPA-24 horas é um dos componentes da Rede de Atenção às Urgências (RAU) instituída pelo Ministério da Saúde. Trabalham em rede com as demais unidades do sistema de saúde em um território definido pela gestão municipal, servindo como referência às UBS para casos de urgência e emergência. Essa referência em rede é operada de forma regulada, ou seja, através de protocolos clínicos e de fluxos que envolvem o SAMU 192 e os hospitais existentes no Município ou região.

 

As UPAs são unidades que inovam em relação ao funcionamento. São concebidas com ambiência facilitadora do processo de trabalho, com melhor utilização dos recursos e atendimento humanizado, acolhedor e resolutivo.

 

O atendimento se dá através do acolhimento preferencial com classificação de risco, ou seja, as pessoas não são atendidas por ordem de chegada e sim de acordo com o risco.

 

Contam com equipe multidisciplinar, horizontal, e processo assistencial resolutivo. Os pacientes são referenciados das UPAs para que continuem nas UBS o acompanhamento das doenças que chamamos de Condições Crônicas (hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças respiratórias crônicas etc). O mesmo ocorre com gestantes e crianças menores de um ano.  Além disso, operam com garantia de referência para hospitais quando os casos necessitam de internações ou intervenções mais complexas.

 

Atuando dessa forma entendemos que essas unidades possam interferir de forma positiva na saúde da população. Quando implantadas em nossa região vão fazer a diferença.

 

Como avalia a atuação institucional, operacional e política da Fundação ABC, uma Organização Social de Saúde que administra 11 equipamentos da região com o suporte das prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano? Esse embrião de regionalidade lançado em 1967 chegou a um estágio que permite dizer que é o melhor modelo de gerenciamento da saúde para regiões com as características da Província do Grande ABC ou é possível colocar o pé no freio do entusiasmo para aparar os problemas que o afetam? Esses problemas são graves?

 

Arthur Chioro -- Nos últimos anos, além dos três municípios instituidores, a Fundação do ABC ampliou espectro de atuação para Mauá e Rio Grande da Serra. Inicia, agora, um diálogo bastante promissor com Diadema. Acho que ter alguém com o perfil do Maurício Mindrisz, um gestor público experiente e com visão regional, à frente da direção Fundação do ABC, poderá abrir novas perspectivas para uma maior integração regional. Mas, convenhamos, a decisão de utilizar ou não todo o potencial da Fundação do ABC para qualificar o sistema regional de saúde é tarefa fundamentalmente dos prefeitos e dos secretários municipais de saúde; pouco depende da direção da Fundação.

 

 

Até que ponto é possível dizer que a partidarização interfere nas relações na área de saúde entre as prefeituras da região e também com o governo do Estado? O senhor diria que o tratamento é republicano ou há evidências de privilégios?

 

Arthur Chioro -- Ninguém ganha com a partidarização da saúde. Há um chavão, muito utilizado no campo da retórica, de que o importante é defender a política de saúde e não fazer política com a saúde. Na prática, mudar a cultura política vigente é desafio que só pode ser considerado numa perspectiva dialética. Trata-se de uma questão civilizatória, da afirmação do valor da democracia, de educação política, de liberdade de expressão e exercício pleno da cidadania para a garantia de direitos com justiça social e equidade. Isso exige participação e controle da sociedade sobre o que é público (e, portanto, de todos), além de muito investimento em maior transparência e melhoria da governança no setor público.

 

O SUS (Sistema Único de Saúde), criado pela Constituição de 1988, é avaliado como revolucionário em sua origem, mas está limitado pela rigidez das normas, cobertura deficiente e problemas sérios de gestão. Há um elenco de requisitos que o SUS não preencheria, casos de gargalos de gestão, maior regulação pelo Estado, controles mais sofisticados sobre qualidade de gasto e firme combate à corrupção. O senhor aprova esse diagnóstico?

 

Arthur Chioro -- O subfinanciamento é uma questão central para explicar parte dos problemas do SUS. Concordo também que há muito que fazer em termos de qualidade da gestão e melhoria do gasto público.  Mas o SUS é muito melhor do que a imagem que alguns meios de comunicação vendem à população. As pesquisas que medem satisfação dos usuários demonstram que a avaliação de quem usa o SUS é muito boa. Quem acha que não usa, entretanto, faz juízo de valor muito ruim.

 

Talvez porque não saiba que o SUS está presente no maior programa de vacinação do planeta. Que o Brasil é o País que mais faz transplantes públicos de órgãos. Que o Brasil é o único País com mais de 100 milhões de habitantes que tem um sistema universal de saúde, exemplo da OMS para os demais países, em particular os em desenvolvimento e os que compõem o BRIC. Que tem um exitoso programa de controle da AIDS. Uma política exemplar de sangue e hemoderivados.

 

Quem acha que não usa não percebe que é o SUS que faz vigilância epidemiológica e sanitária, controle de doenças e vetores, que diminuiu a mortalidade infantil e contribuiu decisivamente para a ampliação da expectativa média de vida dos brasileiros (e agora passa a cuidar dos idosos). Que o SUS se responsabiliza pelas consequências da epidemia de violência no trânsito e de homicídios que assolam a todos, inclusive os que têm planos de saúde.  A verdade é que o SUS, quando implantado com vontade política e competência, dá certo. E faz a diferença.

 

Quais os avanços que o Grupo de Trabalho de Saúde do Clube dos Prefeitos obteve do governo federal desde março deste ano, quando o ministro Alexandre Padilha participou de encontro na entidade?

 

Arthur Chioro -- Estruturamos uma proposta consistente para que nossos prefeitos apresentassem ao ministro Alexandre Padilha. Os prefeitos, por meio do Consórcio do ABC, apresentaram uma pauta com prioridades municipais e regionais claras e objetivas, definidas coletivamente pelos sete municípios. Por parte do governo federal várias dessas demandas estão sendo cumpridas, como investimentos para reforma e ampliação de UBS, estruturação e aprimoramento das Centrais de Regulação, implantação da rede de urgência, internação domiciliar, rede cegonha, saúde mental e enfrentamento do crack e outras drogas, para os quais estamos sendo contemplados tanto com recursos de investimentos como para custeio. Falta agora acertar a pactuação com o governo estadual, já que o SUS tem que ser financiado de forma solidária pelas três esferas de governo.

 

Talvez a mais significativa expressão desse avanço foi a conquista do Quali-SUS, um investimento prioritário em 10 regiões metropolitanas com recursos internacionais, obtidos pelo Ministério da Saúde. A captação desse recurso exigiu grande esforço de articulação regional, para o qual contei com decisiva participação da Secretária de Saúde de Diadema, Aparecida Linhares Pimenta. São R$ 21,6 milhões que aplicaremos em comum acordo com os governos estadual e federal. Para surpresa de todos, a proposta do GT-Saúde, aprovada na íntegra pelos sete prefeitos, foi aplicar o recurso integralmente no Hospital Mário Covas, implantando um PS de Urgência do Trauma, principal estrangulamento regional. Oras, em ano de eleição, seria mais usual que esse recurso fosse partilhado entre os municípios, como ocorre tradicionalmente. Aqui no ABC a decisão política foi investir na regionalização da saúde. Prova da maturidade política dos gestores municipais do Grande ABC.

 

O programa Saúde da Família atende a mais de um milhão de pessoas na região. Quais são os benefícios dessa iniciativa, além da resolução de 92% dos casos dos pacientes no próprio território em que reside?

 

Arthur Chioro -- O Programa Saúde da Família é entendido como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde, dentistas e auxiliares e técnicos de saúde bucal) em unidades básicas de saúde.

 

Essas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes buscam a integralidade do cuidado, atuando não só na doença, mas no desenvolvimento de ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde dessa comunidade.

 

O trabalho das equipes do Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. Tem como compromisso estabelecer vínculos e co-responsabilização com a população; estimular a organização das comunidades para exercer o controle social das ações e serviços de saúde; utilizar sistemas de informação para o monitoramento e a tomada de decisões e atuar de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde de indivíduos, famílias e comunidade.

 

Como observa a situação do setor privado de saúde da região que só neste ano acompanhou o fechamento de três unidades num total de 68,8 mil pessoas que ficaram sem atendimento, mesmo pagando o convênio médico em dia? Para onde caminha o setor privado de saúde e o que isso representará em custos para o setor público? A nova classe média que está emergindo como consumidora voraz enfrentará dificuldades para

pertencer de forma mais maciça ao clube dos detentores de plano de saúde ou teremos o adensamento da lista de usuários do sistema público?

 

Arthur Chioro -- A situação da saúde suplementar é tão preocupante que criamos em São Bernardo, de forma pioneira, uma gerência para a área de saúde suplementar. Não dá mais para imaginar fazer a gestão da saúde de uma cidade desconsiderando a cobertura de planos de saúde e os seus problemas. Nem a insidiosa e promíscua utilização dos recursos públicos pelo setor privado.

 

O número de beneficiários cresceu vertiginosamente, mas a garantia de um cuidado adequado não existe. A maior parte das operadoras cobra valores exorbitantes e oferecem muito pouco aos beneficiários. Muitas operadoras vendem planos mas não garantem o que consta do contrato. Não possuem rede de serviços suficiente e criam obstáculos para o acesso dos usuários. Recusam idosos, pessoas com deficiências e enfermidades crônicas, empurrando para o SUS o tratamento dos pacientes com custo elevado (o SUS faz 97% das hemodiálises no País!). Quanto tempo o leitor esperou para agendar uma consulta ou um exame no seu plano de saúde? E qual plano de saúde garante medicamentos gratuitos e com qualidade como faz o SUS?

 

Por outro lado, a rede de serviços privados passa por grave crise, observada de forma muito evidente no ABC, com fechamento de muitos hospitais e tendência de concentração em poucos grupos. Os custos são crescentes e a incorporação tecnológica é acrítica.

 

É uma conta que não fecha. Os usuários querem pagar menos e usar mais os serviços. As operadoras, mais usuários, ganhar mais e gastar menos. Os hospitais, por sua vez, vender mais serviços, economizar custos e ganhar mais, inclusive pagando menos para os médicos e demais profissionais de saúde.  Estes, por sua vez, querem vencimentos melhores. São interesses antagônicos. O problema é a lógica desse sistema, no qual a saúde e a doença passam a ser encaradas como mercadorias.

 

Por isso, países como a Inglaterra, Canadá, Espanha, entre tantos outros, mantêm sistemas universais com tanto êxito, mesmo após as mudanças políticas e econômicas observadas a partir da década de 90 do século passado.

 

Um consultor especializado, Gilson Carvalho, disse recentemente que os R$ 112 bilhões de recursos públicos na saúde deveriam ser R$ 295 bilhões se fosse usado o mesmo critério de PIB per capita dos planos privados. Ele argumenta que o gasto público em saúde como percentual do PIB é um dos mais baixos da América Latina. O senhor concorda com essa avaliação, há certo exagero ou o mundo privado e o mundo público de saúde são completamente diferentes e não podem ser correlacionados dessa forma?

 

Arthur Chioro -- A avaliação desse especialista, a maior autoridade em financiamento da saúde no País, é absolutamente correta e coerente. Em 2009, o gasto público com saúde per capita foi de R$ 1,82 por dia. Como garantir acesso universal, de qualidade e integral a 192 milhões de brasileiros, ofertando de vacinas a transplantes, com um gasto diário inferior a um cafezinho?

 

O que mais choca é a iniqüidade. Enquanto o gasto anual com recursos públicos em 2009 foi de 531 dólares por habitante, cada usuário do setor privado teve disponível 992 dólares para bancar seus gastos em saúde. E além de usar parte significativa de recursos do SUS, principalmente os de alta complexidade e custos, ainda puderam abater despesas integralmente do Imposto de Renda, numa renúncia fiscal que só faz aumentar a injustiça social e a fragilidade do nosso sistema público.

 

A sociedade brasileira vai ter que se defrontar com um debate inadiável: queremos financiar um sistema de saúde universal, capaz de produzir a defesa da vida e proteger a sociedade como um todo, inclusive os setores mais pobres, idosos e pessoas com deficiências e enfermidades crônicas, degenerativas e incapacitantes? Queremos colocar em prática essa conquista civilizatória da sociedade brasileira? Ou retornaremos à barbárie, ao salve-se quem puder, delegando à benemerência o cuidado com saúde aos indigentes, brasileiros que por algum motivo não tiverem capacidade de pagar os custos elevadíssimos e crescentes de um sistema de saúde baseado na lógica do mercado e da exploração da doença?



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